A Virgem e o Garoto De Programa escrita por Leprechaun


Capítulo 4
III- Minha mãe não usa calcinha


Notas iniciais do capítulo

Vou postar este capítulo agora e mais três à noite



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/686478/chapter/4

Como um saldado afadigado que se entrega a derrota por estar cansado de lutar contra o inevitável, naquela noite meu pai me deixou. E com ele levou meus medos e receios sobre a morte.

De todas as reações, anteriormente citadas, decorrentes de se estar morrendo, a única não mencionada é, ao mesmo tempo, a única que realmente esbocei: saudade do que se perdeu.

Esta a ausência de pai me ensinou a suportar, preparando-me para descoberta da bomba relógio só oito anos depois.

Olha, não tô pedindo pra você me entender e de jeito nenhum quero que você sinta pena de mim, e, por favor, não me faça dizer onde você deve meter essa sua pena. Mas eu perdi o que mais amava, então, perder a vida não é tão ruim assim, não é?

Ou é?

Não sei...

Como dizia aquele carinha grego que eu não lembro o nome por que faltei nas aulas de filosofia: Só sei que nada sei.

Claro que eu já sinto falta das coisas que não vivi, e do que não posso mais viver, mas... e daí? Sabe, por mais conformada que eu aparente estar, eu simplesmente não consigo dizer "até a próxima", como meu pai fez, entende?

Eu sinceramente não dou a mínima se vou morrer agora, nesse minuto, ou daqui a alguns anos, mesmo assim sinto meu coração apertar todas as vezes que penso no que vou deixar para trás e as poucas, porém importantes, pessoas que irão sofrer com minha morte. E isso, sim, faz com que eu sinta medo de morrer.

O barulho da porta do meu quarto sendo escancarada me tirou dos meus devaneios e o grito de Renée anunciou a sua chegada:

— Esposas infiéis de Los Angeles, segurem seus maridos. Renee Higginbotham está de volta e ela é irresistível!

— Mamãe! — gritei de volta correndo ao encontro de seus braços, que me ampararam como sempre. E, ali, naquele abraço gostoso, não existia duvidas, tumor ou morte; só existia eu e ela. Claro que faltava algo: papai. Mas por alguns segundos o imaginei compartilhado do nosso momento. — Pensei que viria daqui a duas semanas.

Me afastei minimante, e observei-a. Ela estava como sempre linda, ruiva, bronzeada e jovem.

Resumindo: tudo que eu não sou.

Às vezes me pergunto se era mesmo filha daquela mulher incrível ou se ela me adotou pra não estragar o corpo no maior estilo Beyoncé.

O tempo não passava para mamãe, literalmente. Ao contrario da maioria das dondocas da Califórnia que estão nesse exato momento limpando as bundas de seus amantes de 16 anos com verdinhas de 100 dólares, mamãe era uma mulher "centrada" na medida de um possível estabelecido por ela mesma, é claro!

Definitivamente: de todas as coisas que sentiria falta quando morresse, mamãe estava no topo da lista.

— Consegui adiantar tudo — respondeu a minha pergunta colocando seu chapéu de cowboy em mim. Que merda, eu tiro um boné da cabeça e parece que a uma vaca comeu meu cabelo e cuspiu de volta, mamãe tira e parece que saiu de algum comercial de xampu.

— Sabe, os japoneses têm pinto pequeno, mas o cérebro enoooorme compensa um bocado. Foi fácil fazê-los entender a proposta. E, além do mais — disse apertando minhas bochechas — eu estava morrendo de saudade da minha pequeninha.

Por que me tudo soou mais como "eu não suportaria saber que você morreu comigo longe"?

— Aii como eu senti sua falta, pinguinho de gente! Nunca mais quero ficar longe de você — Me apertou de novo nos braços. Pensei se deveria dizer o não que os peitões dela tavam me sufocando e que eu precisava de oxigênio ainda, mas ela me afastou em seguida: — Eu te disse que a Califórnia faz milagres. Olhe só sua pele! Parece até a de alguém que foi fodida recentemente, heim?

— Sério? — não fiz caso da sua declaração pervertida. Eu já estava acostumada.

Mamãe pensava o tempo todo em sexo, e, quando não estava pensando, estava fazendo selvagemente, de preferencia no escritório do time baseball que ela era dona.

Um dia peguei ela com um jogador no meio do ato, se é que você me entende... Acho que o nome dele é Phill alguma merda, mas para mim vai ser sempre o Senhor Bunda Branca. Acho que eles tem algum rolo, ou deve ser só sexo mesmo. Porque, depois de papai, mamãe nunca mais conseguiu engatar em um relacionamento em que a base não fosse sexo e interesse, que no caso é sexual.

Pensando bem...

Oh, meu Deus!

Minha mãe é uma ninfomaníaca!

Acho que sei em quem Lars Von Trier se inspirou pra fazer aquele filme...

— Acho que já vi cadáveres em decomposição com melhor aparência... — Sorri.

Se é que pode chamar meu sorriso de sorriso — na verdade acho que vou chamar ele de Willy. Era só um esticar dos cantos da boca estilo "ra ra foda-se".

E como de costume ela só revirou os olhos com minha frase depreciativa. Ela também já estava acostumada com a merda que ela cagou no mundo: euzinha!

Com seu braço sobre meus ombros, a guiei até a sacada do meu quarto, onde eu estava tomando sol anteriormente.

— Então o que fez na minha ausência? — Perguntou uma vez que estávamos acomodadas.

Uma mãe normal me bombardearia logo na entrada com perguntas do tipo "Tomou seus remédios hoje?" "Como vão suas dores de cabeças?" " Foi ao médico essa semana?" e toda essa porra de mãe de defunto. Mas a minha não é, digamos, tão "normal" assim...

— Deixa eu adivinhar... Uma festa para uns 500 amigos íntimos, regada a drogas ilícitas, com direito a Justin Bieber e Harry Styles tirando a roupa igual strippers?

Minha mãe é fã de Justin Bieber e eu não. O mundo está definitivamente perdido, mas como diria o próprio Justin: Sorry!

— Não exatamente... eu troquei algumas receitas de bolo com a Carmen — dei de ombros — E aprendi fazer uma Cheesecake de morangos incrível!

— Cheesecake — ela repetiu monotamente colocando seus pés em cima da mesinha de café, seus dedos brincando com os meus — Que excitante! Sério, calcinha perdida.

— Você não usa calcinha...

É vergonhoso assumir isso, mas, sim, minha mãe não usa calcinhas. Como ela mesmo diz: Não se sabe onde ou como pode acontecer, é bom está preparada...

Ela como resposta só sorriu daquele jeito maliciosamente inocente que só ela sabia fazer. Por uma fração de segundos me perguntei se ela continuaria sorrindo assim depois que eu me fosse.

Contendo um suspiro resignado, não deixei que meus pensamentos fossem por ai.

Renée ainda seria essa fascinante ninfomaníaca que eu tive a honrar de chamar de mãe, mesmo que eu não estivesse mais aqui para comprovar que ela estava bem, que não entrou em um coma alcoólico por mistura Coca-Cola, suco de laranja e vodca e lhe lembrar da frequência em que ela devia tomar as pílulas contraceptivas.

Sério, se um dia mamãe aparecer grávida a culpa não será dela, será minha!

— Então, como foi no Japão?

— Bem, eles tentaram me empurrar um material mais barato, mas a qualidade não era tão boa. Eu bati o pé, ameacei contratar arquitetos chineses, você sabe como eles competem com a China, acho que alguma questão de tamanho pinto... Então, tiveram que refazer o projeto usando matérias decentes. Eles bem que tentaram aumentar o preço dos imóveis por conta disso, mas como diria seu pai...

— Um teto sobre uma cabeça é um teto sobre uma cabeça. Um rei paga para possuí-lo, um mendigo trabalha para tê-lo — completei. Essa era a frase preferida de papai, e também o slogan da construtora. Ele havia erguido a Swan's Construction do nada, usando apenas alguns mil dólares da ganhará de herança da sua mãe, minha avó, e mesmo assim se tornou uma das mais renomadíssimas construtoras do país.

Papai construía de tudo; desde conjuntos habitacionais para pessoas carentes à mansões para bilionários. E nunca cobrou um centavo a mais por nada disso.

— É. Mas, no fim das contas deu tudo certo! — mamãe encerrou o assunto por ali, papai era um assunto delicado tanto pra ela quanto pra mim — Ah, conheci um diplomata, também. Ele era poliglota.

— Hum... — Quando mamãe dizia que conheceu alguém, e se esse alguém era do sexo masculino, mesmo que de muitas vezes já ter feito com mulheres, era porque ela havia conhecido intimamente essa pessoa, principalmente os órgãos genitais dela. — Poliglota, é? Que línguas ele falava?

— Podemos dizer que a língua dele por si só dá conta do recado...

Levei a mão até meu rosto, acabrunhada, enquanto ela lambia os lábios e balançava as sobrancelhas sugestivamente.

— Você é escandalosa demais para uma mãe, sabia? — meu tom era mais divertido que indignado.

— E você é responsável demais para uma filha— me acusou com fingindo reprovação. — Pena que não dá mais para devolver pra fábrica. Ou será que dá? A passagem esta maior...

Rimos um pouco de suas declarações, mas logo um silêncio incomum e desconfortável se instalou entre nós, enquanto suas palavram ressoavam na minha mente, como acho que na dela.

Ultimamente era assim, nós parecíamos sempre estarmos numa fodida despedida eterna.

Decidi da ponto final a aquilo de um vez:

— Eu, hum... Vou para Londres semana que vem.

— O quê? — ele praticamente gritou, levantando em um rompante de sua cadeira, a derrubando no processo. Enquanto a ajeitava e se sentava novamente, havia adotado uma postura impiedosa, como a que usava em reuniões de negócios.

Mas eu não estava aberta a negociações.

Não com ela.

Minha vida toda estava em Londres, ou pelo menos o que restou, e nem mamãe nem ninguém me faria desistir dela.

— Já conversamos sobre isso, Isabella. Você não pode viajar de avião nesse estado. — Ela usava aquele tom baixo, com quem repreendesse uma criança mal criada. O problema é que eu já cresci, mamãe — Os riscos são incalculáveis. Seja racional,  Bella, você não está em condições nem de passar por uma turbulência, e muito menos por uma viagem de seis horas. Você não pode e não vai!

Eu quase sorri. Das mil e uma maneiras que eu pensei em morrer (escorregando no box, batendo a cabeça na saboneteira, caindo inconsciente com o nariz e morrendo afogada, um exemplo, por exemplo), de avião ironicamente não estava nessa lista.

— Você é a maior hipócrita que eu conheço, mamãe — soltei, enquanto brincava distraidamente com a aba de seu chapéu ainda em minha cabeça — Uma hora você age como se eu tivesse caído da bicicleta e você estivesse apenas cuidado dos meus machucados; na outra, encara a situação de forma realista, consciente de todos os "riscos" e as poucas possibilidades. Qual é? Você sabe que cada minuto que passa comigo pode ser o último, mesmo assim ainda brinca comigo dessa forma e eu sempre acabo entrando na sua brincadeira. Mas, afinal de contas do que você tem medo? De ficar sozinha? 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Então, o que estão achando da historia?



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "A Virgem e o Garoto De Programa" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.