A Beleza da Alma escrita por Angel Black


Capítulo 1
Capítulo 1




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Anya Medeiros já havia se acostumado com aqueles olhares. Não eram agradáveis. As pessoas sabiam ser cruéis.

Uma menina de 4 anos perguntou para a mãe o que Anya era, como se ela fosse um monstro de alguma história de terror. A mãe disfarçou encabulada e disse para a menina não olhar. Os outros foram ainda piores. Uma mulher virou a cara, assustada, com nojo. Um homem não conseguia parar de olhar porque estava curioso demais.

Sem jeito, Anya puxou mais ainda a aba do capuz e se encolheu no canto, olhando para fora enquanto o metrô avançava pela cidade. Ao longe ela podia ver o edifício da Empresa Do Jin. Ela sabia que a empresa era um conglomerado que controlava várias redes de supermercados, shoppings e lojas de departamentos pelo país inteiro e sabia que o Kim Do Jin era o presidente. Ela não o conhecia, a não ser de algumas reportagens em revistas e noticiários. Ele era um grande empresário, um dos mais ricos do mundo e participava de eventos sociais com uma certa frequência. Não que ela o visse por aí, afinal de contas, ela não tinha vida social e mesmo se tivesse, jamais seria aceita nos lugares que ele visitava.

Mesmo sem conhecê-lo pessoalmente, Anya sabia que ele era um homem implacável nos negócios. Como é que ela poderia conseguir aquele emprego como sua secretária, então? Anya não tinha experiência, não tinha nenhum curso superior, nem cursinho técnico ela tinha, como podia estar sendo tão ambiciosa? E no entanto, ali estava ela, naquele metrô, prestes a fazer uma entrevista. O salário que a Do Jin oferecia era vergonhoso, mais ou menos 5 mil reais. R$ 5 mil reais!!! Ela nunca conseguiu ganhar mais que 700 em seus empregos anteriores. Então o que ela fazia indo em direção àquela entrevista?

Anya não poderia voltar atrás, não agora que estava ali, embora soubesse qual seria o resultado. Ela seria humilhada e sairia correndo da Do Jin com o rabo entre as pernas, seu orgulho ferido e com um trauma a mais para sua coleção. Mas recuar seria se entregar a covardia e isso ela não faria. Era o que sua mãe queria: que ela se entregasse e que aceitasse sua ajuda como uma inválida. Era por isso que sua mãe lhe arranjara aquela entrevista e ela, ingênua, havia caído uma vez mais na armadilha de Avana Medeiros.

Desde que saíra de casa há seis meses, sua mãe Avana fazia de tudo para depreciá-la. Dizia-lhe que ela era deformada e que jamais teria um emprego decente. Que as pessoas tinham nojo dela e tudo o que ela deveria fazer era trabalhar como sua empregada doméstica às custas de comida, muita humilhação e completo isolamento social. Isso Anya não poderia suportar. Ela tinha sonhos e apesar de ter aquela aparecia medonha agora, Anya não poderia desistir de tentar ter uma vida funcional. Lutaria até o fim, até que todas as esperanças estivessem arruinadas. Embora faltasse muito pouco para isso.

Quando o metro chegou a estação central, Anya desceu, e passou a caminhar numa das ruas mais movimentadas da cidade. As pessoas se afastavam quando viam seu rosto, embora ela andasse cabisbaixa e com o capuz sobre a cabeça e parte do rosto. Quando entrou no edifício Do Jin, Anya titubeou, ao olhar o lobby de entrada. Aquele lugar não era para ela. Luxo e Ostentação não combinavam com uma garota simples e pobre. Entretanto, com o coração aos pulos, ela aproximou-se da recepção, onde a garota recepcionista deu-lhe um olhar que misturava consternação e nojo.

— Posso ajudá-la? – disse a recepcionista.

— Vim para uma entrevista de emprego.

— Ah, sim, para copeira?

Anya engoliu em seco. Poderia confirmar, não seria tão ruim. Mas seu orgulho estava em jogo e agora que já iniciara aquele processo de humilhação, teria que ir até o final.

— Não, para o de secretária executiva do Dr. Do Jin.

A recepcionista ficou de boca aberta. E olhou para Anya de alto a baixo.

— Claro – disse a recepcionista, tentando disfarçar um riso debochado. – Pegue o elevador, desça no 8º andar e fale com o senhor Amador, o gerente de recursos humanos.

Anya obedeceu e surgiu num oitavo andar em polvorosa. Havia funcionários andando de um lado para outro e todos pareciam estar ocupados e nervosos, mal olhavam para ela. O problema é que os que olhavam, suspiravam assustados e não conseguiam mais deixar de olhar.

— Posso ajuda-la? – perguntou uma mulher muito loira, muito alta e com os sapatos mais altos que Anya já vira.

— Vim para uma entrevista de emprego.

— Ah, até que enfim... precisamos de copeiras com urgências... – disse a mulher, tentando ser simpática, embora não tirasse os olhos das cicatrizes de Anya.

— Mas eu não vim para ser cop... – Anya tentou explicar, mas foi interrompida.

— Entre naquela sala e aguarde o senhor Amador... – disse a mulher, apontando para uma porta dupla.

Sem tentar corrigir o mal entendido, Anya se aproximou da porta, abriu-a e invadiu a sala, fechando-a atrás de si. Quando se virou, viu um homem sentado na ponta de uma enorme mesa de reuniões e ele parecia curioso com a sua presença.

— Posso ajuda-la? – disse ele, com uma expressão aborrecida. Ele era oriental. Anya sabia que Kim Do Jim era oriundo de uma família oriental, mas não imaginava que havia mais empregados dessa estirpe.

— Ah... eu vim para a entrevista de emprego ... para o cargo de secretária do Dr. Do Jin – completou ela, antes que ele também a confundisse.

— Secretária, é? – perguntou ele, voltando os olhos para os papéis que analisava. - Você tem experiência?

— Não, senhor?

— Tem referências?

— Também não senhor...

— E o que veio fazer aqui, então, menina? – disse ele, olhando-a de alto a baixo. – Ninguém vem para uma entrevista de emprego como essa, sem um poderoso currículo nas mãos, muito menos vestindo-se dessa forma.

Anya também olhou para o próprio corpo. Vestia calça jeans, tênis e um casaco de moletom com capuz que ainda estava sobre a cabeça. De fato, não era uma roupa adequada para concorrer a vaga de secretaria executiva de uma multinacional.

— Você tem algum problema mental, garota? – perguntou ele, rispidamente, ao ver que ela não respondia.

Ela estreitou os olhos, fervendo de raiva e frustração.

— Sim, eu acho que tenho um problema mental. Eu devo gostar de sofrer, pois é só isso o que pessoas sabem fazer comigo: me escorraçar como se eu fosse um cachorro sarnento. Complete meu dia infernal, convidando-me a sair, por favor, é só o que eu preciso neste momento...

Ele também estreitou os olhos, depois sorriu.

— Aparece cada um... – disse ele para si mesmo - Por que veio aqui... realmente? Você deve saber que se mostrando dessa... dessa forma, jamais ganharia um emprego desse calibre. Se esperava ser rejeitada, porque veio?

— De que "forma" o senhor está falando: das minhas roupas, do meu jeito... ou do meu rosto deformado?

— Do pacote, garota... o que esperava? – disse ele, abruptamente.

Anya abriu a boca e depois a fechou. Pelo menos ele fora sincero. Nem mesmo ela sabia por que estava ali. Ela realmente sabia que seria rejeitada. Sabia que seria humilhada. Por que estava ali, então?

— Estou cansada de ter esperanças... – disse ela com uma voz triste e derrotista. Estava tão desanimada que não conseguiu conter seu próprio espírito - Estou cansada de pensar que pode haver algo de bom para mim aqui fora... eu quero que isso acabe... quero finalmente compreender que minha vida está acabada e que a única coisa que me resta é aceitar a bondade de uma pessoa cruel que quer me escravizar... então, por favor, não tenha pena e me mande sair agora. Precisa ser o senhor... Não posso fazer isso por mim mesma...

Anya não queria chorar, não planejava abrir seu coração daquela forma para um estranho, principalmente, para o chefe de Recursos Humanos de uma empresa que provavelmente a consideraria ainda mais instável para o trabalho, mas ela não conseguiu resistir e lágrimas se formaram em seus olhos.

Ele estava abismado. Olhava para ela, como se ela fosse uma mulher de outro mundo, mas não disse uma só palavra. Parecia consternado, surpreso.

De repente, a porta dupla se abriu e um homem de bigodes surgiu.

— Ah, desculpe pela minha demora, Dr. Do Jin, estava entrevistando uma das copeiras, mas... posso ajuda-la? – perguntou ele quando percebeu a presença de Anya. Seu olhar deteve-se em suas cicatrizes. Seu rosto contorceu-se numa careta de asco, os olhos vidrados no seu rosto deformado.

— O senhor é o Amador? – perguntou Anya, percebendo que o tempo todo estava falando com o próprio Kim Do Jin, o presidente da empresa. Deveria ter percebido. Como poderia ter sido tão idiota. O rosto dele era conhecido, já vira uma fotografia dele no jornal, por que não o reconhecera? – Oh, Deus... eu... eu... vou embora... eu não deveria estar aqui... eu sinto muito...

— Agora é tarde, mocinha. Você veio e está aqui. Agora aceite as consequencias dos seus atos – disse Do Jin com uma voz decidida e firme – Amador, essa é a minha nova secretária. Você estava me pressionando para escolher uma logo e aí está...

— Sua... secretária? – perguntou Amador, olhando Anya de alto a baixo. – Mas... mas...

— Faça os trâmites... ela começará amanhã... às oito.


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