Metro - Subterrâneo escrita por Capitain Fabbris


Capítulo 1
I Guerra e Caos




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O que meu Eu de 2015 diria sobre mim agora? O que meus pais pensariam de mim? Minha irmã, eu tenho certeza, estaria horrorizada sobre meu aspecto sujo, pelas roupas pesadas, e talvez surtada pelo corte de cabelo. Olhar para o espelho dizia muito de uma Elizabeth que nasceu há três anos atrás. Olhar para meu reflexo, cabelos desbotados pelo descolorante, olhos escuros e tristes, desapegados me mostravam que não haveria mais volta, essa era a vida que nós, meros humanos teríamos.

Era uma terça feira de 2020, quando tudo mudou. Na verdade, se eu soubesse o que me esperava a noite, teria pedido para que eles ficassem. O mundo estava no pé da guerra, países, governantes, "os grandes" discutiam sobre coisas supérfluas, petróleo – o que, por favor, já não restava muito e afetava o clima de um país todo – água, minerais. Tudo parecia motivo suficiente para que estes presidentes pudessem brigar e criar uma discussão.

O grande problema de 2020 era a Amazônia, aquela que nós estudávamos no colégio e nunca dávamos valor suficiente, sabe? O maior reservatório de água doce era uma questão politica e altamente visado em um mundo, já que o tão conhecido aquecimento global havia feito com que esta nossa riqueza estivesse acabando.

O clima era quente, mesmo que chuvoso, quando minha família decidiu viajar. Meus pai trabalhava a muito tempo em uma indústria farmacêutica e havia conseguido tirar seu período de férias junto com minha irmã, minha mãe passava o dia em casa então não houve empecilhos para ela. Eu falei para que fossem viajar. Infelizmente, por conta de estar no meu décimo, vigésimo emprego, ainda não havia feito um ano e não podia tirar qualquer que fosse um tempo para viajar. Mas fiquei em casa, cuidado de Hermes, um gato Maine Coon Azul tão chato e raivoso quanto à dona, eu.

Nunca vimos televisão em casa, depois de tantas tragédias que eram passadas de um lado para o outro, minha família decidiu adotar um ritmo mais calmo, se mudando para uma casa em Itapecerica da serra. Então não sabia o que estava para acontecer. Não tinha ideia da Guerra, não conheci a nenhuma informação que o governo Brasileiro – mas olha só, como nunca pensei nisso? – não havia tomado a postura certa.

Foi Gustavo quem me buscou. Namorávamos a seis meses. Ele era muito mais velho que eu, mas respeitava minhas decisões. Estava com 20 anos naquela época e ele tinha 28. Mas nunca havíamos feito nada, em parte pela religião, em partes porque não sentia vontade. Mas gostava de seus cuidados, principalmente por ser militar e saber me defender de brigas que eu acabava causando, além de estar me treinando para me tornar militar também.

A principio não entendi o desespero de me levar para fora de casa. Gustavo havia aparecido do nada, e para minha surpresa disse que precisava sair. Tentei contestar sobre cuidar da casa e ter que ligar para meus pais, mas ele suplicou para que eu fosse embora. Correu para meu quarto, pegando todas minhas roupas e jogando desordenadamente em sacolas e malas,

— Eliza! Junte o máximo que pode, não temos tempo para explicações. – tentei conversar, mas esta foi a única resposta dada a mim.

Juntei minhas roupas, com as mãos tremulas, em parte pelo medo do que poderia estar acontecendo, em parte pela raiva de não ter explicações. Ao fim de 15 minutos, Gustavo havia levado tudo para o carro militar, e até então não havia visto que o mesmo estava uniformizado. Suas vestes eram verde camuflado e ao seu peito vinha sua identificação: Gustavo Borges, sargento.

Gustavo era um cara legal. Tinha olho azuis, bonitos, e talvez essa fosse sua característica mais marcante. Era magro e pouco atlético para um homem do exército, mas nunca perguntei muito sobre isso. Seus cabelos emaranhados estavam arrumados e penteados para trás, mesmo assim, alguns fios rebeldes continuavam a aparecer. Seus lábios eram pouco desenhados mas avermelhados e pele branca, quase doente.

Cortei os pensamentos quando vi um olhar feio pela janela.

— Hermes! – Já havia entrado no carro e sai correndo aos berros para correr atrás do pequeno felino mal educado.

— Elizabeth, você não pode levar um gato para a base militar.

— Eu não vou para a base militar sem saber o que está acontecendo! – gritei – E muito menos sem Hermes.

Corri de volta para minha casa, colocando tudo que podia do gato em uma mochila e o coloquei depois de muito esforço em uma gaiola. Mesmo com o peso excessivo do felino, parei em frente a porta de casa olhando firmemente para o garoto que eu tentava depositar minha confiança.

— Não saio daqui enquanto não me falar.

— Liza, por favor, não temos tempo.

— Não saio.

— Liz.. – sua expressão séria havia mudado para desespero. Ele não parava de olhar para o céu.

— Eu não vou...

Então um alarme soou. Não sei de onde veio, nem como podia chegar tão alto na região em que morava, mas foi o suficiente para me calar e correr com a gaiola de Hermes para dentro do carro, enquanto Gustavo me puxava pelo braço com força. Um clarão alaranjado surgiu pelo céu. Minha vida estava prestes a mudar.

Já havia corrido com o carro de meu pai. Certa vez havia pego o carro escondido de madrugada com minha prima Leticia, que tinha 6 anos de idade na época. Eu só tinha 13 anos, e quando a pequena me acordou, dizendo que queria passear, fui até o carro, peguei a chave que ficava ao lado da porta e dirigi dentro do condomínio que eu morava. O banco era alto demais para mim, então tentei ficar em pé no mesmo e acabei prendendo meu pé no acelerador. Perdi o controle do carro e fomos parar direto em uma grande araucária. Leticia era pequena demais para o cinto e voou para fora do vidro. Ficou dois meses em meio em coma. E é por esse motivo que morro de medo de andar de carro.

Não preciso dizer que quase desmaiei quando Gustavo alcançou seus 200km /h não? Já teria desmaiado se não estivesse tão chocada com as mensagens que ouvia da radio militar. Homens gritando e falando sobre bombardeios, regiões afetadas. Não sei quantos mil mortos. Tudo girava em minha mente enquanto tentava entender o que acontecia.

Um grande estrondo fez as janelas do carro vibrarem e meus ouvidos apitarem. Olhei para o lado, e uma nuvem de fumaça vermelha, grande o suficiente para cobrir uma montanha e em formato de cogumelo começou a subir. Bomba.

Guerra.

Isso era uma guerra. Vomitei meu almoço antes de desmaiar.

✖✖✖

Se você tem um gato de estimação, agradeça a Deus por ele. Acordei com Hermes me lambendo no rosto e miando. Minha cabeça explodia de dor e aos poucos fui me sentando, com muito esforço, empurrando meu gato de lado e olhando fixamente para porta do cômodo onde eu estava.Não era muito maior do que um banheiro. O Quarto onde estava era visivelmente feito de metal, com paredes bem reforçadas. Grandes pregos seguravam as placas cinzas e sem vida, assim como tudo que estava ali. A porta parecia ser pesada e só podia se ver um pequeno vidro a sua frente. O local era feito simplesmente destas placas, a porta, uma cama com colchão duro e uma escrivaninha onde minhas malas estavam largadas.

A única cor viva que podia se ver era o pote de água do Hermes e seu pode de comida, que já estava vazio. Estiquei minhas mãos para acaricia-lo e me levantei, procurando o saco de ração para poder alimentar. Assim que sai da cama, pude reparar em um grande calendário e um pequeno despertador digital a pilha que ficava sobre a escrivaninha.

13 de maio de 2020, 22:00

Eu havia desmaiado por dois dias. Tentei colocar minha mente para trabalhar. O que realmente havia acontecido? Gustavo havia me buscado. Uma guerra. Meus pais.

Minhas mãos começaram a tremer e corri até a porta, simplesmente para reparar que estava trancada. O desespero tomou conta de mim e aos berros batia com toda força – por mais que parecesse ir em vão – gritando para que abrissem e me tirassem de lá. Hermes com medo se enfiou em baixo da cama.

Demorou mais de 15 minutos para que um homem aparecesse e me segurasse, enquanto Gustavo entrava e fechava a porta. Ainda tremendo e em pranto, me sentei na cama, observando os dois que estavam em pé.

— Elizabeth, é uma honra te conhecer. Gustavo tem falado muito de você estes dois dias. – o homem sorriu com graça, acalmando por alguns segundos a mim.

— Meus pais. Onde eles estão.

O sorriso do homem se desfez.

— Eu.. – Gustavo olhou para o homem que o repreendeu, mas balançou a cabeça e olhou fixamente a mim – Eu tentei ligar para eles, passei esses dois dias ligando, seu pai, sua mãe, sua irmã. Desculpe Liza, eles estão na lista dos desaparecidos.

Não sei quanto tempo o silêncio imperou naquele pequeno cofre metálico. Não sei dizer se chorei, ri ou simplesmente fiquei parada. Eu tinha uma vida simples, uma irmã mais velha somente, e pais caipiras; mas era feliz. As vezes discutia sobre viajar para grandes cidades, mas os planos de minha família era sempre mato, flores e arco-íris. Mesmo assim, isso não significava que eu os odiava. Eu os amava. Eu os amo.

Hermes provavelmente sentiu a tensão em meu corpo quando se deitou em meu colo, saindo de baixo de seu novo esconderijo e subindo em cima de mim, ronronando e desafiando seu medo. Tanto o homem a minha frente quanto Gustavo ficaram parados olhando para baixo, tentando se fixar em qualquer coisa que não fosse a palidez – provavelmente aparente – do meu rosto. Não os culpo. Entrei em choque.

O silêncio foi quebrado pelo homem esbelto que ainda não conseguia olhar diretamente para meus olhos.

— Desculpe nos conhecermos assim – falou, se aproximando e esticando suas mãos. Eram calejadas e de cores mais escuras que seu rosto – Sou Cristian Henrique Magalhães. Mas todos me chamam de General Magalhães.

Lógico, pensei. Estou dentro do exército.

— Aqui é o bunker 067 – disse, como se tivesse ouvido meus pensamentos – é um local totalmente seguro para nós do exercito e seus familiares. Todos estão seguros, inclusive seu gato de estimação.

— Obrigada por deixa-lo entrar aqui – respirei fundo, tentando manter a calma. Mas todo esforço durou pouco – Espera. E as outras pessoas?

— Estamos fazendo o possível para assegurar a vida de todos.

— ELES ESTÃO MORRENDO!

—Não podemos fazer nada, Senhorita Arezzo – então se virou de costas e abriu a porta – Siga-me, vou te mostrar o lugar.

— VOCÊS SÃO O EXERCITO –gritei, Gabriel se afastou, ainda transtornado com minha reação e Hermes se enfiou em baixo da cama – VOCÊS DEVIAM FAZER ALGO.

— Isso não é da sua conta – então se virou e me olhou, encarando meus olhos, e com horror percebi que um de seus olhos era azul claro, não como olhos claro normais. Ele era cego. E uma grande cicatriz cortava seu rosto, desde sua sobrancelha até a metade de sua bochecha. Deixando grandes falhas na barba rala – Sem mais perguntas mocinha. Ou você ira se perguntar isso na rua. Estamos entendidos?

— Sim senhor.

Caminhei em direção a porta em silêncio, seguindo os dois com a mais bela aura negra que podia existir. Uma mistura de medo, solidão e muito, muito ódio.


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Notas finais do capítulo

Estou escrevendo esta história com carinho, se curtir, comenta, assim posso continuar com mais amor ainda ♥