Os Avaradores escrita por Yennefer de V


Capítulo 4
Sala do Mistério




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Uma névoa quase transparente começou a inundar o ambiente de todos os cantos. Frances girava os olhos e aos poucos o laboratório se tornava parte de um sonho. Em espirais simples, a névoa a entorpeceu. Seu coração batia acelerado. Queria mover os pés, mais dois passos e estaria fora da sala. Mas não conseguiu mover um músculo sequer.

A primeira coisa que ficou concreta em seu campo de visão, depois que a névoa se tornou mais amena e parecia apenas uma poeira chata, foi um espelho gigante bem à sua frente. Ele refletia sua imagem sorrindo. Sem tempo de checá-lo melhor, olhou mais além. Sem dúvidas, havia uma escada que dava para lugar nenhum – era impossível ver seu final. Tinha apoios em ouro e fazia curvas longas. Seus degraus reluziam sob uma luz muito forte, nada parecido com a iluminação da sala no estado interior.

Vultos começaram a surgir ao lado da escada, sobrevoando a névoa. Eles avançaram para Frances. A garota deu passos para trás e bateu na porta, assustada. Os primeiros a ficarem nítidos foram seus pais. Lúthien e Damien sorriam para ela. Frances se perguntou se enlouquecera, simplesmente, e encolheu o corpo contra a porta.

— Papai? Mamãe? – perguntou numa ânsia delirante.

Lúthien deu um aceno de aprovação para a filha. Não era sua mãe Inominável. Vestia as roupas leves que Frances estava acostumada a vê-la antes da promoção, quando tinha seis ou sete anos e não trabalhava em um cargo tão importante.

— Você destruiu a terceira varinha do seu pai! – ralhou Lúthien, entre o divertimento e a bronca, em uma voz que ecoou pelas paredes. – Espero que você vire fabricantes de varinhas no futuro, senão vamos ter prejuízo, Francie!

— Eu vou... – Frances tentou rebater, mas seu pai estava ao seu lado.

Damien colocou a mão no ombro da filha e desarrumou seus cabelos. Ele acompanhou a esposa no discurso atemporal.

— Sua mãe foi promovida. Eu espero que você e Prince entendam que agora são mais velhos e terão que se virar um pouco sozinhos.

Seus pais exibiam sorrisos. Frances não estava mais com medo. Era aquilo que mais apreciava no mundo. Seu corpo todo relaxou e ela acompanhou os pais em um sorriso vacilante.

— Eu sempre me virei sozinha, papai. – respondeu Frances.

— E cuidará do Prince, então. – disse Damien em sua fala despreocupada.

Frances riu.

Agora sua mãe era a Inominável como ela reconhecia de suas lembranças. Aos poucos sua roupa se transformou e seu rosto ganhou mais confiança e algumas marcas de expressão.

— Onde estão Aimée e Beren? Estão atrasados. Porque hoje Francie vai para Hogwarts.

Frances olhou para os lados, procurando os padrinhos.

Um terceiro vulto se revelou ao lado. Era Prince.

— Eu sabia que você cairia na Corvinal! Vou ganhar um galeão, eu apostei com o tio Beren!

Prince bateu com as baquetas no alto e sorriu para a irmã daquele jeito protetor que ela tanta adorava. Do jeito que ficava implícito em sua convivência.

— Frances gosta da Cúpula. Aimée idealiza que ela seja a próxima guardiã. – disse Lúthien para Damien sem se importar que a menina estivesse ouvindo. Parecia nem perceber que ela estava lá.

— Eu... – Frances quis mostrar aos pais que estava ouvindo toda a conversa, mas o diálogo se perdeu aos seus ouvidos.

Ficando sem ar, Frances percebeu que talvez nada daquilo fosse real. Mas as três presenças continuaram ao seu lado, faiscando aquele sorriso débil como se no mundo existisse apenas ela. Falando somente sobre ela e para ela.

Frances olhou para a escada além – Aimée vinha descendo. Ela parecia triunfante. No espelho ao seu lado, seu reflexo também estava satisfeito. Ela não tinha um ano a mais nem um ano a menos que quinze anos no espelho.

Frances sentiu novamente o coração acelerar. Era difícil respirar. A luz vinda do fim da escada ficava cada vez mais forte, atingindo seus olhos.

Craque.

Frances ouviu um estalido baixo ao seu lado. Uma mão pequena a agarrou. A porta às suas costas se abriu e ela caiu no chão, batendo com força no piso gelado da sala circular.

Com dor, abrindo os olhos para a penumbra que era aquela sala, respirando com dificuldade, Frances viu Eslave e seus grandes olhos fitando-a com extrema aversão. Frances se sentou.

O elfo doméstico fez uma reverência profunda antes de jogar duas pedras no chão e dizer:

— Eslave conseguiu as pedras negras para Frances Grengrass, Eslave deve partir...

Ainda aturdida, Frances pegou as duas pedras negras que refletiam as luzes azuis dos candelabros. Guardou-as na bolsa. Em um fôlego só, disse para o elfo:

— Obrigada... Quero dizer, sim, você conseguiu Eslave. Pode voltar.

O elfo não disse mais palavra alguma. Fez uma reverência que quase deixou seu nariz bater no chão e sumiu com outro estalido.

PAM.

A porta da Cúpula se abriu com selvageria e Aimée saiu dela com olhar homicida. Em seguida, por descuido da moça que deixou a porta da Cúpula se fechar, a sala circular recomeçou a girar. Frances decidiu não levantar naquela hora. Poderia vomitar de verdade dessa vez.

Aimée não esperou a sala parar de rodopiar. Ela ainda focalizava Frances no chão, horrorizada.

— O que você estava fazendo? Que barulhos foram aqueles? – perguntou Aimée quase berrando para anular o barulho do girar da sala.

Frances nem percebeu a sala parar de rodopiar aos poucos, porque Aimée a pegou pelo braço e a ajudou a se levantar. No segundo momento, as portas estavam idênticas, sem letreiros que indicassem a Cúpula ou qualquer outra entrada que fosse.

Aimée olhava muito zangada para ela.

— Você entrou?

Frances sabia que não valeria a pena mentir. De pé, como uma criança pega em uma travessura, assentiu. Mas nem tudo estava perdido.

— E o que viu? – perguntou Aimée.

— Eu... O quê? – Frances perdeu as palavras por um momento, achando que levaria um sermão da madrinha.

— Oras, eu sei que dá curiosidade. Não dá pra sair de lá sozinha, sabe? Como você conseguiu?

Aimée parecia mais surpresa que zangada. Então Frances soube o que fazer.

— Eu deixei a porta entreaberta, como você ensinou. Então cai para trás.

— Sua mãe teve que me salvar nas duas vezes que entrei. – suspirou Aimée. – O que você viu?

Frances não sabia se deveria mentir de novo. Decidiu não falar em detalhes.

— Vi você, Prince e meus pais... – começou, fingindo que pensava.

— Eu vejo Amelie e Valen. Vejo outras pessoas e outras coisas também, sempre vejo. – ponderou Aimée. – O que será que Lúthien faz aí dentro?

Frances mordeu o lábio inferior, porque também queria saber.

— Aimée? – perguntou Frances fingindo uma timidez que não possuía – Você não vai contar para mamãe, certo? Só fui curiosa.

Então Aimée sorriu para ela.

— Claro que não! Também não entrei duas vezes? Até os mais velhos caem nas garras dessa porta maldita! Agora vamos voltar, preciso botar a mão na porta anterior para que ela saiba que sou eu aqui e indicar a Cúpula. Desculpe, mas vai girar de novo, é o preço que se paga pela curiosidade.

No trajeto todo, de sair pela porta, entrar e ver a sala rodopiar novamente, Frances percebeu que já se acostumara com a sala circular. Quando entrou na Cúpula e ouviu Aimée tagarelar sobre o lugar, se sentiu em paz. O ambiente era realmente fantástico e pacífico.

— E Nereiada chega por ali – comentou Aimée apontando para o lago.

As duas estavam sem sapatos. Aimée sentada na relva enquanto Frances fuçava pra lá e pra cá.  Ela chegou mais perto do lago e observou de cima a água cristalina que dava para ver até seu fundo.

— Aimée? – perguntou Frances, girando o corpo para a moça, depois de se deliciar com o lago – Quem mais você vê no laboratório de mamãe?

Aimée ficou escarlate.

— Meus pais. Valen, você e... Hm... Dominic apareceu na segunda vez. Na primeira não. Que será que isso quer dizer? – Aimée praguejou, deitando no chão.

— O amor. – sussurrou Frances.

— O quê? – perguntou Aimée, sem ouvir.

— O Elo da Harmonia está lá porque a sala estuda o amor. Vemos o que o amor significa para a gente, Aimée. São como símbolos de significados do amor que nossa mente reflete numa espécie de ilusão. Como as outras coisas que você vê.

Aimée boquiabriu-se.

— A harmonia é... como posso dizer? Um dos ingredientes básicos para amar com equilíbrio. Mamãe não teve que se esforçar muito. – terminou Frances.

Ambas ficaram caladas por um instante digerindo a informação, até Aimée quebrar o silêncio praguejando:

— Não amo Dominic!


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