Azul escrita por OmegaKim


Capítulo 2
Dois – Descuido.


Notas iniciais do capítulo

Oi galera.
Vim trazer mais um cap pra vcs!!! o/
Fiquei feliz com comentários e prometo que vou responder assim que der.
Boa leitura!!



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Dois – Descuido.

Noah

Me olhei no espelho. Avaliei minha imagem e não me reconheci. Quem era aquele garoto de corpo magro, com a pele pálida demais e com os olhos castanhos assustados? E por que havia tantas cicatrizes no seu corpo? Suspirei. Claro que eu sabia as respostas para essas perguntas. Ainda era eu. Por mais que eu não quisesse, ainda era eu e aquelas cicatrizes eram a prova de que o que tinha acontecido fora verdade. Elas estavam ali para não me deixar esquecer.

Peguei minha camisa e a vesti. Era uma das muitas camisas de mangas compridas que eu tinha feito Maya comprar enquanto estava no hospital. Claro que eu ainda tinha minhas antigas roupas e que talvez, algum dia eu voltasse a usa-las, mas por enquanto apenas as mantenho guardadas no guarda-roupa. Elas foram injustamente trocadas por essas peças que me cobrem quase por inteiro. No entanto, prefiro assim.

Hoje acordei me sentido bem, o que parece quase incrível demais para que eu comece a esperar que algo dê muito errado. Mas durante as conversas com meu psicólogo, ele mencionou algo sobre os remédios me colocarem em um modo “normal” que eu acharia estranho nos primeiros dias, já que passei algum tempo vivendo com as emoções a mil. No entanto estava me sentindo bem, estava, para meu alivio, me sentindo como eu mesmo. Acho que esse era o poder dos estabilizadores de humor afinal, eles te colocavam no eixo.

— Noah – Maya chamou e logo em seguida bateu levemente na porta do meu quarto.

— Já estou indo. – falei e continuei fitando meu reflexo no espelho. Ajeitei a gola da minha camisa, puxei a manga da minha camisa mais um pouco para baixo e então dei as costas para o espelho.

Peguei minha mochila, que estava sobre a cama e fui até a porta. Encontrei Maya parada ao lado da porta do meu quarto. O cabelo escuro solto e os olhos mais bonitos que já vi. Ela tinha herdado toda a beleza de Erika assim como os incríveis olhos de nossa avó Elise, que era uma mistura de cinza com dourado que era tão exótico quanto estranho. Essa cor dos olhos era mais como um tipo de tradição de família que parecia pertencer apenas as mulheres. Todas as mulheres de nossa família tinham essa mesma mistura de cores nos olhos, enquanto os homens tendiam a ter os olhos escuros. Mas como era de se esperar, os meus são castanhos com os mesmos traços de dourado, o que torna a cor dos meus olhos falsa. Uma imitação fajuta dos traços bonitos da íris de Maya.

— Já estão servindo o café da manhã. – comunicou assim que me viu.

Assenti sem ter vontade de dizer qualquer coisa. Então passei por ela ao mesmo tempo que a morena se apressava em vir junto comigo.

— Se você pensa que esqueci o que você fez, está muito enganado. – Maya se apressou em dizer, ignorei.

Sabia que ela estava brava por eu ter ignorado todas as suas ligações e ainda desligado na sua cara. Era bem o jeito dela, ficar irritada por tão pouco. Porque assim como todos os Grace, Maya também tinha o pavio curto. Decidi continuar ignorando, mas Maya continuou falando:

— Sei também que não anda tomando os remédios regularmente. – parei.

Estava a um passo de descer a escada, mas parei, meu pé suspenso no ar esperando o próximo comando que minhas sinapses não eram capazes de ler tamanho foi minha surpresa com o que Maya tinha acabado de dizer.  Fechei os olhos e esperei o que estava por vir, afinal era verdade. Confesso que não estava tomando os remédios corretamente e que estava constantemente pulando horários e dias. Mas o que eu podia fazer?

Acordava me sentindo tão bem, tão alegre, que pensava que não precisava mais dos remédios. Tinha tomado um hoje, porque estava começando a sentir que a tristeza estava vindo até mim. E uma das coisas que eu mais odiava era ficar triste, então por isso segurei a pílula na minha palma e a encarei durante alguns minutos antes de finalmente a engolir. Não gostava dos remédios, não gostava do gosto que eles deixavam na minha boca e, principalmente, não gostava da vozinha na minha mente que sempre fazia questão de me dizer o quanto mais próximo da minha mãe eu estava, porque assim como ela acabei me tornando um doente.

Dr. Stefan, que tinha sido o psicólogo responsável pelo tratamento da minha mãe, nas nossas primeiras sessões ele me explicou como seria ter bipolaridade, me fez responder um questionário e me falou sobre como as estatísticas mostram que pessoas com familiares com transtorno bipolar tem mais chances de desenvolver a doença. E quase por coincidência, minha mãe sofria de bipolaridade e então não era de se surpreender que isso acontecesse comigo. Mas ele disse que como eu nunca apresentei nenhum sintoma antes, o que aconteceu foi que esse era meu efeito colateral por todo o horror que eu tinha sofrido há alguns meses.

O doutor até mesmo tinha dito que a automutilação era como um sintoma de bipolaridade, por causa de todas as minhas emoções bagunçadas. Mas não era como se uma não pudesse existir com a ausência da outra.

No entanto havia os remédios. Estabilizadores de humor, que eu tinha que tomar três vezes ao dia para que eu pudesse me sentir ‘normal’. O problema, no fim, estava na minha teimosia e na minha recusa em ser como Erika. Eu ainda lembrava do modo como ela tomava os remédios, do jeito que ela ignorava a água e preferia tomar com suco de laranja para disfarçar o gosto de doença na boca.

“Nós somos iguais, Noah”. Ela tinha me dito na nossa última conversa, olheiras embaixo nos olhos bonitos e o corpo magro. Eu sabia que havia algo de muito errado com ela naquele dia, sabia que ela ia fazer alguma coisa mas tinha ficado com tanta raiva das coisas que ela tinha me dito que não pude me forçar a perguntar o que havia de errado ou dizer a alguém o modo como ela estava estranha.

— Tomei hoje. – confessei inutilmente ainda sem me mexer. Talvez isso a fizesse repensar sobre contar aos outros.

A escutei suspirar e por um momento imaginei Maya passando a mão pelo cabelo como nosso pai fazia quando estava angustiado. Sabia que Maya não gostava ser comparada a nosso pai, mas ela era tão igual a ele quanto eu era igual a Erika. Não que gostássemos disso.

— O que está acontecendo Noah? Todos acham que você está se cuidando.

Fechei os olhos pensando no que eu poderia dizer a ela, como eu poderia explicar o que acontecia comigo. Como eu posso descrever o grande vazio no meu peito? Ou grande medo que sinto? Não quero ficar louco, mas também não quero ser controlado com remédios.

— Eu só andei meio confuso. – optei por dizer. – Mas já estou bem. – me virei para ela, fitei seu rosto. – Eu estou tomando os remédios agora. Por favor, não conte nada a ninguém. – pedi. Eu realmente não queria ser internado.

Maya fechou os olhos por um momento e então depois de alguns minutos me encarou, a expressão do rosto firme.

— Se estiver mentindo pra mim... – ela começou, mas não foi capaz de terminar. O resto da frase eu já sabia, então só me limitei a assentir e ela assentiu de volta. – Vamos descer logo, antes que se atrase para a escola. – falou por fim e passou direto por mim. A segui.

A mesa estava cheia. Meus avós se sentavam um ao lado do outro e meu pai estava no lado oposto da mesa, o máximo que ele conseguia ficar longe dos meus avós. Eles não se davam muito bem e como meu pai tinha vindo de Dickson por minha causa, meus avós acharam que podia dar uma trégua nessa briguinha por um tempo em nome do meu bem estar.

Observei Maya se sentar ao lado esquerdo de Elise, minha avó. Olhei para meu pai e sorri, sentei ao seu lado direito.

— Como está hoje? – ele perguntou ao mesmo tempo que eu me servia de café.

— To bem. – respondi, o que não era mentira, mas pelo canto de olho peguei o olhar desconfiado de Maya para cima de mim e por um momento fiquei com medo de que ela dissesse em pleno café da manhã sobre os dias que não andei tomando o remédio.

Mas para meu alivio, a morena se manteve calada durante todo o café da manhã. E mais tarde quando tive que ir para a escola, Maya também ainda não tinha dito nada assim como não tinha falado comigo direito. Acho que estava chateada comigo pela minha falta de importância com nossa família.

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— Hey Noah. – Kate me chamou assim cheguei na escola. Ela estava parada na entrada junto de Bianca e Daniel, quando os outros dois me viram sorriram.

Sorri de volta, todo o bom humor de mais cedo tinha sido substituído pelo medo de que Maya contasse algo para nossa família. A verdade, era que agora eu estava preocupado e bastante nervoso.

— Oi. – falei para meus amigos.

— Hey, cara. – Daniel apertou meu ombro e tratou de continuar. – Estávamos combinando aqui uma festinha para mais tarde.

Ergui uma sobrancelha.

— Festinha?

— É só uma reunião, ok? – Bianca se adiantou em dizer e lançou um olhar feio para Daniel. – Nada de festa.

Lancei um olhar confuso para Kate.

— Eu explico. – suspirou. – Precisamos reunir o comitê para uma reunião sobre o baile de formatura.

— Então pensamos de fazer uma festinha na minha casa e decidir isso. – Daniel disse.

— Nada de festa. – Bianca repetiu mais séria. – É apenas uma reunião para decidirmos o tema.

— Ah. – me limitei em dizer.

O baile de formatura que eu não participaria. Era o tipo de pensamento amargo que me entristecia. Tínhamos estudado juntos durante tanto tempo que até mesmo já tínhamos planejado como seria a festa de formatura, quem seria o par de quem e as coisas que faríamos depois que nos formássemos. Mas agora essas coisas tinham sido destruídas sem aviso prévio algum, porque por causa do meu sequestro eu perdi o ano escolar e agora vou ter que repetir o segundo ano, enquanto vejo meus amigos terminando o terceiro ano, fazendo as provas para a faculdade e escolhendo a cor do terno que irão usar no baile.

— Eu preciso ir. – falei e comecei a me afastar deles.

— Ei, espera. – Bianca disse, parei. – Preciso de ajuda.

A encarei durante um tempo.

— Por favor? – Kate tentou.

— Sem remuneração? – brinquei. – Isso é trabalho escravo.

— Diga logo sim de uma vez. – Daniel cruzou os braços e eu comecei a rir.

— Vocês são impossíveis. – falei por fim ao mesmo tempo que Bianca e Kate vinham em minha direção e me abraçavam.

As afastei.

— Sem muito contato físico, ok? - disse. Elas sabiam do que eu estava falando, então por isso apenas assentiram e deram um passo para trás.

Não era que eu não gostasse de abraços ou não as quisesse perto, era apenas que havia um certo tipo de tempo limite que eu conseguia me forçar a aguentar alguém tão próximo de mim, e geralmente não passava de alguns minutos. Mas a terapia estava dando jeito nisso, pois agora era bem mais fácil sair de casa. No começo foi realmente difícil sair de casa e começar a vir a escola, principalmente por causa do medo constante que passou a ser meu companheiro. Era dois a três ataques de ansiedade apenas em um dia e foram preciso algumas semanas para que eu conseguisse me acostumar com o fato de ter que sair de casa e depois com a presença de mais pessoas e depois com o contato físico. E meus amigos sabiam disso e eu sabia que isso os deixava preocupados, mas eu estava melhorando. Estou voltando a ser eu mesmo aos poucos.

— Então as sete na minha casa, combinado? – Daniel disse e eu assenti, então me afastei deles depois de dá um tchauzinho para Bi e Kate.

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Bianca

— Então você está dizendo que temos que arranjar uma namorada para Daniel? – Kate perguntou e me deu um pedaço da fita adesiva.

— Não exatamente. – falei e peguei o pedaço de fita e usei para prender o papel na parede de anúncios da escola. – Eu estava pensando em inscreve-lo em um daqueles acampamentos para nerds e... – terminei de prender. – Pronto. Acho que todos vão conseguir ver isso. – me afastei para admirar meu trabalho.

Estávamos encarregadas de organizar um processo seletivo para os novos integrantes na equipe de Declato, já que esse ano nós vamos nos formar. Então eu e Kate tínhamos feito esse anúncio de convocação.

— Hum. – Kate colocou a ponta do indicador na boca e ponderou o que eu disse, as costas encostadas na parede esquerda ao lado do mural. – É uma boa ideia, mas ainda acho que uma namorada seria melhor. – a morena me fitou. – Olha pra ele, tão sozinho. – olhei para Daniel, que estava na porta da sala de aula entregando panfletos para os alunos que entravam na sala, todos sobre o mesmo anúncio.

Ele não me parecia sozinho. Na verdade, ele estava rindo e cumprimentando todos que entravam até mesmo algumas garotas paravam e conversavam com ele. Definitivamente, Daniel não fazia o tipo que precisava de ajuda para ter atenção de uma garota. Ele era inteligente, atraente e engraçado...

— Não me parece sozinho. – comentei.

— Ah, qual é Bi. Olha direito! – Kate se desencostou da parede em veio em minha direção, parou do meu lado e encarou bem o castanho a nossa frente. – Ele está sempre sozinho. Nunca teve um namoro sério com ninguém. Isso é solitário demais, ainda mais porque nós todos temos alguém. Noah está com Will, eu com Derek e você tem a Emma.

Por um lado até que ela tinha razão. Daniel sempre foi o mais sozinho, nesse sentido do grupo. Mas ele sempre teve seus encontros, nunca nada sério. Apenas garotas de uma noite só. A única que pareceu durar mais, que todos torcemos para que virasse algo sério foi como Amélia, a patricinha do ensino fundamental. Mas mesmo com ela, não aconteceu nada de sério. Foram apenas encontros que nunca deram em nada. No entanto, mesmo levando o que Kate disse em consideração não era como se Daniel estivesse desesperado para ter alguém. Na verdade, ele parecia bem ok com isso.

— Acho que não devemos força-lo a isso. – comecei. – Daniel parece bastante bem sem uma namorada.

Kate ergueu uma sobrancelha em minha direção e depois voltou a olhar para Daniel.

— Talvez.

Eu sabia também que Kate só estava tendo essa ideia agora porque ela estava com medo de que Daniel se sentisse sozinho, já que Derek passava mais tempo com ela do que com o próprio irmão. E todos nós estávamos passando mais tempo com nossos respectivos parceiros do que com nossos amigos. Era o jeito que Kate estava encontrando de cuidar de todos.

— É melhor irmos. – falei quando avistei o professor de história indo em direção a nossa sala. Segurei sua mão e a guiei em direção a sala.

Assim que entramos passamos pela porta, Daniel veio atrás de nós. Sentei atrás de Kate e Daniel do na fileira ao meu lado. Observei o garoto abrir seu caderno e encontrar um bilhete entre as páginas enquanto procurava a matéria. Ele desdobrou o bilhete e depois que leu, lançou um olhar para a garota morena sentada no fundo da sala.

— Não acho que deva se preocupar com ele. – falei baixo perto do ouvido de Kate. – Olha lá. – apontei com o queixo para Daniel.

— Tem razão. – Kate comentou sorrindo.

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Maya

A aula de anatomia estava especialmente interessante hoje. Estávamos aprendendo sobre as funções do sistema nervoso. Coisas como sinapses, neurônios, as funções de cada parte do cérebro. Era realmente fascinante, principalmente por causa do professor. Alto, moreno e inteligente. Eram os tipos de atributos que chamavam a atenção de todas as garotas da minha turma, menos a minha. Eu tinha uma certa quedinha por loiros. E acho que esse fato era o que me fazia prestar atenção realmente na aula.

Vez ou outra eu levantava a mão e fazia alguma pergunta, tirava alguma dúvida e o professor parecia realmente feliz quando eu fazia isso. Acho que o fato de sua beleza não me afetar o deixava tranquilo, pois ao menos alguém estava realmente interessado na matéria e não em quem a estava dando.

— Exercícios das páginas 306, 307 e 308 para a próxima aula. – ele disse e todos suspiraram cansados.

— Professor, eu tenho uma dúvida. – a garota loira na fileira a minha frente disse. Ela se levantou e foi até ele, ao mesmo tempo que eu recolhia meu material.  

Assim que sai da sala, encontrei com Nick. Ela correu em minha direção, toda alegre. Os olhos verdes estavam bem marcados e o cabelo castanho estava preso em um rabo de cavalo.

— E aí, como foi a aula com o professor gostosão? – perguntou e eu ri.

— Normal, – respondi. – apesar de todas as garotas estarem babando nele.

— Garotas essas que não incluem você?

— Você sabe que não. – respondi e começamos a nos dirigir para o Hall da faculdade.

Não tínhamos mais aula nesse horário, então eu podia usar esse tempo para socializar ou fazer logo o exercício que o professor tinha passado. Acho que a segunda opção vai prevalecer.

— Ah, sim. – comentou, os olhos verdes maliciosos para cima de mim. – Você prefere os loiros, não é? Ou eu devia dizer os cunhados? – lancei um olhar feio pra cima dela que se limitou a rir.

Não era bem uma mentira o que ela estava dizendo. Talvez eu tivesse mesmo uma quedinha pelo namorado do meu irmão, e por mais errado que isso fosse não era como se eu pudesse me forçar a parar. E eu tinha tentado bastante. Mas depois que Noah desapareceu e Will acabou vindo morar em Los Angeles, depois que passou para uma faculdade daqui, acabamos ficando próximos. Sabia que não havia más intenções da parte de Will, e que ele nem ao menos sabia o efeito que estava tendo sobre mim. Mas não dava para evitar e agora quando o estrago estava feito, não tinha mais como voltar a atrás. Então por isso fiz a coisa mais sensata: me afastei. Depois que Noah foi encontrado, eu simplesmente me afastei. Não podia fazer isso com meu próprio irmão. Eu nem mesmo podia fazer isso com Will, quando todo o mundo dele girava em volta de Noah. Era contra todas as regras morais destruir essa coisa boa e leve que fazia tão bem ao meu irmão.

— Isso é só uma coisa passageira. – falei. – E além do mais, a culpa é de Will por ser tão atraente. – brinquei e ri, mas por dentro estava tudo uma bagunça.

O lado emocional e o racional brigando constantemente.

Por que eu não podia sentir atração por um hétero ao menos?

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Noah

Me olhei no espelho mais uma vez. Acho que está bom assim. É apenas uma reunião com o comitê da escola, nada demais. Alisei minha camisa e vesti uma camisa de flanela por cima, ajeitei a gola da camisa e sai do quarto. Desci as escadas correndo com a esperança de conseguir passar direto sem precisar dá nenhuma explicação para ninguém.

— Espera aí mocinho. – a voz da minha avó me fez parar a alguns passos da porta da frente. Me virei devagar. – Onde está indo a essa hora?

Elise era bem assustadora quando queria. Com os olhos daquela cor e o rosto sério, ela conseguia intimidar qualquer um ainda mais por causa da sua postura reta e do seu semblante de “posso fazer você chorar a qualquer momento”. Minha avó foi criada para ser durona além de ter que ser uma lady, todas as aulas de etiqueta combinadas com a presença forte dos seus pais a fizeram se tornar essa pessoa dura e séria demais. Às vezes me perguntava como Maya aguentava todo esse controle, que ela parecia sentir necessidade de exercer sobre todos.

Será que foi por isso que Erika enlouqueceu? Ela não aguentou toda essa pressão?  

— Eu tenho uma reunião com o comitê da escola. – falei e engoli em seco.

— Comitê da escola? – cruzou os braços magros.

— É... sobre o baile de formatura.

— Mas você não vai se formar esse ano. – disse como quem diz “te peguei”.

Minhas mãos começaram a ficar úmidas de suor, as enfiei no bolso de trás do meu jeans.

— Er... Bianca pediu minha ajuda, então eu achei que... – olhei para meus pés. – poderia ajudar.

— Bianca?

Sabia que mencionar o nome de Bianca ia me garantir alguns pontos. Meus avós e principalmente, minha avó gostava muito de Bianca. Foi mais por causa deles que nos conhecemos e depois viemos a namorar. E assim como os pais de Bianca, meus avós achavam que íamos casar já que éramos um casal bonito. No entanto, a beleza não foi capaz de manter nosso namoro. E mesmo agora quando somos apenas amigos e eu tenho namorado, Elise continua tendo esperança de que eu volte para Bianca e nós sejamos felizes para sempre. Se ela ao menos soubesse que Bianca já tem alguém...

Assenti para ela.

— Não volte tarde, ok? – assenti mais uma vez e lhe dei as costas antes que ela mudasse de ideia.

A casa de Daniel não era longe. Era preciso apenas pegar o metrô e na volta, Bianca podia me dá uma carona. Comprei uma passagem e logo eu estava indo para a casa de Daniel. O caminho até lá foi silencioso. Havia poucas pessoas no mesmo vagão que eu e mesmo quando achei que estava sendo seguido, depois de um tempo percebi que era só impressão. Ao menos eu tinha tomado meus remédios hoje, cada um em seu horário, o que fazia a chance de ter um surto diminuir consideravelmente.

A casa de Daniel estava cheia demais para uma reunião do comitê, esse foi o meu primeiro pensamento que tive quando cheguei lá. E depois que escutei a música alta que embalava aquele lugar, percebi que não era uma reunião coisa nenhuma e sim, uma festa. Não pude evitar revirar os olhos enquanto entrava na casa em busca dos meus amigos.

— Kate. – chamei assim que a vi.

Kate virou o rosto em minha direção e veio até mim.

— Olhe para o Daniel fez! – exclamou irritada. – Era pra isso ser apenas uma reunião, mas ele transformou tudo em uma festa!

— Onde está Bianca? – perguntei.

— Ela foi atrás de Daniel. – suspirou, passou a mão pelo cabelo. – É nessas horas que Derek faz falta.

Derek estava em um tipo de excursão escolar no campus de uma faculdade, chegava semana que vem. Enquanto isso éramos responsáveis por tomar conta de Daniel, que parecia tão maluco quanto eu.

— Já tentou tirar essas pessoas daqui? – perguntei.

— O que você acha? – soltou irritada e cruzou os braços. – Eu nem ao menos conheço metade dessas pessoas.

Olhei em volta e de fato, algumas pessoas que estavam ali não eram alunos da nossa escola. Na verdade, pareciam bem mais velhos que adolescentes do ensino médio. De onde Daniel conhecia essas pessoas?

— Ah, lá vem eles. – Kate disse e olhei para onde ela apontava.

Um Daniel emburrado estava descendo a escada com uma Bianca brava atrás de si. A loira estava dizendo alguma coisa para ele, que só fazia o garoto bufar em discordância.

— Você vai mandar essas pessoas embora. – escutei o que a loira estava dizendo.

— Mande você. – ele respondeu emburrado e dessa vez eu suspirei.

— Mande você! – Bianca se descontrolou. – Você os trouxe aqui! É responsabilidade.

— Tudo bem, tudo bem. – ele ergueu as mãos e se afastou dela.

Observamos ele subir no sofá e chamar a atenção de todo mundo:

— Pessoal! Ei, pessoal! – começou e todos pararam o que estavam fazendo. – Infelizmente a festa vai ter que parar. – e todos reclamaram, mas notei que o rosto das garotas já estava mais relaxado. Daniel olhou pra mim e depois para as garotas, existia algo de selvagem nos seus olhos. Ele voltou a focar os olhos em mim e sorriu. – Brincadeira! – gritou e todos gritaram de volta, felizes. – Primeiro de Abril! – exclamou ao mesmo tempo que eu baixava a cabeça e balançava.

Vai ser uma longa noite.

— Seu filho da mãe! – Bianca gritou e foi até ele ao mesmo tempo que Daniel começava a sair de cima do sofá. Ela o empurrou. – Será que você não poderia fazer algo sério pelo menos uma vez?! – então simplesmente deu as costas pra ele e saiu.

Kate que estava o meu lado, lançou um olhar raivoso para Daniel e foi atrás da amiga. Eu fiquei onde estava, parado, apenas me limitei a olhar em volta e tentar entender que droga tinha dado na cabeça de Daniel para ele fazer algo como isso. Não era do feitio dele agir assim, por impulso. Esse era o tipo de coisa que eu faria, não Daniel que tinha sempre sido tão amigável e razoável como o irmão.

— Vai embora também? – perguntou amargo.

Neguei. Não importava o quão idiota ele estivesse sendo hoje, eu sabia que tinha algo de errado com ele e que ele estava precisando de ajudar e por isso, resolvi ficar. Mas é claro, eu não sabia que as coisas iam sair do controle depois de meia hora.

— Então como funciona isso? – Daniel perguntou, estávamos sentados na beira da piscina. Nossos pés dentro da água, de tênis e tudo, uma latinha de cerveja em nossas mãos. E dentro da casa a música estava explodindo alta e viciante, embalando os hormônios de todos.

— Isso o que? – bebi um gole da cerveja. A nossa volta algumas pessoas estavam dançando, todas com suas respectivas bebidas em mãos.

— Esse lance de gostar de garotos. – explicou e o fitei, ele riu. Estava totalmente bêbado.

Pensei a respeito. Não era como se um tipo de botão existisse e ao aperta-lo eu pudesse ligar e desligar o modo hétero. Era apenas que... não sei. Aconteceu de garotas não terem tanto minha atenção como garotos.

— Não sei. – respondi. – Eu só gosto de garotos e pronto.

Daniel ficou calado, bebericou sua cerveja devagar olhando para frente, para um ponto imaginário qualquer.

— Por que a pergunta? – resolvi brincar. – Está gostando de algum garoto?

Ele riu.

— Não seja idiota. – me empurrou de leve. – Era só uma pergunta.

— Mesmo? – comecei a rir, acho que eu estava começando a ficar bêbado também. – Por que se estiver afim de mim, tenho que dizer que sou um garoto comprometido.

— Não fale besteira, Noah. Vai tomar um banho frio, vai. – ele riu e simplesmente me empurrou em direção a piscina.

— Seu maluco! – exclamei, mas não estava bravo. Estava rindo tanto quanto ele.

Daniel estava em pé na borda da piscina. Rindo como um belo filho da mãe faria. Eu nadei até a borda e sai dali, meio cambaleando corri atrás dele.

— Nem vem Noah. – ele riu e eu corri atrás dele.

O castanho correu para dentro da casa e na nossa empreitada, derrubamos coisas e esbarramos em algumas pessoas, recebemos olhares feios e ouvimos palavrões. Mas eu estava bêbado demais para parar e além do mais, estava me sentindo tão feliz. Tão alegre e leve. Era como se eu tivesse 10 anos de idade de novo e tivesse acabado de conhecer Daniel.

— Eu participei do clube de corrida ano passado. – avisou. – Você não tem chance nenhuma.

— Vamos ver.

Mas é claro que eu devia ter olhado para o chão, ou pelo menos não devia ter bebido tanto, porque quando dei por mim o degrau da escada estava se aproximando demais do meu rosto, então tudo ficou escuro.

777

— Noah. – alguém chamou e senti baterem no meu rosto. – Ei, cara. Acorda.

Abri os olhos devagar, pisquei algumas vezes para focar a visão e me deparei com muitas pessoas a minha volta. Então encontrei o rosto de Daniel, ele sorriu aliviado por eu ter acordado então ficou de pé e me ajudou a levantar.

— O que aconteceu? – perguntei massageando minha testa, estava latejando.

— Você bateu a cabeça no degrau da escada. – tentou dizer sério, mas ele começou a rir de tão bêbado que estava e como eu não estava num estado melhor, segui seu exemplo.

— Vamos continuar a festa. – declarou e a música voltou a tocar.

777

Will

Era o segundo copo de café que eu tomava. Lia ao meu lado, estava no terceiro e Frank a minha direita estava no primeiro, em parte porque ele não era muito fã de café e em parte porque ele já era bem hiperativo e o café só ia servir pra deixar ele mais elétrico, mas como já passava da uma da manhã ele teve que se render ao poder da cafeína.

Estralei meus dedos. Já estava ficando cansado, mas era preciso que terminássemos esse trabalho logo se quiséssemos ter tempo de estudar para as provas da semana que vem.

— Você acha que vai demorar muito? – Lia perguntou e logo em seguida bocejou.

— Só mais um pouco. – Frank disse. – Falta apenas editar isso tudo então podemos embalar e entregar. – brincou, mas estávamos tão cansados que só conseguimos esboçar um sorriso fraco.

— Você pode ir se quiser. – falei para Lia. – Eu e Frank damos conta a partir daqui.

A garota piscou e ajeitou os óculos, então se espreguiçou e ficou de pé.

— Então vou indo meninos. – falou e deu um beijo na bochecha de Frank fazendo o garoto corar. – Nos vemos mais tarde. – veio até mim e deixou um beijo na minha bochecha, então ela nos deu as costas e saiu do meu apartamento.

— Vamos lá, cara. – falei e coloquei meu notebook sobre minhas coxas e comecei a digitar a resenha.

Tínhamos nos reunido no meu apartamento para fazer o trabalho em grupo, que consistia em fazer um mini documentário e uma resenha sobre o mesmo, falando sobre os assuntos da atualidade. Era para ser entregue na semana que vem, mas tínhamos decidido adiantar logo isso, para que tivéssemos tempo de estudar para as provas.

— Will. - Frank chamou.

— Hum?

 - Você acha que a Lia pode... – mas o som do meu celular interrompeu qualquer que seja a coisa que ele ia me perguntar.

Procurei meu celular por entre os as anotações que estavam espalhadas na mesinha de centro e o atendi.

— Alô?

— Will. Aqui é o Noah. — estranhei o jeito como a voz dele estava soando.

— Aconteceu alguma coisa? – perguntei a preocupação tomando conta de mim. Noah não ligaria tão tarde se não fosse algo urgente.

Não... não... -  ele riu e ao fundo notei que uma música estava tocando, franzi a testa pra isso mesmo que ele não pudesse ver. – Eu preciso de uma carona.

— Onde você está? – já tinha uma leve ideia do que Noah estava fazendo e o que havia de errado com ele.

Procurei minhas chaves, as coloquei no meu bolso.

— Vai sair? – Frank perguntou.

— Já volto. – falei para meu colega e coloquei o celular entre meu ombro e pescoço, calcei meus tênis.

— Wil, meus avós vão me matar. – falou e ao longe escutei alguém dizer algo e Noah começou a rir, a voz arrastada. Estava bêbado, constatei. – Vou ficar de castigo pra sempre.

— Onde você está? – tornei a perguntar, a irritação começando a transparecer.

Diga a ele, Daniel. – Noah falou e logo era Daniel quem estava no telefone.

Conversei com o garoto que estava tão bêbado quando Noah, mas ao menos conseguiu me dizer onde era sua casa. Dei partida no carro pensando no sermão que iria dá a Noah quando o encontrasse. Que porra ele estava pensando quando resolveu beber? Será que esqueceu que o álcool combinado com os remédios não faz bem? Suspirei irritado e durante todo o caminho até a casa de Daniel, eu só conseguia pensar em como brigaria com Noah sobre isso.

Garoto imprudente.


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Notas finais do capítulo

Pois é, ne... Algumas relevações, algumas loucuras e pontos de vistas diferentes kkk.
Nessa nova temporada vai ser comum que os caps sejam divididos em pontos de vistas diferentes, então se preparem para conhecer os pensamentos alheios kkkk...
xoxo e até.
PS: Só acho que alguém vai escutar um belo sermão no próximo cap.



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