Três Desejos escrita por Kayra Callidora


Capítulo 2
Capítulo Dois


Notas iniciais do capítulo

I'M BAAAAAAACK.

Levou um pouquinho mais de tempo do que eu planejava, mas só porque eu tive uns pequenos contratempos. Sorry.



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Capítulo Dois

Eram pontualmente nove horas da manhã quando Atena chegou à frente do palácio principal, mas aparentemente, Zeus e Poseidon tinham um conceito completamente diferente da palavra "pontualidade", porque o primeiro só foi aparecer 15 minutos depois, e Poseidon, com trinta minutos de atraso. A essa altura, Zeus já estava com o raio-mestre na mão, murmurando para si mesmo todos os tipos de punição que aplicaria quando visse o irmão, e Atena, sentada na grama, chegava ao meio de um livro que lia.

Naquele dia em especial, início do inverno no hemisfério norte, Poseidon havia abandonado as camisas de estampa havaiana e as bermudas de croqui que geralmente usava, e no lugar, vestia uma calça jeans escura e uma camisa social - se é que se podia chamar assim uma peça amassada da gola à barra com metade dos botões abertos -, e seu cabelo estava tão bagunçado que Atena sentiu os dedos formigarem para ir até lá arrumá-lo. A despeito disso, parecia o mesmo deus irritante e, de fato, furioso, que ela havia visto pela última vez há cinco anos, lutando contra Gaia, seus olhos verdes cheios muito velhos e um sorriso esperto no rosto.

— Finalmente - ela resmungou, vendo Poseidon se aproximar. - Será que Atlântida não tem mais relógios?

— É um prazer rever você também, Atena - a voz de Poseidon era grossa, e ele deslizou os olhos até os ombros de Atena antes de voltar a focar em suas orbes cinzentas e sorrir sem humor. - Gostei do seu cabelo.

Atena abriu a boca para dar uma resposta mal educada, mas Zeus, que pareceu prever a batalha que se sucederia, foi mais rápido; ele começou a declamar uma bronca longa e deprimente, que expressava a importância da pontualidade para uma missão como aquela (o que não fazia muito sentido, já que ele havia se atrasado também), mas os deuses estavam longe de se importar. Atena olhava para qualquer lugar por cima dos ombros do pai e Poseidon tinha um sorriso triunfal no rosto, como se o tempo todo seu intuito fosse levar uma bronca de Zeus.

Terminado o drama e as despedidas nada cerimoniais, Zeus dispensou os dois deuses, enviando-os através do ar para seu destino. E era mais do que surpreendente. Era lindo.

Ao abrir os olhos, a primeira visão de Atena foram as árvores, se erguendo frondosas e verdes na beira da areia branquinha da orla da praia. Uma brisa gelada acariciava seu rosto, e acompanhada do canto de centenas de pássaros juntos, era a fórmula para um verdadeiro paraíso.

Segundo o envelope entregue por Zeus, a ilha onde estavam era parte de um arquipélago francês ao sul de Madagascar: um grupo de ilhas perdido no meio do Pacífico onde eles não poderiam ser encontrados por ninguém. A casa construída ali era de Afrodite; para quê a deusa do amor a teria usado, Atena preferiu não perguntar. Numa ilha vizinha, oculto por magia, ficava o esconderijo dos titãs. Atena achava um tanto arriscado manter tanta proximidade de seres tão perigosos, mas o próprio Hades havia visitado a ilha antes e garantido que não podia sentir a presença dos titãs, então os mesmos não poderiam sentir a presença dos deuses - contanto que nenhum deles fizesse uso de magia poderosa.

A casa onde ficariam também era adorável, ao menos do lado de fora. Uma construção média de madeira, toda trabalhada em janelas de vidro e com tanta luz natural que não se encaixaria em qualquer outro lugar que não fosse a praia. Havia uma pequena plataforma redonda de madeira do lado de fora, onde Atena supôs que fosse um lugar para relaxar enquanto não estivesse caçando titãs ou algo assim. Uma pequena placa pendurada em uma das vigas da plataforma dizia "Maison D'amour". Atena, que tivera muito tempo de vida para aprender francês, sabia que o nome significava "lar do amor", e o modo como aquele nome era todo Afrodite a deixou enjoada.

— Ao menos a casa é grande - a voz do deus dos mares ecoou às suas costas. - Assim você pode ficar bem longe de mim o tempo todo.

Atena, que por um instante havia até  se esquecido da única razão pela qual aquela missão seria insuportável - Poseidon, o próprio -, bufou e saiu puxando sua mala de rodinhas, adentrando a casa sem esperar pelo deus. O lado de dentro era esplendoroso, embora Atena não soubesse como poderia dormir com tanta luz entrando em todos os cômodos. Era quase como se o próprio sol estivesse ali dentro - e quem sabe Afrodite não tivesse pedido esse favor à Apolo só para tornar aquela missão pior?

A sala de estar tinha um sofá em L e uma enorme TV acoplada a um home theater - um espaço que provavelmente só Poseidon aproveitaria, já que Atena não era inclinada àquele tipo de diversão. Todos os detalhes da decoração ao redor, desde os itens grandes até os mínimos, harmonizavam entre si, e mesmo Atena precisava reconhecer o bom trabalho de Afrodite ali. Uma porta mais à frente levava ao que a deusa supôs que fosse a cozinha, e uma escada na lateral serpenteava para o andar de cima.

— Já pode me agradecer por não ter contado ao meu pai que você se atrasou porque, na verdade, estava com uma mulher - Atena disse quando ouviu que Poseidon se aproximava.

Ele parou no lugar onde estava, um sorriso enviesado repuxando seus lábios.

— Seu pai dificilmente pode me julgar em uma situação como essa. Mas como você chegou a essa brilhante conclusão?

— Bom, tirando o fato de que você acabou de terminar com as minhas suspeitas, é bem óbvio - Atena respondeu em tom de quem já sabia de tudo. - Tem batom na sua gola, o que indica que você não passou no seu palácio antes de ir para o Olimpo, ou alguém teria notado e te contado. Também, os botões da sua camisa estão nitidamente tortos, sinal de que você se arrumou com pressa. E, a menos que haja alguma coisa que eu não saiba, você não costuma usar perfume feminino. Perfume francês, aliás. Ótima escolha dela.

Poseidon rolou os olhos.

— Essa missão vai ser tão divertida - sua voz estava carregada de ironia. - E por sinal, espero que não esteja realmente esperando por um agradecimento, porque não vai acontecer.

— Eu não perderia meu tempo esperando algo bom de você, Poseidon.

O deus fechou a cara, mas Atena o ignorou completamente, se colocando a subir a escada com a mala na mão. O segundo andar era, em suma, um corredor largo com quatro portas e vasos demais ao lado de cada uma, dos quais Atena faria questão de se livrar assim que possível. A primeira porta, para grande alegria de Atena, era uma ampla biblioteca, com estantes embutidas que iam do chão ao teto e pequenos sofás que rodeavam mesinhas baixas de centro. Novamente, para quê Afrodite teria uma biblioteca em casa sendo que parecia ter alergia a livros e qualquer objeto que remetesse à cultura, ninguém sabia. A segunda porta era de um escritório amplo e arejado, cômodo pelo qual Atena se sentiu agradecida, pois seria um bom escape sempre que Poseidon começasse a irritá-la - o que acontecia praticamente o tempo todo. A terceira era uma sala cheia de armas de todos os tipos, de adagas à lanças, e pela primeira vez, ocorreu à Atena que talvez a casa tivesse sido preparada para a chegada deles antes mesmo que eles concordassem em vir. Ela não compartilhou esse pensamento com Poseidon - a falta de controle dele quanto à própria fúria não ajudaria em nada no momento se ele soubesse dessa informação, e uma explosão ou um tsunami era a última coisa de que precisavam no momento. A última porta, por fim, guardava um quarto que parecia muito agradável: tinha uma cama de casal enorme, uma sacada de onde se via o mar - Atena desconfiava que o mar fosse visível de qualquer ângulo da casa -, um armário de madeira escuro e uma segunda porta que só podia ser um banheiro. Atena só esperava que aqueles lençóis houvessem sido trocados depois da última visita de Afrodite.

— Onde está o outro? - Atena perguntou.

— O outro o quê? - a voz de Poseidon veio de algum lugar às suas costas.

Atena se virou. Ele já parecia perfeitamente acostumado com a nova casa, andando descalço e confortável como se morasse naquele lugar desde sempre. Estava sem a camisa de botões, também, o que com certeza seria motivo para que Atena fizesse um longo discurso sobre comportamento impróprio se a outra questão não ocupasse sua mente.

— O outro quarto, é claro - Atena respondeu, tentando se manter focada.

Poseidon espiou rapidamente dentro da porta, voltando em seguida a correr o olhar pelo corredor.

— Não tem um terceiro andar?

— A menos que tenha uma escada escondida dentro de algum alçapão aqui - Atena respondeu, - não, isso é tudo.

— Bem, Afrodite não costuma receber hóspedes que não compartilhem a cama com ela - Poseidon comentou, como se aquilo acrescentasse alguma coisa. - Não faria sentido construir um outro quarto, se é que você me entende.

— Não, não faria... - Atena disse mais para si mesma do que qualquer outra coisa.

Ela relanceou um olhar para o quarto e em seguida mirou Poseidon. Os dois trocaram um olhar tão fixo e direto que havia milênios que não se comunicavam tão bem sem palavra alguma. A briga visual, no entanto, durou menos de um minuto antes que fosse verbalizada.

— Nem pensar! - Atena exclamou. - Eu vou ficar com o quarto.

— Eu não vou dormir no sofá - Poseidon retrucou. - Nós dois temos direitos iguais aqui.

— E eu também não vou dormir com você - Atena esclareceu antes que Poseidon tivesse sequer a chance de cogitar essa possibilidade.

A deusa entendeu as intenções de Afrodite ao oferecer para eles uma casa com um único quarto e uma cama de casal no mesmo. Ela conhecia bem demais o sonho antigo e impossível da deusa do amor de uni-la com Poseidon, e sabia que ela via aquela como uma oportunidade única de colocar seus planos maquiavélicos em ação.

— Eu nunca iria sugerir uma barbaridade dessas - Poseidon respondeu, contudo.

Atena silenciou. Vendo que ela estava nitidamente em um de seus momentos em que colocava o cérebro em ação, mesmo Poseidon não se atreveu a dizer nada.

— Não podemos a biblioteca em um quarto - Atena suspirou depois de um tempo. - Não podemos usar magia forte aqui.

— Bem, só há uma coisa a fazer, então - Poseidon declarou. - Vamos revezar o quarto.

Poseidon enfiou a mão no bolso da calça jeans que usava e tirou de lá um pequeno dracma de ouro.

— Escolho cara - Atena se adiantou, e recebeu de volta um sorriso irônico que dizia "nós dois sabemos que você só escolheu cara porque é a sua cara na moeda".

— Fechado - ele disse, no entanto. - Quem ganhar fica com o quarto essa noite.

E jogou a moeda para o alto. Ela subiu, rodopiou e desceu quase que em câmera lenta aos olhos dos deuses. E quando tocou a mão de Poseidon...

— Coroa - ele sorriu. - Eu ganhei.

— Argh - Atena gemeu. - Certo. Eu posso aguentar isso. Agora, posso saber por que é que você está seminu na minha presença?

— Seminu? - Poseidon perguntou, a diversão brilhando em seus olhos. - Parece que as definições do seu dicionário mental precisam ser atualizadas, amor.

— Se você está semi-coberto, então você está seminu - Atena respondeu, sem pestanejar. - E não me chame de amor!

— O quê? - Poseidon piscou, aparentemente sem ter percebido o que havia dito. - Ah. É só um modo de falar. E é um apelido carinhoso. Já ouviu falar nisso? Carinho? É quando uma pessoa...

— Eu sei o que é carinho, Poseidon! Só não quero de você, e não se atreva a me chamar de amor outra vez!

Poseidon ergueu as duas mãos no ar, um sorriso torto nos lábios.

— Tudo bem. Desculpe, amor.

Atena ponderou sobre gritar e falar algumas palavras complexas que ele não compreendia, mas sabia que seria inútil; se tinha uma pessoa imune aos seus argumentos, essa pessoa era Poseidon. Ainda assim, quando o mesmo se virou para descer novamente a escada por onde subiram, ela, pisoteando todo o seu orgulho, foi atrás.

— Precisamos começar a trabalhar logo - ela disse, quando chegaram à cozinha, mas Poseidon, que agora parecia muito interessado em uma parede cheia de vinhos, sequer pareceu escutar. - Quanto mais rápido terminarmos isso, melhor.

— Aham - o deus dos mares apenas concordou e seguiu andando para uma porta mais à frente, como se Atena não tivesse dito nada de importante.

— Poseidon, você sequer está me ouvindo?

— Precisamos começar a trabalhar logo, quanto mais rápido melhor - Poseidon repetiu, forçando a maçaneta da porta sem sucesso. - Eu não sou surdo. E acredite ou não, nós concordamos em algo.

Ele soltou um bufo de impaciência e, com um único movimento da mão, usou magia para destrancar a porta. Do outro lado estava, talvez, a parte mais surpreendente da casa: havia uma área gourmet coberta pelo telhado da casa no canto, e no centro, já expostas ao sol, algumas cadeiras de praia e guarda-sóis cercavam uma piscina imensa, que inclusive já estava cheia de água.

— Olhe só - Atena soltou, com sarcasmo. - Parece que encontramos um pedacinho do seu habitat natural aqui.

— Muito irônico da sua parte dizer isso, já que estamos cercados pelo mar - Poseidon respondeu, intocado. - Acho que a única pessoa que teve sorte de encontrar um habitat natural aqui foi você, amor.

Atena chegou a sentir seus olhos tremerem ao fim dessa sentença. Mal havia se passado metade de uma hora, e ela já se sentia perfeitamente capaz de atirar Poseidon no Tártaro e entregar uma ótima justificativa para seus atos no Conselho Olimpiano depois.

— Eu estava falando sério - ela se aproximou dele, os olhos queimando como se preenchidos de milhares de raios. - Não me chame de amor!

— E o que, exatamente, você vai fazer se eu chamar? - Poseidon abaixou o rosto para deixá-lo ainda mais próximo do seu, e seu tom era carregado de desafio.

— Chame de novo se quiser saber - a voz de Atena era quase um murmúrio.

Poseidon ergueu uma sobrancelha negra.

— Me mostre, amor.

Uma sequência de coisas aconteceu rápido demais para serem acompanhadas. Assim que terminou de falar, Poseidon se jogou para o lado bem a tempo de não ser atingido por um raio, que caiu exatamente no lugar onde ele estava um segundo atrás. Logo depois disso, Atena foi derrubada no chão pelo impacto de uma onda gigante que veio da piscina.

A cena era quase cômica.

Poseidon perto da porta, olhando estarrecido e furioso para a deusa da sabedoria, enquanto a mesma o encarava do chão, ensopada e quase em estado de combustão espontânea, tamanha era a raiva que queimava dentro dela.

— Você ia me acertar com um raio?! - Poseidon perguntou, incrédulo.

— Você ia me afogar! - Atena rebateu no mesmo tom.

— Não seja ridícula, Atena. Se eu quisesse te afogar, teria feito isso - Poseidon se aproximou, os olhos tão verdes agora quase negros. - Você está sendo absurda. Querendo me matar por causa de um pronome besta!

— Você poderia ter evitado tudo isso se tivesse feito o que eu pedi - Atena retrucou enquanto se levantava, mas não conseguiu reunir dignidade o suficiente para elaborar uma resposta mais inteligente quando sua camisa branca estava praticamente toda transparente.

— Mandou - Poseidon corrigiu, fazendo com que toda a água atirada em Atena voltasse para a piscina. - E se tem uma coisa que você precisa aprender se vai passar alguns dias comigo, princesinha, é que você pode até mandar no Olimpo inteiro, mas você não manda em mim.

Atena sentiu vontade de revirar os olhos diante da infantilidade de Poseidon; ele parecia mais um adolescente rebelde do que o deus responsável pelo segundo maior domínio do planeta. No entanto, ela preferiu não fazer nada, porque dificilmente ajudaria no momento de fúria flamejante em que estavam e que precisava terminar.

— Certo, Poseidon - ela se rendeu, só porque não queria passar nem mais um segundo na presença dele. - Eu vou tomar um banho e tentar consertar o estrago que você fez. Veja se você consegue arranjar alguma coisa útil para fazer do seu tempo enquanto isso.

E sem dizer mais nada, virou as costas e saiu batendo os pés durante todo o caminho até o segundo andar.


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Notas finais do capítulo

God, essas coisas parecem maiores no Word. Eu juro que deram 9 páginas lá.
Mas okay, muito em breve volto com mais.

Beijos



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