Caminhantes escrita por Serin Chevraski


Capítulo 103
O mundo criado por ela




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Lucy POV

Vaguei pela escuridão por um tempo. Um estranho caminho apareceu depois que pulei no buraco negro que Zeref me apresentou.

Não fazendo nem frio, nem calor. Existindo apenas o vazio. Por um segundo estremeci, pela estrada que não tinha nem fim e nem começo, ficando assustada cada vez mais. 

Fechei o punho. 

Olhei para a minha frente, não há lados, céu ou terra. Continuando a andar.

Não senti cansaço ou sono. Dando a sensação de apenas existência. Sem estar vivendo. Uma experiência que ao longo do tempo que fiquei vagueando, comecei a pensar.

É assim que se sente quando você não está ligado à vida?

Um mundo sem nada, sem objetivos, sem desejos. 

Um lugar que há apenas eu.

Perdido em uma escuridão sem sentido. 

Tão deprimente, a ponto de começar a esmagar todas as determinações. Um vazio que nada parecia ser importante, matando o valor das coisas que tanto priorizamos na nossa vida.

Seja amor, ódio. Seja família, amigos ou o inimigo. Aqui não existe essas coisas. Por um momento minha mente ficou em branco, me fazendo esquecer das coisas. 

Fechei meus olhos.

Uma mana cálida circulou no meu coração.

Me lembrando que não estou sozinha. 

Quando as minhas coisas importantes estavam querendo se esgueirar entre meus dedos como areia fina, um calor agarrou o meu coração. O único sentimento que continuou comigo, persistindo, me importunando. Comecei a ter uma ilusão que um homem de olhos vermelhos segurava minha mão, assim como sua mana segurava meu coração.

— Você consegue, Lucy -era uma voz grave e baixa, bonita e masculina. Eu sei, você não está aqui de verdade. Mas isso não me impediu de sorrir.

Nesse lugar sem nada. Ainda há algo me protegendo e embalando a minha vontade, me lembrando gentilmente o que é ter emoções. E isso é...

Toquei com a ponta dos dedos na minha pele acima do coração.

Continuei a seguir em frente. 

Os passos que começaram com dez, se tornaram cem. O que começou com um metro, se tornou um quilômetro. Aos poucos, perdi a conta. Andando por muito, muito tempo. 

Mas a pergunta é: Aqui existe o tempo?

Não soube responder.

Mas se for por ele. 

Por ele que me pediu para reencontrá-lo. 

Eu andarei mais mil passos, se mil não são suficientes, andarei dez mil passos. Porque uma maga celestial, cumpre as suas promessas.

Porque eu simplesmente quero fazer isso.

Então, um som começou a aparecer. Um choro baixo e cheio de lamentos. Eu que fui atraída, me senti familiar com essa voz. Quando mais alto se tornou, mais o meu coração tremeu, inundado por uma grande tristeza.

Uma pessoa surgiu no meio da escuridão. Enrolada em uma bola, sentada ao chão. Uma mulher de calças longas e blusa de mangas compridas. 

Parei na sua frente, enquanto ela continuou a chorar. Olhei para baixo e me agaixei, tentei ficar na altura de seus olhos. A ela que é adulta e chora como uma criança.

— O que houve com você? -perguntei gentilmente.

Os olhos achocolatados dela se ergueram. Coberto por uma máscara prateada, escondendo apenas a parte superior do rosto, criando uma linha separatória entre a carne e o metal na altura do nariz. Um evidente cansaço pintou seu semblante que nem mesmo a máscara poderia esconder. Ela riu amarga e balançou a cabeça. Seu cabelo loiro foi cortado tão curto, que parecia um menino. Mas o corpo com curvas não mentia o seu gênero.

Ela chorou em um murmúrio reprimido, mas sua dor tão gigantesca não poderia ser suprimida, então vazou pela garganta como ondas. Anda assim, ela o transformou em um zumbido baixo. Fiquei olhando por algum tempo. Enquanto a observava...

Eu soube, ela é uma Lucy que foi afogada em dor. Uma Lucy diferente de mim.

— Eu finalmente fiquei louca? -sorriu, cheia de mágoa.

— Por que você ficaria louca? 

— ... Então quem é você? 

— Eu sou... -olhei para ela. Então respondi honestamente- Eu sou uma outra você.

— Ha... Haha... Finalmente... Esse mundo de caos me deixou louca?

Caos.

Então essa é a palavra que descreve o mundo que ela viveu?

— Não ficou louca. Mas... O seu mundo é um caos, Lucy?

Seus olhos desviaram, ela riu e algumas lágrimas caíram.

— Sim. As pessoas matam para viver. Mas tem as que assassinam por pura diversão. A loucura poderia me devorar se não lutasse contra os pesadelos. Todos idolatram Deus como se fosse um ser celestial que os salvaria. Mas eu não acredito em Deus, essa entidade... -ela apertou os punhos, uma centelha de dor brilhou nos seus olhos- Nunca fiz nada para Deus, e ainda assim... Por que eu? Por que... Como se eu fosse...

A mulher loura se escondeu entre os braços, tentando encolher entre os joelhos, sussurrou:

— Como se me odiasse... Me amaldiçoou. E fiz coisas erradas, muito erradas...

O seu tom arrependido me apertou o coração. 

Era como se Deus a abandonasse a lhe desse uma vida difícil. Com tanta dor e desesperança, que foi algo que eu não consegui compreender. 

Tentei falar com a minha melhor voz, animada, perguntei para ela:

— O mundo não deve ser tão horrível assim. Você não tem amigos? Alguém que você ame?

— Uma pessoa horrível como eu pode ter amigos? Não posso amar. Não devo amar alguém. Eu não tenho esse direito.

Então seu olhos se levantaram, ferozes.

— Você veio aqui para me julgar? -as orbes achocolatadas me estudaram dos pés à cabeça- Uma eu que está tão limpa e intacta. Veio rir de mim? Então olhe direito e me diga, eu devo ter amigos? Um amor?

Seu tom agressivo parecia intimidador, mas na verdade, estava completamente magoada por dentro. Eu sorri para essa pessoa.

— A questão não é se podemos ter amigos. E sim, tenho ou não amigos. Essas coisas simplesmente acontecem. No segundo em que você dá o primeiro passo para se aproximar e falar com a pessoa, nasce o interesse. No momento em que ela te responde e vocês passam a conversar um com o outro, é quando vocês já são conhecidos. Espere um pouco mais. E quando descobrir, você quer naturalmente ir até essa pessoa novamente para passar outro segundo e rir juntos.

Ela me encarou, com um olhar igual à um peixe morto, sem esperanças. Continuei a dizer, como se contasse sobre um mundo desconhecido para ela. E ela me escutou, igual uma criança inocente.

— Quando coisas ruins te acontecem, essa pessoa resolve te ajudar. E você também passa a querer coisas boas à ela. Se levanta para acudir suas dificuldades. Não precisa fazer nada muito difícil, não precisa ser o herói que salta para proteger essa pessoa do perigo. Mas sabe, às vezes, abraçar quando ela chora é o suficiente. Trazer um delicioso chocolate quente para esquentar o seu coração magoado às vezes é tudo o que ela precisa. E quando ela tem problemas de enfrentar algo sozinha, você segurar a sua mão e mostrar que é seu aliado... É nesse momento que vocês já são amigos.

Seus olhos tremeram levemente. Eu sorri. A Lucy que não sabe o que são essas coisas, me fez sentir uma grande tristeza.

— Não é preciso um contrato. As vezes uma amizade pode apenas chegar e pedir: Posso ser seu amigo? Assim de bruto. Mas tem outros que simplesmente acontecem, vocês se juntaram um dia para conversar e esse foi o início. Pode ter sido ela quem decidiu dar o primeiro passo, mas quem te impediu de ser essa pessoa a ter essa iniciativa?

— Você... Faz parecer tão fácil...

— Claro que não. Você precisa de coragem, querendo ou não, isso também significa expor o seu coração. Mas... Mesmo sabendo que posso me magoar algum dia, ainda assim... Eu escolhi conhecer as pessoas. Fui eu quem deixou que elas fossem as pessoas que teriam o poder de me machucar. E estou bem com isso -abri um grande sorriso.

— ... Como... Você pode ser tão forte? -ela perguntou, confusa. 

Acho que a outra Lucy acredita mesmo que o mundo não tem salvação. Mas não me abalei.

— Sabe? Eu acho que não sou forte. Mas sei que não estou sozinha. Afinal, o céu é tão grande, e acredito que cada amigo meu é uma pequena estrela escondida. Um ponto de luz que esperam ser encontrados, então quando juntas, se tornam em uma constelação.

— ... Então... Eu sou alguém que deve ter perdido o brilho há muito tempo -seus olhos se fecharam meio cansados, com a cabeça apoiada nos braços- O que você veio fazer aqui? Me assombrar? Me ensinar coisas que não posso ganhar? 

Balancei a cabeça, negativamente.

— Não. Eu vim te pedir para me deixar tomar o seu lugar.

Ficou surpresa, com a boca meio entre aberta. Mas o mais incrível é que... Ela não ficou nem incomodada, nem ameaçada.

— Eu... Não preciso mais viver...? -foi a sua resposta.

Alguém te disse que se tornaria você. E simplesmente a reação dela foi muito calma. Em um tom até mesmo aliviado.

Tão perdida e cheia de culpa. 

Lucy... O que aconteceu com você?

Lembrei do ódio fumegante nos olhos de Lisanna, então observei o corpo da Lucy na minha frente. Uma pessoa que usa roupas, escondendo seus braços e pernas, até mesmo o rosto por trás de uma máscara. Alguém que prega que não pode amar.

— Se... Me deixar ser você, eu prometo. Vou mudar as coisas. Vou mudar a realidade em que você vive.

— ... Da onde você pode tirar tanta confiança?

Me lembrei das pessoas que me apoiaram. Da Levy-chan que esteve comigo nos momentos difíceis. De Gajeel que ria descontraído, mas também cuidou de mim, da sua própria forma duvidosa. De Happy que chorou quando me afastei. Das pessoas da Fairy Tail que se preocuparam por mim. E das pessoas mais recentes, que conheci da Sabertooth. De Sting que era um cara muito chato, mas sempre quis o bem dos seus amigos. Minerva que era intimidante e ao mesmo tempo brigava pelo nosso próprio bem. Frosch e Lector que alegraram os momentos. E Rogue...

Respirei fundo, sentindo saudades. 

— É porque eu sou uma Lucy que tem amigos e confio neles. E sou uma Lucy que ama alguém. Então só de lembrar deles, para proteger essas pessoas, sinto que posso ter a coragem para fazer de tudo.

Me levantei e estiquei a mão para ela. Suas pupilas trêmulas me encararam, meio hesitantes. Então eu sorri em determinação. Ela esboçou um sorriso, um sorriso de alívio. Lágrimas caíram de seus olhos e pegou a minha palma.

Seus lábios tremeram levemente.

— Você... Talvez seja a pessoa da profecia?

— Profecia?

Franzi minhas sobrancelhas, mas ela apenas me encarou, com os olhos cada vez mais brilhantes, recuperando uma esperança que estava morta há muito tempo.

— ... Pode pegar o meu corpo, a minha vida... Apenas... Por favor... Me salve -ela falou como se quisesse dizer isso há muito tempo.

— Sim. Confie em mim -respondi alegremente.

— Posso te perguntar uma coisa?

— Claro. 

— O que você vai fazer?

A minha mão conectada à dela, começou a brilhar. Mostrando que estava na hora de ir. Que a outra Lucy estava dando o seu lugar.

— Eu pretendo caminhar pelo tempo pela última vez. Para assim, finalmente sair da utopia que uma pessoa buscou cegamente -sorri enigmática- Mostrar para todos, que a escuridão não é algo horrível, e sim parte de um grande e lindo céu estrelado.

Os olhos dela tremeram levemente.


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