Caminhantes escrita por Serin Chevraski


Capítulo 50
O Segredo Por Trás do Sorriso Falso


Notas iniciais do capítulo

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Lucy POV 

Meu corpo inteiro dói, minha cabeça lateja. Assim que abro os olhos, minha respiração pesa fundo e profundo. 

Estou no chão. Olho para o meu corpo o máximo que consigo, com a bochecha colada naquela areia quente. Estou tão cheia de fuligem e cortes. Rodeada por pedaços de vidros. Com esforço, alguns pedaços de vidro caíram tilintando quando me sentei.  

Como parei no chão? Eu estava num lugar tão alto... 

Ergo meus olhos e minha respiração para, por um minuto. 

As paredes de areia estavam rachadas e se esfarelando, seus cilindros todos quebrados. À minha volta, cheio de sangue e corpos espalhados. Muitos cadáveres, sejam de magos ou dos encapuzados, nenhum berrava ou sibilava mais, estavam mortos. O fogo tombou das tochas e usavam estes corpos como alimento, os cremando. Um cheiro forte de carne queimada emanava o ar, misturado com a essência de ferrugem que o sangue tinha. 

Meu estômago revirou. Algo pegou meu pé, quando virei o meu rosto para encará-lo, um homem com os olhos arregalados de medo me implorou: 

— Me ajude... -sua voz era pesada. Seu rosto estava vermelho e esfolado, sem pele, enquanto a parte de baixo de seu corpo estava ainda sendo queimado. Meus olhos marejaram. A cabeça dele tombou sem vida e eu me afastei rapidamente. Me levantei. 

Ao ficar de pé, minha visão se tornou mais ampla. Olhei que a quantidade de corpos era tanta que eu não teria nem a possibilidade de conseguir imaginar quantos haviam perecido esta noite. A cruz pegava fogo e labaredas devoravam feliz o pedaço de madeira. Mas então parei.  

Na frente da cruz em chamas, uma mulher de cabelos brancos estava de pé, encarando um homem baixinho. Essa mulher estava de lado para mim, mesmo assim eu percebi. Não a conhecia, e ao mesmo tempo, sei quem ela é. 

— Oh... A calamidade -sorriu o xamã, com os olhos marejados- Zeref é nossa bênção... Espalhe a dor... Espalhe o ódio... Faça com que as injustiças do mundo sejam queimadas com as labaredas do medo! Assim como levaram a do meu filho... Leve a vida desse mundo... 

— Seu filho? -sussurrou a mulher, friamente- É por isso que fez todo esse cenário? 

— Você nunca entenderá. Você, oh! Ser desprovido de sentimento, ser depravado que Deus Negro nos deu, não lhe foi concebido um coração...  

— Oh? É mesmo? -perguntou ela em tom entendiado. E sem mais nem menos, fincou a mão no peito do homem, ele tossiu sangue e nas mãos dela, estava um coração ainda pulsante. Logo ela jogou o pedaço de carne para algum canto, desinteressada- Que idiota. 

Não pude conter a minha pulsação desenfreada, estava nervosa. Apertei uma mão na outra e respirei fundo. 

— M... Mira...? -chamei, temerosa. 

Os olhos azuis se viraram para mim. Mirageene Strauss estava em uma de suas formas Satan Soul. O sorriso que ela deu, me arrepiou. E na bochecha dela, a queimadura que se transformou em uma tatuagem de um demônio de chifres com um símbolo de uma estrela pentagonal. 

— Ora, ora, uma gatinha assustada fugiu do massacre? -riu ela, esvoaçando o longo cabelo e caminhando para mim- Como fui descuidada! 

Minhas pernas tremiam, está difícil de respirar por causa da fumaça. 

— M... M... Mira... Por favor... -murmurei, com minha voz falha. 

Ela riu baixinho. Uma mulher assustadora e grande era quem estava na minha frente, não a Mira. Ela ergueu a mão de garras e abriu um sorriso maior. Eu virei o rosto e ela me arranhou criando cortes profundos no braço que ergui para proteger minha cabeça. Um impacto que me fez cair para trás. Minha mente gritava para correr, mas meu corpo não obedecia, ele apenas... Tremia inutilmente. 

— Nem vai gritar? -ela perguntou em tom decepcionado. Ergueu as garras mais uma vez e eu fechei meus olhos com força, caindo lágrimas e berrei: 

— MIRA! NÃO, POR FAVOR! 

Esperei a morte. Mas tudo o que veio foi a albina tombar em cima de mim, desfazendo o Satan Soul. 

— M... Mira! -exclamei, a colocando no meu colo. Ela lentamente abriu os olhos e sorriu gentilmente, a Mira que eu conheço voltou. 

— Lucy... Você está bem? - murmurou num sussurro falho. 

— Hã? -eu enxuguei as lágrimas e sorri- Sim! -ela abriu um sorriso maior. 

— Isso é muito bom... -então os olhos dela vagaram para outro lado, para a destruição e a aniquilação. Ela perguntou- Isso... Fui eu quem fiz? 

Mordi o meu lábio inferior e neguei frenética com a cabeça. 

— Não! Isso foi culpa do ritual maligno! 

— ... Lucy... Não importa o que diga, não vai mudar o fato de que foi eu quem matou essas pessoas... -os olhos dela marejaram, eu nunca tinha visto uma expressão assim nela antes- Eu finalmente virei mesmo uma assassina, huh? 

— Mira... Não... Se é para culpar alguém, me culpe... -murmurei- Eu... Eu... Poderia ter evitado isso... Se... Se eu tivesse recusado sua proposta... Se... Se eu tivesse escolhido outro trabalho... Se eu tivesse aceitado em ir fazer um time com a Erza e o Gray... Ou se eu tivesse deixado o Natsu vir com a gente... Não... Eu acho que o meu maior erro foi me deixar ficar naquele estado num ci... Ciume bobo de ver Natsu com Lisanna... 

— Lucy, isso não é verdade... Eu fiquei mesmo feliz em ver como você tem tanta consideração pela minha irmã -sorriu triste, então seus olhos foram para o teto e ela murmurou- Mas agora que sou uma assassina... Assim eu não vou poder encarar o Laxus ou qualquer um da guilda de novo. 

— O... O que está falando? Vamos nós duas voltar, lembra? Seus irmãos se despediram de você com um sorriso esperando que voltássemos... Vamos voltar! -sorri, para demonstrar que estava tudo bem, mesmo sentindo meu braço doer pelos cortes.  

De alguma forma, eu sabia da realidade, e que ela não era tão simples. 

— Lucy... Eu sinto, não... Não vou durar muito tempo... Com essa cerimônia, os demônios que estavam presos no meu corpo se soltaram... Ele vão me tomar e não terei forças para impedir... Fuja, antes que eu tente te matar de novo... 

— Hã? Hã? Eu não... Não estou entendendo... -sussurrei, aflita. 

A estrutura de areia começava a desmoronar pouco a pouco pela instabilidade. 

Mira usou todas a as suas forças para se levantar, a albina ficou de pé e me fez ficar em pé junto. Ela me abraçou e falou no meu ouvido: 

— Lucy, não se culpe Lucy. Você fez o que achou certo e não te culpo... -ela respirou fundo e pesado- Mas eu tenho apenas um arrependimento... -Mira me empurrou, eu ergui a minha mão para ela, mas a albina apenas me lançou um sorriso triste- Foi não dizer para o Laxus que eu o amo... 

Nesse segundo o mago do teletransporte apareceu atrás de mim e me segurou. O corpo de Mira tremulou, ela ainda sorria e chorava. A albina estava se transformando em demônio outra vez e Mest me teletransportou. Tudo o que gravava na minha mente, eram os gentis olhos azuis de Mirageene Strauss. 

— MIRAAAAAAAAAAAAAAAAAA!! -berrei. 

E assim, saímos do covil dos ladrões. Estávamos longe da estrutura de areia, mas como ele é enorme, parecia próximo. Eu ergui a mão para o edifício que se destruía em mil pedaços. Mest me soltou e desapareceu. Não me importei, apenas chorei e chorei. Me levantei e corri para o desmoronamento. Não pode ser... Não pode! Isso não está acontecendo! 

Então a estrutura se tornou ruínas, desmoronando e seus escombros levantando metros de poeira. Lá do topo, um demônio de asas de morcego levantou-se, saltou para o céu e voou para bem longe. Eu não posso ir atrás de você se afastar assim, Mira! 

Caí com tudo no chão, sem forças. As lágrimas não querem parar. Meus joelhos afundaram na areia. 

Desespero. Era o meu único sentimento. 

Quando minha cabeça começou a doer, minha garganta a deixar de funcionar e meus olhos não sabiam mais como inchar. Fui me acalmando e percebi que Mest estava ao meu lado de novo. 

— Por quê? Por que não trouxe ela junto? -perguntei, o encarando. Ele se agaxou do meu lado e sombreou o olhar. 

— Ela virou um demônio -foi sua resposta. Minha cabeça zanzava, funguei o nariz e abaixei a cabeça. 

— Por que isso aconteceu? O que aconteceu? Pensei que com a barreira anti-magia... 

— Eu... Lucy... -ele balbuciava, olhando para as próprias mãos trêmulas- O que presenciamos foi uma coisa quase impossível de se realizar. Quando nos separamos, eu não fui pego... E destruí uma lácrima, a responsável pela anti-magia, não tem como ela estar usando magia, porque... Assim que quebrei a lácrima, me teletransportei e te peguei... Quando te trouxe para fora, eu voltei para ver Mirageene... 

— E? -perguntei trêmula. 

— ... -ele fechou o punho- Eu ainda não sei o que aconteceu... Desculpa, Lucy... 

— N... Não... Não pode ser... Mira... Por quê? -pensava com todas as minhas forças em como trazê-la de volta. 

— Mas agora, faz sentido o porquê de existir uma lácrima anti-magia. Era para que nenhum mago pudesse interromper o que eles faziam ou detectá-los... E eles conseguiram fazer o que queriam porque não estavam fazendo um encantamento mágico, estavam fazendo um ritual. Um ritual iria funcionar mesmo sob efeito de uma lácrima anti-magia... 

Eu não respondi. Ainda estava processando o acontecimento. 

— ... Vamos Lucy, eu te levarei para a guilda -ele falou e me ajudou a levantar. 

Mest usava seu teletransporte, enquanto isso, ele sussurrou pesaroso: 

— Quero fazer um pedido egoísta, Lucy -eu não respondi- Quero que não conte a ninguém que eu estive aqui... 

— ... Por que isso? -murmurei de volta. 

— Para que isso seja um segredo -ele respondeu- O conselho está tramando algo, por isso me mandou como um espião no covil dos ladrões... Se descobrirem que nessa tragédia você me viu, eles vão aprontar. Eles não querem que alguém descubra que o Conselho está fazendo algo secreto. 

— O Conselho...? 

— Vai ser difícil para você. Mas espere alguns dias, no noticiário aparecerá que tiveram apenas um massacre e você não será reportada -os olhos dele ficaram sombrios- Darão uma forma de encobrir. 

— Mest... -sussurrei. 

— Sim? 

— Estou fazendo o certo em confiar em você? -perguntei. 

— ... Eu gostaria de saber isso também -ele respondeu- Sobre esse caso, irei explicar direitinho para o mestre Makarov, darei um jeito de ficar responsável de buscar Zeref e Mirageene. Mas todos devem pensar que faço isso em nome do Conselho, não porque eu sou um mago da Fairy Tail, eu ainda estou usando esse disfarce. 

— O mestre Makarov... 

— Ele está sempre com um pé no Conselho, eu sou um espião dele. Estou tentando descobrir o que se passa lá, eles escondem um tipo de segredo. 

Assenti com a cabeça. 

— Confio em você Mest. Para encontrar a resposta de suas buscas -falei. Ele está sério. Tudo o que posso fazer agora é confiar, certo? 

... Eu não sei mais de nada... 

— E é aqui que eu te deixo -ele falou. Eu olhei e era a porta da guilda. 

— ... Mest... Eu sei que você tem o poder de apagar a memória... Não acha que isso deveria ser o melhor? -questionei, ele sorriu triste para mim. 

— É... Isso deve ser a coisa mais fácil para resolver as coisas, mas... Eu cansei de apagar a memória dos meus companheiros -e com isso, sumiu, usando teletransporte. 

Minhas mãos pousaram na fria maçaneta. Escutei as brigas e risos lá de dentro da guilda. Minhas pernas bambaram. Como será que eles vão reagir? Eu saí por essas portas com um sorriso e acompanhada por uma pessoa gentil e confiante... Agora volto assim... Sozinha... 

Com isso meus olhos marejaram de novo e abri a porta. Meu corpo ensanguentado não se aguentava sozinho, me apoiei na porta, as lágrimas caíram quando vi o pessoal me encarar e seus olhos se arregalarem. 

— LUCY!? -exclamaram eles. 

— P... Pessoal... -murmurei. 

Eles correram até a minha volta. 

— Lucy!? O que aconteceu? -perguntou Erza, olhando para os meus machucados. 

— E... Eu... -balbuciei, sem encontrar as palavras. 

— Mira-nee... -a voz de Elfman se fez- Onde... Onde está a Nee-chan? 

Todos ficaram silenciosos e me encararam. Eu respondi encarando o chão, consigo ver nada porque minhas lágrimas borraram a minha visão. 

— A missão aonde nós fomos... Era uma armadilha... Eram lunáticos, seguidores de Zeref... Eles fizeram um ritual... Aconteceu tudo tão rápido... Então... Então... -dei um soluço- Quando percebi, Mira... Ela perdeu o controle dos demônios dentro dela e voou para bem longe... 

Eles ficaram chocados. Tragédia, essa é a definição para o que aconteceu. 

— Não... -Lisanna tampou a própria boca, com os olhos marejados- M... Mira-nee... 

— É... É mentira... -Elfman caiu de joelhos. 

Natsu deu um passo para frente e fechou o punho. 

— EU ESTOU INDO LÁ! VOU TRAZER MIRA DE VOLTA! -ele exclamou. 

— Eu estou junto! -apoiou Gray. 

— Contem comigo! -se juntou Erza ao lado. 

— Pessoal... -sussurrei. Levy-chan se aproximou de mim e sorriu triste, me ajudando a caminhar. 

— Vem Lucy, vou te levar para a enfermaria -ela foi me levando. 

Mais magos foram se levantando, até que o mestre apareceu na sacada. 

— O QUE ESTÁ ACONTECENDO AQUI!? -ele berrou. 

— Mestre! -se prontificou Erza. 

Antes que eu pudesse escutar o que eles iriam discutir, minha cabeça foi se esvaziando e eu descobri como estava exausta. Dormi ainda apoiada em Levy. E antes de tombar, vi Gajeel correr para ajudar a azulada. 

Assim que recobrei os sentidos, estava tudo silencioso. Estou na enfermaria da guilda e na minha esquerda, Levy McGarden dormindo numa cadeira desconfortável com um livro aberto no colo. 

— Levy-chan? -chamei com uma voz fraca, me sento e olho que estou toda enfaixada, meu corpo inteiro dói... Mas meu coração era aquilo que estava mais pesado. A azulada abriu os olhos e deu um salto ao me ver. 

— Lu-chan! -ela exclamou num sorriso aliviado. 

— Desculpa... Eu te trouxe muitos problemas, certo? 

— Não... Eu estou feliz que você tenha voltado a salvo... Mas... Mira... -e os olhos dela fitaram o chão- Estou ainda tentando acreditar no que aconteceu... 

— Estou dormindo faz muito tempo? -questionei, ainda um pouco zonza. 

— Algumas horas -ela respondeu, Levy se acomodou direito na cadeira e fechou o livro, colocando-o em uma mesinha ao lado. 

— A guilda... Está silenciosa -observei. 

— Todos saíram em busca de Mira... -os olhos dela marejaram- Não consigo acreditar... Em pouco tempo atrás ela estava no balcão, sorrindo e servindo sucos para todos... 

Meus olhos marejaram junto. Eu também não consigo acreditar... Em um tempo atrás ela estava conversando comigo sobre amores e casais... Como as coisas podem acontecer em frações de segundos? 

— Eu... Me pergunto se é minha culpa... -murmurei, a azulada me encarou preocupada. Será que a minha voz estava tão melancólica assim?- Se eu tivesse pego outro trabalho... 

— Lu-chan? -chamou Levy, eu olhei em seus olhos, ela sorria triste para mim e perguntou- V... Você pode me contar o que aconteceu? Como... Como aconteceu? 

— ... Eu... Eu... -balbuciei. Devo contar para ela? De como Mira virou um monstro assassino? De como eu e apenas eu sobrevivi ao massacre? Ilesa com apenas alguns machucados? 

Travei e fiquei receosa. 

— Lu-chan... Se botar para fora, vai se sentir melhor -Levy disse, com um tom de voz preocupado. 

Me... Sentir bem?  

Isso está certo? Eu devo contar o que aconteceu para me sentir bem enquanto Mira está lá fora cheia de culpa por assassinar alguém? 

Nesse segundo, me lembrei do que os mascarados falaram. Eles tinham dito que eu tinha uma magia menor que Mira... Foi... Foi por isso que ela foi escolhida... Mas poderia ter sido eu... Poderia... 

Eu lembrei da mulher no meio dos corpos e chamas, a mulher de cabelo branco arrancando o coração de uma pessoa viva e tratá-lo como lixo. De como fiquei com medo daquela mulher. 

Apertei o cobertor. Virei meu rosto para a janela, lá fora já está escuro. 

Eu não posso me perdoar... Não posso me perdoar por ter sentido medo da minha própria amiga... Mira nunca desejou isso. Eu não tenho direito de ser a única a me sentir bem... Deixá-la sofrer sozinha...  

Está mesmo tudo bem em contar? Está certo que eu compartilhe minha dor? Tudo bem em fazer uma outra pessoa sentir a mesma dor de saber a verdade de como tudo aconteceu? De ser aquela que continua com os amigos? 

Estou com medo de falar... Estou com medo... De deixar Mira sozinha. 

— Lu-chan... -sussurrou Levy. 

Desculpa Levy-chan... Mas ainda não sei se eu deveria contar. 

A azulada espremeu os lábios e sorriu magoada, à beira de chorar, ainda assim tentou me confortar: 

— Lu-chan, vou fazer um chocolate quente para você -e com isso, ela saiu. É engraçado... Sempre que eu fico mal, Levy-chan sempre me faz um chocolate quente. 

Fiquei uns segundos olhando para fora, para as estrelas que me acalmam. Até que escutei a porta se abrir, pensei que era Levy, mas me enganei. 

— Lucy-san... -chegou Wendy para perto, eu a encarei e os olhos dela estavam inchados. 

— Wendy? -então vi a gata branca no colo dela, de cabeça baixa e olhos marejados- E Charles? 

A menina tremeu e começou a chorar. 

— Desculpa... Desculpa... Desculpa... -ela repetiu várias e várias vezes. 

— W... Wendy!? O que foi? -me surpreendi. 

— Cha... Charles... Charles... Teve uma visão... -sussurrou ela. 

— Charles? -não compreendi. A gata então ergueu os olhos e me fitou, cheia de culpa. 

— Eu... Eu tive uma visão... De que Mirageene estaria toda machucada em seus braços... Ela chorava e falava algo. Você também estava machucada... 

Arregalei os olhos. 

— P... Por que não falaram nada? 

— Eu... Não queria acreditar naquela visão... -murmurou a gata, com mais lágrimas caindo. 

— Charles... -sussurrou Wendy- Lucy-san... Desculpa... Nós não sabíamos o que fazer... Desculpa... 

Eu olhei para a pequena menina encolhida na minha frente, trêmula. Então respondi: 

— Não... Eu é quem deveria ter insistido e perguntado mais... Estava claro que vocês estavam com problemas... Eu quem deveria... -funguei, e questionei- Mas por que agora? Por que estão me contando agora? Por que para mim? 

— Eu não sei... -murmurou a menina, confusa- Só pensei que Lucy-san deveria saber... Estamos contando agora, porque Charles teve mais uma visão... 

Minha boca tremulou. Outra visão... 

— Lucy-san, Lisanna-san irá se suicidar enquanto fala o nome de Mira-san -murmurou Wendy. 

Arregalei os olhos. Lisanna vai se suici... 

— ... Eu não sei o que fazer... -mais lágrimas caíram da azulada- O... O que devo fazer? Por que temos que ter notícias tão ruins? Não quero acreditar nisso... Mas... Mas o de Mira... Se tornou real... 

— Wendy... -chamou a gata, preocupada. 

Lembrei do sorriso de Mira, dela falando de como estava feliz de ver como Lisanna estava contente com Natsu... 

— Está tudo bem Wendy -falei, elas ergueram os olhos- Eu irei cuidar que essa visão não se torne realidade -sorri. 

Com isso, tudo escureceu.  

Ué? O... O que houve? 

Aah... É verdade. Isso são apenas lembranças de um passado distante... Isso já aconteceu. Que estranho, foi como se eu tivesse vivido ela pela primeira vez... 

Lembro que depois daquilo, todos da guilda voltaram com as buscas encerradas e sem sucesso. Erza e mais alguns queriam continuar a procurar. Mas o mestre disse que chega. Não adianta mandar metade de uma guilda atrás de alguém que nem sobrou rastros... E mesmo que a achássemos, o que faríamos? 

Mestre estava calmo, estranhamente sério. Ninguém percebeu, mas eu sim. Provavelmente Mest já entrou em contato com ele e tinham conversado. 

Nesse momento, alguns homens do conselho mais Mest vieram na guilda, não estranhei que tinha sido ele e não Laharl a vir, se minha intuição era correta, o Conselho queria ter certeza que eu não tinha me encontrado com o mago, fingi de não ficar surpresa. Me perguntaram coisas e eu disse que não lembrava de muito, apenas que eu e Mira fomos em uma missão, então descobri que eles eram fanáticos por Zeref e fizeram um ritual, então quando percebi já tinha se tornado naquele caos. Eu não falei de Mira se tornando em demônio ou de ter visto o mago do teletransporte. O moreno nos prometeu que iria fazer as buscas da albina e de Zeref, mestre Makarov assentiu confiando nele. Com isso as pessoas da guilda se acalmaram mais. 

O jornal publicou sobre o massacre. Mas eu não estava lá, nem Mira. Dizia que o massacre foi feito por alguém desconhecido e estava sem sobreviventes. Quanta mentira... Eu sou a única daquele incidente que... 

Não demorou para que Lisanna começasse a entrar em uma depressão óbvia. Tive que me apressar... Se Mira não estava mais lá, eu iria impedir que um segundo desastre acontecesse... Eu iria cuidar de Lisanna no lugar de Mira! 

Começou o plano: Aproximar Natsu de Lisanna para que ela superasse a tragédia. Eu estava focada no final, um final que ela não se suicidasse. 

... Pelo menos, foi isso que decidi... Percebi como Lisanna melhorava com Natsu ao seu lado... E como Natsu ficava cada dia mais feliz e apaixonado por ela... Fiquei aliviada ao ver a albina menor ficava mais iluminada... 

Mesmo... Mesmo decidindo isso... Eu não consegui... Fiquei aliviada por Lisanna... Mas não pude ser feliz por Natsu... Mesmo decidindo... Mesmo... 

Por que não posso ficar feliz por ele? Já decidi não tê-lo para mim... Ele é meu melhor amigo e eu deveria estar feliz. 

Depois disso, Mest veio me ver mais uma vez, isso foi antes de Natsu e Lisanna oficializarem um namoro. E ele me contou o que descobriu, com muita certeza sobre o caso de Mira. 

E quando percebi, eu já estava aonde estou. As coisas se desenrolaram frenéticas. Nunca mais tive a chance de dizer “Eu te amo” para quem amava. E mais e mais ficava tarde demais para eu poder dizer de como tudo aconteceu naquele covil de ladrões. 

Eu sei, estou sofrendo pelas consequências das minhas próprias escolhas, por escolher o silêncio. Por isso, me pareceu tão errado deixar que os outros se preocupassem comigo. Então eu disse “Sorria, Lucy”. 

Rogue POV 

Eu estava tão chocado com o que assisti, que mesmo quando a tela se fechou continuei paralisado no lugar. Lucy teve um segredo tão triste assim. 

Me levantei, preciso encontrar ela. Já se acabou a memória e preciso buscá-la. Assim que ergui o olhar, o campo escuro no qual estou tinha apenas uma luz, um holofote que brilhava em cima de um dragão dourado. 

Eu arregalei os olhos e caminhei para o Grande Dragão, ele estava deitado e aninhado. Ergueu a grande cabeça de olhos amarelos. 

Meus passos não tinham som nenhum. Será que é porque isto não é um lugar real? 

— Então, você é aquele que se torturou para buscar essa garota dos pesadelos? -sua voz grossa sibilou. 

— Que magia cruel você colocou na lácrima, Grande Dragão -respondi dentre os dentes- Fazer com que quem o pegue reviva uma de suas lembranças dolorosas... Por que colocar uma maldição dessas? 

Ele me olhou de cabeça erguida, majestoso. 

— ... Sim... Por que será? -sua voz melodiou melancólico- Talvez eu não quisesse ficar sozinho... Tenho os meus próprios pesadelos e ao ver que existem outros como eu, essa dor suma um pouco. 

— Isso é algo horrível de se fazer -grunhi, o Dragão era muito mais gigantesco do que eu, mas não me intimidava- Aonde está Lucy? 

— A pequena maga? -ele perguntou- Está bem -o Grande Dragão ergueu a cauda e Lucy estava ali, aninhada, dormindo- Agora a lácrima não tem mais a maldição. Sei que vieram para reviver a nascente do rio. Basta levarem a lácrima para o topo da montanha, usem a escada da fortaleza. Eu os libertarei agora, vai demorar um pouco pois usarei o restante de minhas forças... 

O Grande Dragão sumiu. Corri para a loira e me abaixei. 

— Lucy! Lucy! -chamei. Ela abriu os olhos e lentamente me encarou. 

— Rogue... -então se levantou e escondeu o rosto no meu peitoril, começando a soluçar. Eu a abracei. 

— ... Desculpa... Eu acabei assistindo o seu passado -me desculpei. Ela negou com a cabeça. 

— Acho... Acho que era a hora de mais alguém saber... 

— Está tudo bem em seu eu? 

— ... Está... -a voz dela falhou. 

— Então... Pode me explicar o que aconteceu com Mirageene Strauss? 

Ela assentiu, respirou fundo e me contou a parte em que não apareceu na memória. 

— Sabe qual a magia dela, né? 

— A magia Take Over... -assenti- Se não me engano, Mirageene Strauss tinha almas de demônios presos no corpo dela... 

— Sim... Mas Mira tinha total controle deles e os usava com sua magia. Eles também tinham um pacto de paz com ela, por isso não eram um problema. 

— Então... O que aconteceu... -murmurei, Lucy continuou a contar com a cabeça ainda encostada em mim: 

— Mais tarde, Mest apareceu e me contou que aquele ritual que os seguidores de Zeref fizeram, eram para convocar demônios usando sacrifícios de humanos mágicos... Não era como se eles soubessem que Mira tinha demônios dentro dela. Era mais como se várias coincidências cruéis estivessem se chocando. O ritual fez com que as almas dentro de Mira recuperassem a sede de sangue e desfizessem o pacto de paz. 

Lucy respirou fundo, eu estava absorvendo cada palavra com um grandioso choque. Ela foi murmurando: 

— Assim que saímos do covil de ladrões, Mest voltou para Mira e... Retirou as memórias das almas dos demônios, com a esperança de que os demônios agitados se esquecessem de quem são, se esquecessem de tudo e assim se acalmassem, devolvendo o controle para Mira. Mas ele disse que nesse segundo, sentiu algo estranho. 

— Algo... Estranho? 

— Eu também pesquisei em livros o que provavelmente aconteceu naquele dia. Os demônios tomaram o corpo de Mira, não só isso. O próprio corpo dela se tornou um demônio, não era a magia de Take Over aonde Mira usa a alma de um demônio para ter poder. Foi por isso a lácrima anti-magia não funcionou. Os demônios não usam magia, usam rituais. 

Eu fiquei surpreso, ela continuou. 

— Mest me disse que sentiu algo estranho. Era como se... A alma de Mira estivesse sumindo e assim que ele retirou a memória dos demônios, as almas se juntaram. 

— Eu... Estou confuso... -declarei, isso pode acontecer? 

Lucy se afastou para me encarar. Os olhos achocolatados estavam marejados. 

— Naquele momento em que as almas de dentro de Mira se revoltaram, foram devorando a alma de Mira -ela explicou, lágrimas caíram de seus olhos- Mirageene Strauss estava sendo devorada pelas próprias almas que tragou. 

Uma pausa em silêncio. 

— Assim que os demônios se esqueceram de quem eram, se fundiram com a alma de Mira, eles estavam confusos... Então... Então mesmo que retirássemos as almas dos demônios, sobraria quase nada da alma dela. Mira se tornaria uma casca vazia. 

— Então... Talvez Zeref... -fui falando. O criador dos demônios... É ele, certo? 

— Eu pensei a mesma coisa -ela declarou- Mas Zeref não tem o controle dela, porque... 

Eu a fitei, Lucy abriu um sorriso dolorido e lágrimas caíram mais e mais. 

— Porque Rogue, Mira se tornou uma híbrida de demônio... Não existe uma cura para isso, Mira nunca mais será a mesma... -ela soluçou- Ela agora tem um coração e as lembranças da sua alma gentil, entrando em confronto com o instinto de assassino e desejo por sangue da alma dos demônios. Eu me pergunto.... O quanto será que Mira está sofrendo? 


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Notas finais do capítulo

Beijinhos T.. T



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