A Beleza da Alma escrita por Angel Black


Capítulo 6
Capítulo 6




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Do Jin cumpriu sua promessa. Às quatro, uma mulher bateu em sua porta. Ela era oriental como Do Jin, mas não falava português. Curvando-se para Anya, ela se aproximou e passou a cuidar dos seus cabelos e depois fez a maquiagem. Por fim, quando eram cinco horas em ponto, Anya olhou para o espelho sem acreditar no que via. Vestia o mais belo vestido que já vira em toda a sua vida. Era num tom lilás que combinava perfeitamente com ela. Além do mais, a cabeleireira lhe fez um coque que lhe deu ares aristocráticos. Até sua cicatriz não parecia estar tão evidente. Por fim, calçou os sapatos saltiagudos, o que lhe deu uma certa insegurança. A cabeleireira ainda ajudou Anya a colocar a tiara nos cabelos, o colar em seu pescoço, a correntinha em seu braço e um belíssimo anel com um diamante solitário em seu dedo. Quando tudo terminou, ela parecia uma princesa.

— Ah, Deus... o que estou fazendo – disse ela a si mesmo, sentindo um friozinho em seu estômago.

Assim que abriu a porta para que a cabeleireira saísse, viu que Do Jin estava de pé, mais alinhado do que o costume e ainda tinha um buque de flores na mão.

— Você está realmente... bela... – respondeu ele, olhando para ela de alto a baixo. Anya preferia que ele não lhe dissesse isso. Desde o acidente, não conseguia admitir a palavra bela referindo-se a ela.

— Isso é pra mim? - perguntou Anya, sem jeito.  Nunca antes havia recebido flores de um homem. Por que nunca antes saíra com um homem. Ela sabia que aquilo era quase um encontro de negócios, mas ainda assim, sentia aquele nervosismo de um encontro de verdade.

— Eu achei que flores não fariam mal a esse ambiente burlesco em que mora. – disse ele, com uma nota de reprimenda.

— Bem, obrigada, então. – disse Anya, mas colocou o buque de flores no lixo da cozinha.

— Uhnf! – disse ele com mais um muxoxo – Você é bem orgulhosinha, não é? Se está querendo que eu me irrite com você e cancele o encontro, você vai cair do cavalo, mocinha, porque isso não vai acontecer! Vamos, agora! – disse ele, estendendo o braço para que ela se segurasse nele.

Eles caminharam para fora, onde Anya descobriu que uma limusine os aguardava. Quando estava quase atravessando o pátio interno, pisou em falso com os sapatos e se desiquilibrou. Iria cair se Do Jin não a segurasse com firmeza por sua cintura.

— Qual é o problema? – perguntou ele, ainda segurando-a. Estavam tão próximos um do outro que Anya sentiu que o ar lhe faltava, a pressão da mão dele em sua cintura deixou-a corada.

— Já disse ao senhor que não costumo usar saltos altos.

— Você se acostumará! Segure-se em mim... – disse ele, olhando firmemente em seus olhos. Era um olhar enigmático, pois ela não entendia porque ele não a largava e tinha medo de se desvencilhar dele, o que poderia aborrecê-lo. – Confie em mim, Anya...

— Eu confio... – disse ela numa vozinha quase inaudível.

Do Jin finalmente tirou a mão de sua cintura, mas depois entrelaçou seus dedos nos dedos dela e a guiou para a limusine como se fossem dois namorados.

A viagem do Burbúrio até o lugar onde seria a festa levou bem mais que meia hora e em todo o tempo, Do Jin conversava os assuntos do trabalho. Quando enfim pararam diante de uma portaria, a porta do vidro fumê do carro se abriu e Do Jin entregou dois convites. Provavelmente o dele e o dela.

O porteiro disse algo em coreano e Do Jin fez um sinal positivo com a cabeça. Depois disso, os enormes portões se abriram e a limusine avançou. Anya ficou surpresa com as casas daquele condomínio. Eram todas mansões ornadas por enormes jardins com lagos, fontes, estátuas. Anya estava entrando em outro mundo que não pertencia a ela e ela se sentia nervosa.

— Nossa... seu primo deve ser muito rico.

— Não... meu primo, não. Eu sou rico, Anya. Esta é a minha casa.

— Sua casa? Qual delas? – disse Anya, curiosa, olhando para os dois lados da estrada.

— Todas.

— T-t-todas? – perguntou Anya, sem jeito, olhando para Do Jin com espanto. – Então porque os porteiros pararam o carro.

— Por que este não é meu carro corrente. Emprestei uma das limusines de Park Ra In para trazer você... – respondeu ele, com uma cara de brincalhão diante do espanto de Anya – Eu, pessoalmente, prefiro dirigir.

— Você está brincando. Todas essas casas não podem ser suas.

— O condomínio é todo meu. Obviamente, cada casa está destinada a um dos meus parentes. Meus dois tios, minhas duas tias, minha mãe. A primeira casa era do meu avô, mas está vazia por enquanto e eu tenho uma casa no alto daquele morro que eu chamo de casa de esporte. Tem uma quadra de tênis, um campo para a prática de golfe, duas piscinas olímpicas. E tem a minha casa. Um dia talvez eu te leve para visitar.

Anya engoliu em seco. Provavelmente nunca estivera na presença de alguém tão rico e tão orgulhoso de tudo o que possuía. Por alguma razão, aquilo a enervava. Não ligava para pessoas ricas, nunca havia ligado para isso, mas saber que havia duas casas sem serem usadas, quando há tantas pessoas dormindo na rua, desabrigadas! Aquilo era uma injustiça do destino. Do Jin trabalhava muito, isso era verdade, mas enquanto houvesse pessoas passando fome, era injusto uma pessoa ter tanto para ostentar.

— Ficou calada de repente? – perguntou Do Jin, fazendo uma carícia numa das mechas do cabelos de Anya que se desprendeu no coque.

— Por isso acha um absurdo que eu more no meu apartamento.

— Será que você entende agora? – disse ele, achando que possuía toda a razão do mundo – Eu não posso ser um dos mais ricos homens do mundo e ter uma secretária que tem tão pouco. Principalmente alguém tão competente.

Anya piscou várias vezes sem saber como receber aquele elogio. Do Jin a achava competente. Ela que nunca estudara nenhum curso universitário. Ela que não tinha experiência. Anya sempre foi uma boa aluna no Ensino Médio. Tirava as melhores notas da sala e estava estudando muito para fazer o vestibular. Ela tinha tantos sonhos e planos para o futuro, mas mesmo na melhor previsão, jamais imaginaria que estaria trabalhando na Do Jin aos 21 anos como secretária executiva do Presidente. E jamais imaginaria que este presidente a acharia competente.

— Opa... diga que você não está chorando! – disse Do Jin, entregando um lenço a Anya que enxugou o canto dos olhos.  – Por acaso eu te ofendi ou agredi seus ideais políticos ao falar do seu apartamento?

— Não é por causa do apartamento! – respondeu ela, olhando para fora, tentando desviar seu olhar dos olhos escrutinadores de Do Jin.

— E por que é então? Anya, sabe que não gosto de choro... quer me dizer o que está se passando nessa sua cabecinha.

— Não é nada, doutor. Só estou agradecida. Desde o acidente, ninguém nunca me deu uma chance para eu mostrar que eu podia fazer o meu melhor. Eu estava tentando ser uma garçonete, completamente desesperada por qualquer trabalho. E agora sou uma secretária executiva de um executivo importante. Isso pode parecer pequeno e sem graça para o senhor que tem tudo, mas pra mim, significa muito. Significa tudo.

— Que bom, Anya. E eu sei exatamente como você vai retribuir essa minha gentileza para com você. Você não vai sair do meu lado durante a noite toda. E se uma das minhas primas chegar perto, aja como se você fosse uma namorada ciumenta.

— Eu... namorada... do senhor? – perguntou ela com a voz trêmula. Era ridículo só de pensar.

— Claro... é o melhor plano que já tive. Você não tem ideia de como são as minhas primas.

Antes que Anya pudesse dizer qualquer coisa, a limusine encostou no lobby de entrada de uma das casas. Do Jin saiu do carro e estendeu a mão para ela e quando ela finalmente saiu do carro, sentiu uma das mãos de Do Jin em suas costas a guia-la. Ele a guiou até um enorme salão onde havia uma porção de pessoas, quase todas orientais. Quando Do Jin entrou, sentiu que os olhares vinham na sua direção, mas pela primeira vez, não eram para ela e sim para ele. Antes que pudessem se sentar, uma mulher oriental se colocou na frente de Do Jin e ela olhou para Anya ferozmente e falou algo em koreano.

— Esta é Anya Medeiros, mãe. Esta é minha mãe. Kim Dae Sun.

— Muito prazer... - disse Anya, estendendo a mão para a mãe de Do Jin, tentando ser simpática, mas ela olhou para a sua mão como se ela estivesse suja de graxa. E novamente, falou algo em koreano. 

Do Jin respondeu em koreano dessa vez e parecia irritado. Instintivamente, ele a puxou para perto dele, abraçando-a pelos ombros. Depois guiou-a até uma mesa e tirou a cadeira para que ela se sentasse, depois se sentou na frente dela.

— O que sua mãe disse? – perguntou ela, corroída pela curiosidade.

— Você não deve ligar para a minha mãe.

— Ela não gostou de mim.

— Isso não importa.

— Sua mãe se chama Kim também?

— Kim é da nossa família. Usamos o sobrenome na frente. As pessoas nesse país se referem a Do Jin como se demonstrassem respeito, quando na verdade, estão usando meu nome pessoal, não meu nome de família.

— Mas sua empresa se chama Do Jin, por isso acho que todo mundo pensa que Do Jin é seu sobrenome.

— Do Jin era o nome do meu avô, Kim Ha Do Jin. Meu pai se chamava Kim Ha Yang e eu Kim Do Jin.

— Bem, agora eu entendo. Vou lhe chamar de Dr. Kim daqui para a frente.

— Não é necessário. Você pode me chamar de Do Jin.  – disse ele, sorrindo.

— Posso lhe fazer outra pergunta? – disse ela, tentando ser agradável, tentando não pensar nos muitos olhos sobre ela naquele instante - O senhor é mesmo doutor?

— Quando eu tinha sua idade, sofri muita pressão para assumir a presidência da empresa do meu avô, pois ele estava doente e meus tios eram muito incompetentes. Minha mãe foi muito ríspida comigo, pois não queria que eu continuasse meus estudos. Contra toda a minha família, em continuei a faculdade, fiz mestrado e depois doutorado. Só assumi a empresa quando meu avô faleceu.

— Doutorado em que?

— Economia. – disse Do Jin.

Neste instante, um garçom apareceu e os dois conversaram em koreano. Depois o garçom sumiu entre outros convidados que chegavam.

— Economia? Por isso o senhor é tão bom em fazer negócios.

— Eu sei no que investir e sei como administrar a minha empresa. Mas na verdade, se eu pudesse escolher, eu estaria na universidade e seria um professor. É claro que não posso fazer isso. Minha responsabilidade com os bens de minha família estão em primeiro lugar.

— Mas se o senhor já é tão rico, para que quer mais? Por que não vai atrás do seu sonho e se torna um professor?

Do Jin sorriu, mas Anya não sabia se ela dela ou para ela. O garçom apareceu novamente e colocou um copo estranho com um conteúdo ainda mais estranho na frente dela.

— O que é isso? – ela perguntou, curiosa, ao ver que Do Jin havia se servido da mesma bebida. 

— Dondonju. É um vinho feito com arroz. É coreano e é muito bom. Prove.

Anya bebericou a bebida e sentiu toda a garganta ferver.

Do Jin gargalhou alto, chamando a atenção dos convidados nas mesas ao redor.

— Você não está acostumada a beber, não é?

— Não muito. – disse ela, sem graça. Mas continuou bebendo, pois não queria que ele achasse que ela não havia gostado da bebida que ele escolhera para ela. – Então, doutor, não vai me responder?

— Anya, já faz alguns anos que eu desisti de todos os meus sonhos. Eu machuquei muitas pessoas e agora não tenho o direito de ser feliz. – disse ele e Anya percebeu que havia uma nota de tristeza em seus olhos. Era a primeira vez que ela o via de outra forma. Parecia que havia um enorme buraco negro no coração de seu chefe que o impedia de confiar nas pessoas. Alguma coisa que havia acontecido no passado.

Ela queria poder insistir naquele assunto e saber mais sobre seu chefe, mas uma mulher oriental apareceu do nada e se sentou ao lado de Do Jin.

— Olá, meu amor. Por que não veio na cerimônia. Você sabe que um casamento chama outro, não é?

— Anya, você sabia que na Coreia, os primos são como irmãos? – disse ele, olhando para a mulher. Se eu me casasse com você estaria cometendo incesto, prima!

— Ainda bem que estamos no Brasil, não é, meu caro? – disse ela, envolvendo o pescoço de Do Jin e depositando um beijo selinho em seus lábios.

— No Brasil também não é costume os primos se casarem! – disse Anya, tentando bancar a ciumenta. Na verdade, aquela carícia a irritara profundamente.

— Aishh... quem é essa mulher! – disse a garota coreana, finalmente olhando para Anya. Seu olhar deteve-se em sua cicatriz e sua reação foi forçadamente exagerada para fazer Anya se sentir mal. – Aigo... que coisa... feia!!!

— Esta é a minha namorada! – disse Do Jin.

Anya arregalou os olhos. Sabia que Do Jin planejava usá-la como sua namorada. Ainda assim, não imaginou que ele seria assim tão direto.

— Sua... namorada... você deve estar brincando? Onde é que achou essa daí? Num circo de horrores?

— Escuta aqui, Mai Ji. – disse ele, segurando o pulso da garota. – Respeite minha mulher, ou você vai ter que arrumar outro lugar para ficar.

— Nossa... só estava brincando – disse ela, puxando o pulso com força. Depois disso, ela lançou um olhar fulminante para Anya, levantou-se e se afastou.

Anya descobriu que não era a única da empresa que estava na festa. O vice-presidente, o senhor Park Ra In estava presente, bem como alguns executivos da mesa da diretoria. De vez em quando, um deles parava à mesa deles e conversavam com Do Jin, cumprimentando-a socialmente, embora era possível ver em seus rostos o desconcerto de verem uma garota como ela acompanhando o poderoso Do Jin.

Eles serviram alguns pratos saborosos e outros não tanto. Do Jin explicava como o prato era feito, uma vez que toda a culinária pertencia à cultura coreana. No fim de algumas horas, Anya já estava bem alterada com o dondonju e outras bebidas que Do Jin lhe deu para experimentar. Anya achou que o mais prudente seria recusar, mas ele parecia tão empolgado em falar sobre sua cultura que ela achou melhor não comentar que se sentia tonta.

O problema aconteceu quando Do Jin lhe estendera a mão para dançar. Anya ficou pálida, pois não poderia recusar. Muita gente estava olhando para os dois e Do Jin ficaria muito sem graça se ela não o acompanhasse até a pista. Sem graça ela se levantou e segurou a mão dele. Na pista, enquanto os outros casais dançavam mais afastados, Do Jin a envolveu de uma forma estranhamente íntima. Segurava sua cintura e a puxou para si como se fosse beijá-la.

— Tudo bem? – ele perguntou, pois percebeu que ela estava tensa.  Como ela era muito menor do que ele, Do Jin segurou seu queijo e levantou sua cabeça para que os dois se olhassem.

— Eu estou tonta, doutor! – ela disse, sem graça, rezando a Deus para que não tropeçasse, nem fizesse nenhum escândalo caindo sem jeito, ou fazendo Do Jin cair.

— Apoie-se em mim! – disse ele, puxando-a cada vez mais para perto dele. Sem alternativa, Anya encostou-se dele, colocando o rosto contra seu peito enquanto seus braços envolveram sua cintura. Dançaram assim por algum tempo e Anya fechou os olhos para evitar os olhares. Sabia que se namoro era a impressão que Do Jin queria passar, ele estava tendo sucesso. O problema seria aguentar na segunda-feira os comentários que aquela suposta relação provavelmente geraria.

Do Jin apresentou ainda Anya aos dois tios que Do Jin desaprovava. Eles estavam sentados na mesma mesa e pelo que Anya entendeu, o noivo era filho de um deles. Havia uma grande tensão entre Do Jin e eles e parecia que eles gostariam de devorar Anya com os olhos se pudessem. Depois de passearem entre outros convidados cumprimentando algumas pessoas, Do Jin perguntou em seu ouvido se ela gostaria de ir embora e ela fez uma aceno com a cabeça concordando.

Já na limusine, Do Jin tirou seu casaco e colocou sobre os ombros de Anya, quando percebeu que ela tremia.

— Isso é de frio ou é de nervosismo? – perguntou ele, com uma expressão risonha – Você foi muito bem, Anya. Obrigada por esse favor, talvez nem consiga compreender exatamente o que estava acontecendo nessa festa, mas você me salvou.

Anya não respondeu. Não estava passando muito bem. O vinho estava fazendo seu efeito. Tudo rodava ao seu redor.

— Anya... – escutou a voz de Do Jin novamente. Ele parecia muito distante dela, pois tinha a nítida impressão de estar caindo num precipício fundo e escuro.


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