Upside Down escrita por wathever


Capítulo 2
So Far




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O decorrer dos dias seguintes fora limitado e incessante. A ansiedade parecia tomar posse do meu corpo e sentia como se cada pequena célula estivesse soltando faíscas.

Tudo estava acontecendo exatamente igual a antes. Saía de casa às 7:00h (mas agora a pé, já que haviam me proibido de usar o carro pelas próximas semanas), chegava à escola atrasado, ofegante e nem me preocupava em pegar meus materiais em meu armário, já tinha desistido de fingir que prestava o mínimo de atenção em algo.

No almoço, Phoebe, a aluna nova de cabelos extremamente cacheados e olhos azuis claros, puxava conversa comigo o tempo todo. Não gostava de conversar, mas Phoebe fazia com que meu típico mau humor matinal se esvaisse em partes, mas era no período da tarde quando a ansiedade desaparecia e era tomado por uma confusão eloquente e, quando finalmente o sinal do horário da saída batia não existia som mais entristecedor.

Há dias (semanas talvez, mas isso eu provavelmente não saberia), minha mãe brigara com meu pai, e logo em seguida saira de casa com o carro sem dar explicação alguma. Assim que voltou, dois dias depois, o assunto se fez proibido. Eu não sabia do que se tratava, a ansiedade me corroia por dentro mas me sentia destinado a não fazer perguntas sobre o assunto.

A angústia tomava conta da casa, assim como a nova rotina quase usual. O lugar pela manhã não tinha mais o típico cheiro de panquecas ou qualquer outra iguaria típica de cafés da manhã, pelo contrário, a casa cheirava a cigarro e cerveja. Assim que chegava do colégio, a cena típica era meu pai sentado ao pé da escada, o jornal em uma das mãos, o cigarro na outra e uma lata de cerveja ao seu lado., enquanto minha mãe continua trancada no que era para ser um quarto de hóspedes, mas que acabou se transformando numa mini biblioteca particular. Nós mal nos falávamos desde o ocorrido e, devido à minha recente falta de extroversão, nem me dava ao trabalho de perguntar como estavam durante o jantar, todos comiam calados e de vez em quando algum comentário sobre o noticiário era feito.

Hoje, no Quarto Dia, acordei com a cabeça girando e as mãos trêmulas, certamente havia tido um pesadelo, mas não me lembrava de nada. Tinha decidido na noite anterior que não iria para a escola no dia de hoje, então não me importava de o sol já estar a pino quando me levantei e abri as cortinas. Me recostei na cômoda que tomava conta de uma boa parte do pequeno quarto e algo me chamara a atenção sobre ela. Era o bilhete que Samantha havia deixado em meu bolso naquele dia do parque. Com tanta coisa acontecendo tinha me esquecido completamente do ocorrido.

Cerca de meia hora depois, me encontrava sentado na beira da cama. O celular em uma das mãos e o bilhete na outra. Não sabia ao certo o que fazer. Parte de mim queria fazer a ligação; não queria mais o sentimento ruim que habitava meu corpo e mente nos últimos quatro dias. Queria tentar algo novo. Mas outra parte temia o que aconteceria depois. O medo do desconhecido estava sempre alí, instalado em mim e me impedindo de viver.

Disquei o número disposto a enfrentar o que quer que fosse. O botão para realizar a ligação parecia tentador, mas não o apertei. Resisti mais uma vez.

Um idiota…

Me achava um completo idiota por temer falar com uma garota, mas parte de mim sabia que não era apenas uma garota. Havia algo de interessante sobre ela. Intimidador até. E a ansiedade que já estava ali instalada em meu corpo só tomou força, assim como a angústia.

Saí de casa saber ao certo para onde iria, mas logo me vi embrenhado nos galhos das árvores do parque, indo em direção ao lago. Precisava ao menos tentar espairecer. Conforme chegava ao meu destino, ficava mais e mais extasiado; essa era a sensação que eu esperava e necessitava nesse momento.

Atravessei as últimas árvores e me surpreendi com a cena que havia ali, logo à minha frente. A garota estava sentada no tronco da árvore, assim como da última vez que a havia visto; seus cabelos caíam por suas costas alguns centímetros mais longos do que me lembrava e seus olhos estavam fixos no chão, sem nem perceber o barulho que tinha feito ao sair da floresta.

—Achei que não gostasse daqui…- disse com a voz oscilante e a garota se virou subitamente para minha direção e abriu um sorriso.

—E eu achei que você fosse me ligar!- e o sorriso se desfez num piscar de olhos.- Acho que me enganei…

—Eu ia… só tem muita coisa acontecendo, não sei bem o que fazer da minha vida.

—Vem cá, me fala o que está acontecendo.- disse batendo ao lado dela no tronco caído.- Talvez eu possa ajudar!

—É coisa de família.- me sentei ao seu lado e apoiei o rosto nas mãos.- Não sei o que está acontecendo e isso está me deixando louco! Não tenho mais vontade de ficar em casa, o clima lá não é mais agradável… aliás, em nenhum lugar é.

—Sei como são essas coisas de família… por isso que eu saí de casa.- olhei para ela com um misto de curiosidade e surpresa, e percebendo meu olhar continuou a falar sem que eu precisasse  dizer nada.- Meu pai, ele não era um cara legal… ele batia  na minha mãe. Não na minha frente, claro, mas eu sempre a ouvia gritando e sempre que eu perguntava o que estava acontecendo ela mudava de assunto. Eu cheguei até a pensar que talvez eles só fossem um pouco masoquistas demais em certos momentos, se é que você me entende… mas a coisa ficou pior. Em um momento meu pai era ele mesmo, feliz e carinhoso como ele sempre tinha sido, pelo menos comigo, e então cinco minutos depois era como se tivessem ligado um interruptor dentro dele e ele simplesmente virava um monstro. Ele chegou a me bater algumas vezes, até que quando eu fiz dezesseis anos eu tentei convencer minha mãe a sair de casa comigo, mas ela não quis. Ela tinha mais medo dele do que eu tive, mas conseguiu me convencer a ir sozinha…- um silêncio se instalou entre nós. Sam fitava a água com a expressão vazia e eu a encarava sem saber o que dizer. Ficamos assim por alguns segundos ou minutos, isso pouco importa; ao fim dessa situação, Sam, com os olhos marejados tornou-se a mim e disse com convicção.- Há algumas semanas eu recebi uma carta de um parente de Bolton… minha mãe faleceu em algum momento dessas ultimas semanas e ninguém tinha se dado ao trabalho de me dizer. Eles querem a herança que ela deixou em meu nome, deixarei que eles façam proveito do dinheiro, isso pouco importa, só pedi que deixassem seus pertences comigo… no fim é isso que importa, não é mesmo? As memórias relacionadas a eles são o que importa, não a merda do dinheiro.

Até esse momento, ela ja estava chorando e eu queria abraça-la e comforta-la de certa maneira, mas nunca fui de fazer esse tipo de coisa e muito menos sabia como fazer com que as pessoas se sentissem melhor. Me parecia que tudo o que disesse ou fizesse não faria a menor diferença, então pouco importava. O meu egoísmo parte desta até o momento no qual já me esquecia de onde estávamos e até mesmo da situação em que Samantha se encontrava. Eu simplesmente não conseguia imaginar pelo que estava passando, o que pensava ou como viveria dali em diante; pensava simplesmente em como iria viver minha vida baseada nos fatos do que ela iria pensar sobre minha reação neste exato momento, e em como me acharia um idiota por não ter dito uma palavra se quer sobre o assunto durante tantos minutos que ficamos apenas alí, observando o nada. Eu odiaria a mim mesmo, e com razão… talvez esse seja o tal motivo pelo qual meus amigos me abandonavam ou não se importavam em me procurar quando precisavam de ajuda. Só sabia como ajudar a mim mesmo, meu centro do mundo com meus problemas, não fazia ideia de como ajudar os outros sem me importar primeiramente com o que pensariam de mim.

E foi nesse momento inoportuno que, pela primeira vez na vida, decidi que faria algo… e assim o fiz.


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Notas finais do capítulo

(:



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