Fragmentos escrita por Katsumi Liqueur


Capítulo 1
Fragmentos




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A capacidade que nosso organismo tem de exteriorizar nossos sentimentos é assustadora. Ela teve certeza disso ao se olhar naquele espelho, à penumbra da luz daquela vela que se esforçava, tanto quanto ela, para se manter acessa.
Como ela poderia notar os pequenos indícios na penumbra? Talvez porque adorasse contemplar sua imagem no espelho... Mas isso fora antes, enquanto estava realmente "brilhante"... Agora, que procurava em seus olhos alguma fagulha de si, nada encontrava. Nada além de marcas de choro e cansaço.
Buscando em sua imagem, o velho véu de cera. Sentimentos, pureza... Poeira jogada ao vento. Não buscava se encontrar naquela imagem... Nem ao menos naquele lugar. O que tentava entender, e essa era a sua real busca, é como chegara ali.
Ali... Naquele lugar distante... Parada diante de um espelho, com uma vela repousando em sua mão e uma janela ao seu lado. Sentia um pouco de frio, mas a deixava aberta... A suave brisa gélida trazia uma lembrança, seria o "toque" em seu rosto úmido, o leve farfalhar que causava em seus cabelos ou a deliciosa fragrância que ela disseminava pelo local?
Queria não se importar... Mas até quando continuaria se enganando? Importava-se sim, e esse era o maior motivo da sua dor. As marcas de choro e de cansaço vistos por ela, refletiam exatamente isso... Uma vida em busca daquilo que há muito já perdera. Um amor? A lucidez? A esperança? Talvez sejam todos sinônimos para o mesmo mal... O seu mal...
Suspirou, balançando a cabeça e desviando o olhar de sua imagem. O seu mal particular... Era um pensamento egocêntrico e nada acolhedor. Sua vida estava baseada na busca que empreendera, procurando alcançar aquilo que deixara escapar. E gastara sua vida nessa busca... Sim, gastara... Pois não admitindo uma evidente derrota, abriu mão da pequena felicidade que poderia encontrar se percorresse outro caminho. E seu choro e cansaço nada de novo diziam, pois por mais que existissem, já estaria ela pronta para "esquecer" e perdoar?
Certamente não... E mesmo que já não o visse mais, seu reflexo sujo e cansado apenas confirmava isso. Ele apenas chegara aonde sempre quisera chegar... E, sem que ela desejasse, o riso tomou seu ser. E gargalhando, todas as suas máscaras desapareciam. O que antes se escondia embaixo de uma maquilagem borrada, agora vinha à tona, para se mostrar no mais despido dos seres... Um anjo? Um demônio?
Nenhum dos dois, porque talvez os extremos não fossem o suficiente para descrevê-la. Uma irônica mistura. Inesperada e instável. Ela se deliciava ao saber de sua natureza demoníaca e angelical, a única coisa que ainda levava um tenso sorriso a sua face. Marcada por ambos os defeitos, desistindo das poucas qualidades. Esfregou o rosto, piorando a situação. Negro próximo aos olhos, avermelhado ao redor dos lábios. E a gargalhada seca e contínua, tão irresistível para seus próprios ouvidos acostumados.
No fim, era apenas ela... Sempre fora bom voltar pra casa. Pois era aonde enfrentava todos os seus problemas. E mesmo que não os vencesse, sempre via o quão humana era. Mas a noite apenas começava. Lavou seu rosto, pegou o casaco e a bolsa. Não era mais tempo para lamentar. Em seu trabalho, não deve existir sentimentos, eles sempre devem ficar enterrados em casa...

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