O Reino Condenado escrita por MoonEyes


Capítulo 3
Capítulo 3


Notas iniciais do capítulo

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Quando falou que a festa era nos arredores da cidade, Sam realmente não estava brincando. Eles passaram por ruas e mais ruas, seguindo cada vez mais ao sul, e gradativamente aquele mundo de concreto foi dando lugar a uma paisagem mais espaçada, com campos e árvores que Liza conseguia ver mesmo no escuro, e que se estendiam por quilômetros. Era difícil imaginar que um mundo tão diferente se encontrava a apenas alguns minutos do lugar onde morava.  

Repentinamente, Sam fez uma curva fechada para a direita, saindo do asfalto e seguindo por uma estrada de terra ladeada por árvores altas e espessas decoradas com pequenas lanternas de papel. O som podia ser ouvido de longe, e quando se aproximaram o bastante para ver a casa de campo bem cuidada e entupida de adolescentes, já estava insuportável. Liza imediatamente se arrependeu de ter ido.  

Ele estacionou a moto ao lado de uma fila de carros dos mais diversos tipos, desde camionetas imponentes até carcaças velhas o bastante para Liza duvidar que fossem capazes de rodar quinhentos metros. Ela desceu imediatamente, feliz por poder esticar os braços e os dedos das mãos que pareciam estar congelados. Talvez devesse ter levado um casaco.  

— E agora? — Sam estava encostado casualmente contra a moto, a luz fraca desenhando sombras em seu rosto e realçando as várias pintinhas espalhadas pelas bochechas e pelo pescoço.  

— Agora, — Liza sorriu — a gente improvisa.  

— Quer dizer que você nem ao menos tem um plano? 

Agora que ela tinha tempo para pensar, realmente parecia uma ideia boba ir até ali sem nenhuma noção do que planejava fazer. Não que fosse admitir isso a ele. 

— Foi uma decisão de última hora. Estava soltando fogo pelas narinas quando decidi ligar para você.  

— E o que provocou tal decisão? — Nem sinal de sarcasmo na pergunta, apenas pura curiosidade.  

— Aurora. — Ele revirou os olhos com a resposta curta, e ela o conhecia bem o bastante para saber que já tinha entendido essa parte, a pergunta se referia ao resto da história. — Digamos, para começar, que foi tudo culpa sua. Ela pegou um dos meus livros favoritos emprestado, sem pedir, e o destruiu completamente. Em algum lugar naquela cabeça oca havia a ideia de que você gostava do livro, e ela queria ler para terem o que conversar. Talvez quisesse impressioná-lo.  

— Nossa, me sinto lisonjeado. — Ele cruzou os braços, o rosto pensativo. — Ela faz isso com os outros caras que sai? Tenta agradá-los?  

— Geralmente não. Fico impressionada com o fato de ter feito algum esforço com você. Na maioria das vezes ela se cansa depois de duas semanas e dá um pé na bunda dos pobres coitados.  

— Hmm... Assim até me sinto culpado de terminar com ela. — Liza lhe lançou um olhar entediado. Aurora não gostava dele verdade. Ela não era do tipo de garota que se apaixonava, pelo menos não enquanto estivesse tão apaixonada por si mesma.  

—Não se iluda, Sam. Aquela lá só está com você por status.  

— E o que isso quer dizer? — As feições dele se tornaram um pouco mais duras, uma ruguinha quase imperceptível se formando entre as sobrancelhas, como se o fato de estar sendo usado o incomodasse. O que era ridículo, já que ele tinha começado aquilo tudo só para deixar Liza irritada. Mas não era bem isso que estampava seu rosto quando a menina chegou mais perto, afastando-se de um casal de bêbados que seguia para um dos carros estacionado ali perto. Na verdade, uma pergunta sincera pairava em seus olhos.  

Será que ele realmente não notava ou estava se fazendo de idiota? Quer dizer... Sam era... Bem, ela detestava admitir, mas ele era bonito. Tipo, realmente bonito. Por mais irritante, inconsequente e canalha que fosse, ele continuava tendo aquele sorriso perfeito, com dentes brancos e brilhantes que mais pareciam pérolas. E continuava tendo aquele tipo olhar que fazia os joelhos tremerem, isso sem falar do corpo esguio mas ao mesmo tempo forte, os ombros da largura certa, as pernas de um menino que adorava jogar futebol nas horas vagas... "Pare!", Liza gritou dentro da própria cabeça ao perceber que estava divagando e o encarando, o que era pior. Não que ela fosse algum dia lhe dizer algo remotamente perto do que estava pensando, mas tinha certeza de que, para a maioria das garotas da escola, tê-lo como namorado seria como ostentar um troféu por onde passasse.  

— Não interessa. — Ela falou por fim, deixando-o com uma cara emburrada. — Vim aqui atrás de vingança, e é isso que vou ter.  

— É um motivo idiota, esse do livro. E infantil. — A garota lançou a ele um olhar que geralmente fazia qualquer pessoa sair correndo.  

— Idiota ou não, ela merece. Há anos venho colecionando motivos para jogá-la dentro de uma jaula com leões famintos e trancar a porta, essa foi só a cereja do bolo.  

— E você vai arranjar uma jaula com leões famintos?  

— Bem que eu gostaria. Mas infelizmente não tenho tantos contatos. Talvez só jogá-la na piscina seja o bastante. Talvez eu tenha que enchê-la de tapas antes, para aplacar bem a raiva. — Sam riu, como se aquela fosse uma cena que ele gostaria de ver. — Você vem junto ou vai ficar aí esperando a hora de me levar para casa?  

— Então meu serviço de motorista da noite ainda não acabou? — Ela negou com a cabeça, o olhar mais inocente do mundo em seu rosto. — E eu pensando que poderia me divertir hoje... Você me deve uma. 

Liza não se incomodou em responder, apenas andou pelo gramado, seguindo a música e a multidão de pessoas que se estendia pelo pátio na frente da casa. Pelo visto a festa era no quintal de trás, era de lá que vinha todo o barulho. Sam teve que se aproximar mais para não se perderem um do outro, mas não segurou sua mão nem nada parecido. 

— Sabe... — Ele chegou mais perto, a boca quase encostando no ouvido de Liza para que ela pudesse ouvir. — Estou começando a achar que esse papo todo de vingança é uma grande furada. — Ela olhou para ele, o rosto todo franzido como se soubesse que o que ele estava prestes a falar era absurdo. E no fim ela não estava completamente errada. — Acho que você só queria sair comigo.  

A menina soltou o ar com força e revirou os olhos de um jeito que Sam ficou impressionado por eles não pularem de seu rosto e saírem rolando pela grama.  

— Ah meu deus, você tem a auto estima tão elevada que não percebe que nem todas as garotas te olham como se fosse um pedaço de carne, Sam.  

Ele cerrou os olhos em uma expressão cética.  

— Vai dizer que você não gostaria de um pedaço?  

— Não. —Foi curta e grossa. 

— Nem um pequenininho? — Ela quase riu quando ele juntou o indicador e o polegar de uma das mãos, deixando apenas uma frestinha entre os dois, mas manteve a voz decidida.  

— Nada.  

Os dois se encararam por um momento, um desafiando o outro para ver quem desistiria primeiro. Foi Sam, e então ele sorriu de verdade, como se finalmente se rendesse, e esticou os braços acima da cabeça como se estivesse se espreguiçando. Ela teria ficado orgulhosa de vencer aquela pequena disputa se ele não tivesse se inclinado mais uma vez em sua direção e sussurrado em seu ouvido.  

— Duvido. — Aquilo fez todos os pelos em seu corpo eriçarem, e imediatamente o sorrisinho que carregava no rosto desapareceu, dando lugar a uma carranca. Ela apressou o passo e endureceu o olhar, afastando-se um pouco dele e decidindo que aquela era uma discussão sem sentido. Talvez ele tivesse reparado naquela reviravolta no temperamento dela, pois também se calou antes que levasse umas bofetadas.  

Eles caminharam mais um pouco, se espremendo no meio da multidão de jovens entusiasmados demais para o gosto de Liza. Ela sentiu algumas mãos desconhecidas a tocando em lugares que não desejava ser tocada e passou a abrir o caminho com os cotovelos. Mais alguns poucos passos e avistou a irmã sentada em um sofá chique no que parecia ser uma parte mais privada da festa, em uma varanda espaçosa mas ainda assim lotada. Um garoto estava com a cara enfiada em seu pescoço, e ela não quis olhar para trás para ver como Sam lidava com aquilo. Não era da conta dela, e também não importava. 

Eles teriam que subir uma escadaria para chegar lá, e ficariam bem visíveis ao fazê-lo. Isso estragava o fator surpresa caso ela olhasse em sua direção, mas era o que tinha. O que a incomodava de verdade era não saber o que fazer quando chegasse lá, e assim como Sam havia lhe dito, ela começava a pensar que aquela tinha sido uma ideia realmente idiota. Pena que agora era tarde demais para dar meia volta e ir embora.  

Liza chegou ao topo da escadaria, pulando o parapeito de pedra que separava a varanda de onde o resto da multidão estava, e pegou duas bebidas da bandeja de um garçom que passava por ali. Uma ela bebeu em um gole só, e sentiu o líquido descer queimando por sua garganta, a outra ela segurou firmemente na mão enquanto caminhava lentamente até o sofá. Entretanto, no meio do caminho, se esgueirou por uma fileira de mesas até um palco improvisado no qual uma banda trabalhava afinando instrumentos e se preparando para um pequeno show, e trocou algumas palavras com aquele que aparentemente era o vocalista até que ele finalmente concordou em deixá-la subir e emprestou um microfone. 

Sam, alguns passos atrás, começou a ter alguma ideia do que ela planejava. Não completamente, é claro, mas algo em seu olhar felino dizia que seria muito interessante de assistir, e o fazia querer segui-la de perto. E quando ela bateu no microfone chamando a atenção de todos que estavam sóbrios o bastante para ligar, o menino foi tomado por um impulso súbito de fazer parte daquilo, pulando no palco e se colocando ao seu lado antes que pudesse protestar. Liza, sem se deixar abalar, o ignorou como se fosse uma estátua. 

— E aí galera, quem está gostando da festa? — Ela gritou no microfone, recebendo um coro de gritos em resposta. — Uhuul! Eu também estou adorando! Por isso gostaria de aproveitar essa ocasião maravilhosa para fazer um brinde em homenagem à minha querida irmã! Aurora, venha até aqui! — No meio da multidão, Aurora parecia um pimentão de tão vermelha, com uma expressão tão desconfiada que a fazia parecer uns bons anos mais velha. Aparentemente ela se livrara do garoto agarrado ao seu pescoço antes que pudesse ser pega no flagra por uma plateia de desconhecidos, e agora subia lentamente os degraus na lateral do palco, claramente em dúvida quanto ao comportamento inusitado da irmã. — Venha logo, não seja tímida! É uma ocasião especial.  

Faíscas pareciam voar do olhar de uma para a outra, e Sam apenas observava em expectativa, pronto para se colocar entre elas caso algo desse errado de repente. E era quase certo que daria, a julgar pela nuvem de tensão que parecia pairar no ar. Isso sem contar o olhar que Aurora lhe lançara ao perceber que estava acompanhando Liza. Se ela tivesse algum parentesco com o Scott dos X-men, ele com certeza já seria um homem morto. 

— Ela não é linda, gente? — Liza voltou a falar quando estavam lado a lado, envolvendo a irmã pelos ombros em um gesto afetuoso que ela provavelmente nunca havia feito antes, e recebeu mais um coro de gritos em resposta. — Eu sei, eu sei, todos vocês concordam. E é por isso que hoje vamos comemorar com ela, não é Aurora?  

— Liza, eu não estou entendendo. — Aurora falou com a voz trêmula e um sorriso vacilante no rosto, segurando um segundo microfone em suas mãos geladas.  

— Amigos, vamos todos fazer um brinde à liberdade! — Sorriu para a irmã, mas não havia nada de amistoso naquilo, apenas uma raiva contida, fria e calculada. — Minha irmã Aurora aqui pode dizer enfim que não deve mais nada para o gigolô da rua 15! Depois de muito serviços prestados e algumas doenças venéreas — Ossos do ofício, não é mesmo? — Ela finalmente está livre!— Liza cutucou Aurora nas costelas, deixando escapar um sorriso cúmplice mais falso do que nota de três reais.   

A multidão parecia completamente em choque, alguns começaram a rir e apontar, outros demoraram um pouco mais e então gritaram mais uma vez em resposta, mas nada se comparava ao estado em que se encontrava o rosto de Aurora. Ela estava lívida, toda a cor de suas bochechas desaparecera e dera lugar a um completo caos de emoções que aparecia e desaparecia em uma fração de segundo. Se não fosse pela evidente raiva que se apossava de cada pequeno milímetro cúbico de seu corpo, ela muito provavelmente já teria desmaiado ou vomitado. Em poucos segundos ela pularia diretamente no pescoço de Liza, disso Sam não tinha a menor dúvida.  

— Isso não é verdade! Não é! Essa maluca deve ter arranjado algum motivo para me humilhar publicamente, não acreditem nela! — Tentava falar em meio à confusão de murmúrios que crescia cada vez mais, sem sucesso. — Samuel! Você não vai falar nada?  

— Ah, sim... — Ele limpou a garganta, tomando alguns segundos para pensar no que dizer. — Estou muito feliz por você, de verdade. Talvez o sortudo com quem estava se agarrando alguns minutos atrás esteja agora com a consciência bem mais leve para poder continuar com... Bem, você sabe. — A plateia foi à loucura, assobiando e gritando ainda mais.  

— O que eu fiz para você? — Ela sussurrou, e ele quase se sentiu mal por estar fazendo parte daquilo.  

— Você me traiu com um garoto que aposto que nem conhece. Estragou um dos livros favoritos da sua irmã e transformou a vida dela em um inferno por mais de 8 anos. Não venha bancar a vítima agora.  

— Seu filho de uma....  

Sam não ficou para escutar, já estava correndo pelas escadas laterais, procurando Liza que aparentemente sumira de vista e mergulhara na multidão de corpos em algum momento durante os acontecimentos. Como iria achá-la novamente? Baixinha maluca, isso que ela era.  

Se espremendo entre as pessoas, Sam já estava começando a ficar irritado quando viu um lampejo de longos cabelos pretos correndo para fora, em direção ao jardim da frente. Não era de se espantar que ela quisesse ficar o mais longe possível da irmã agora que Aurora iria atrás dela a qualquer momento, bufando de raiva como um dragão com o orgulho ferido. Ele a seguiu, a alcançando pouco depois quando já estava prestes a subir na moto e dar a partida, mesmo sabendo que era totalmente incapaz de chegar em casa sozinha. 

— Missão comprida? — Sam perguntou. 

— Não foi tão bom quanto prendê-la em uma jaula com leões, mas sim, foi satisfatório. — Ela ponderou, e depois suspirou. Tinha sido legal ver a cara de espanto de Aurora, mas de alguma forma Liza ainda se sentia vazia. Ela pensou que um dia, quando tivesse a chance de machucar a irmã pelo menos um pouquinho, ela aproveitaria sem pensar duas vezes. Mas agora era como se tudo não tivesse passado de uma grande estupidez. Ela não sabia se era por aquilo não parecer o bastante ou porque se sentia mal pelo que tinha feito. — Já pode me levar para casa.  

— Mas é claro que não! — Sam arregalou os olhos como se ela o tivesse insultado da pior maneira possível. — Agora que estou oficialmente livre da sua irmã, quero comemorar!  

— Você pode comemorar mais tarde. Agora vamos, quero estar bem trancada e tranquila no meu quarto quando Aurora chegar em casa querendo incendiar tudo.  

— Já disse que não. — Ele começou a andar de volta para a casa, não para a festa, mas para dentro da casa. — Você pode ir andando se quiser. Ou pode me esperar aqui fora e correr o risco de dar de cara com Aurora. Mas eu tenho planos para essa noite.  

— Como é que é? Você não pode estar falando sério! Eu tenho coisas para fazer, você não pode simplesmente me largar aqui esperando e... 

— Ah, eu também tinha muitas coisas para fazer esta noite. — A interrompeu. — Acontece que você entrou no meu caminho, e eu deixei. Agora é sua vez de retribuir o favor. — Ele parou para tirar uma garrafa de bebida ainda cheia das mãos de um menino que dormia na grama. Avaliou o rótulo no escuro, tentando ler, depois deu de ombros e seguiu andando com a garrafa em punho. Liza teve que correr para acompanhá-lo. Ela não sabia se gritava de raiva ou o estrangulava. Nenhum dos dois adiantaria. 

— Se eu for com você, promete que vai me levar para casa depois?  

— Prometo. — O garoto exibiu um sorriso vitorioso que ela teve vontade de tirar da sua cara a tapas, mas foi obrigada a segui-lo. 

— Então está bem, mas é só por um hora. E se você não cumprir a promessa eu juro, eu juro de verdade, que quebro essa garrafa e faço você engolir os cacos! — Falou com raiva. 

Havia alguma coisa de errada com aquele garoto, era a única coisa que Liza conseguia pensar, pois mais uma vez, depois de ser ameaçado, ele abriu um sorriso estonteante e seus olhos brilharam ainda mais no escuro da noite. 

— Relaxe um pouco princesa. 


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