Era início de Primavera em Istambul, já se podia ver as flores surgindo nas árvores e jardins e o aroma doce que elas conferiam tomar conta do ar, espalhando perfumes e cores.

Fatmagul amava a Primavera. Era sua estação favorita. Talvez tivesse algo a ver com as rosas que se abriam nessa época e faziam parte de seu nome, do nome de seu restaurante e de seu jardim particular em casa.

O dia estava lindo, o sol quente o bastante para aquecer sem queimar a pele e o céu incrivelmente azul, quase sem nuvens, as poucas esparsas aqui e ali, brancas e com aparência felpuda que a fazia lembrar-se de algodão recém colhido. Um sorriso adornou os lábios dela enquanto atravessava a rua em direção à Cozinha da Rosa.

Ainda era cedo de manhã, sua sogra Meryen nem tinha chegado. Abriu o portão do estabelecimento com cuidado. Justo naquele dia, Mehmet, seu assistente e quebra-galhos oficial, não estava, ela havia lhe dado autorização para visitar a família que morava em outra cidade. Portanto, pela próxima hora seria apenas ela e…

“Lodos!” Fatmagul exclamou quando percebeu o cachorro de estimação entrar no restaurante abanando o rabo perto de suas pernas. “Você me seguiu até aqui?”

O animal, parecendo entender, latiu em resposta. Fatmagul balançou a cabeça, tentando ralhar com o bichinho, mas foi incapaz.

“Você não queria ficar sozinho em casa, não é mesmo?”

Ela acariciou a cabeça do animal e em seguida abriu a porta do restaurante. Lavou as mãos e pegou as toalhas de mesa, decidindo arrumar as de fora primeiro. Então, pôs-se a organizar as mesas e cadeiras na área externa. As plantas já vicejavam e ela ajeitou os vasinhos de flores sobre as mesas com os forrinhos de sempre.

Fatmagul admirou seu trabalho por um instante, em seguida admirou a vegetação verde e bonita que cobria o caramanchão, abrigo para os clientes ao ar livre. Inspirando, feliz, ela voltou à parte interna do restaurante.

Depois de lavar as mãos, ela colocou um lenço sobre os cabelos e um avental, passando para a área da cozinha. Não havia tanta coisa a ser feita já que as encomendas tinham sido todas entregues no dia anterior. Ela, então, decidiu começar a preparar as tortas e sobremesas.

Enquanto cantarolava antigas canções de que sua mãe gostava, Fatmagul abriu massas e cortou frutas, polvilhou açúcar e desenformou algumas delícias. Uma delas, porém, era especial. E o pensamento trouxe um amplo e belo sorriso ao seu delicado rosto.

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Já era noite. Kerim estacionou a caminhonete do lado de fora do restaurante e observou as mesas do lado de fora recolhidas, a porta de entrada estava fechada e só se via as luzes do lado de dentro a denunciar que ela ainda estava lá, a sua espera.

Sorrindo, ele desceu do carro e entrou. A medida que caminhava rumo à porta principal, desfrutava da brisa fresca suave e do cheiro das flores e plantas que ela carregava consigo. Estava contente por encerrar mais um dia de trabalho e por poder passar mais uma noite ao lado de Fatmagul. Assim como estava contente com o clima. A Primavera era uma de suas estações favoritas.

Assim que atingiu a porta dupla, Fatmagul o avistou do lado de dentro pelos vidros quadriculados e sorriu, caminhando para abri-la.

“Bem vindo” ela o saudou com carinho na voz.

“Obrigado” Kerim disse, sentindo um cheiro gostoso no ar. “Nossa. Tá um cheirinho tão bom aqui dentro.”

Fatmagul meneou a cabeça, indicando que ele afundasse mais para o interior do restaurante. “Venha.”

Kerim a seguiu assim que ela fechou a porta atrás deles. Caminharam até uma das mesas, uma que ficava bem perto da área da cozinha. Foi quando ele viu um bolo incrivelmente bonito sobre ela.

“E isto?”

“É para você” ela respondeu com um pequeno e lindo sorriso.

“Ah, é?” um sorriso também brotou nos lábios de Kerim. “E por algum motivo especial?”

“Porque você é especial pra mim” ela ampliou o sorriso antes de se virar e pegar talheres sobre o balcão da cozinha. “E também porque hoje me lembrei de que a Primavera já começou, e isto me fez lembrar de que nós também estamos num novo começo.”

Quando ela se virou novamente de frente para ele, tendo colocado os talheres sobre a mesa ao lado do bolo, Kerim a olhava e sorria intensamente.

“Sim, nós recomeçamos. Desde aquela noite em que você fez um outro bolo especial pra mim. Lembra?”

“Como eu poderia esquecer?” Um sorriso fez cócegas nos cantos dos lábios de Fatmagul.

Foi no aniversário de casamento deles, um ano atrás. Foi quando ela decidiu que havia mais motivos para comemorar do que lastimar. Foi quando decidiu que queria Kerim definitivamente em sua vida, que precisava dele. E de tornar aquele casamento real. Para os dois.

“Eu quis superar,” ela começou a dizer, a expressão tornando-se mais séria, “quis superar tudo que me tinha acontecido. Quis começar uma vida nova ao seu lado. E, bem…” ela inclinou a cabeça e encolheu um dos ombros, o sorriso voltando a aparecer “Aqui estamos.”

Kerim, que a ouvia com atenção e carinho, também sorria. “Aqui estamos.”

Pegando a faca, ele deu a volta na mesa e se aproximou, estendendo-a a Fatmagul, que a pegou na mão direita. Em seguida, ele pousou a mão sobre a dela e levou-as ao bolo, cortando-o juntos. Enquanto a faca deslizava pela massa suave, liberando ainda mais o aroma delicioso, ele abaixou-se um pouco, nivelando a diferença de altura entre eles, e encostou o rosto ao dela, beijando a face lisa e macia, arrancando um arrepio e um sorriso maior da amada enquanto lhe sussurrava ao ouvido...

“E que bom que estamos aqui.”

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