Três Desejos escrita por Kayra Callidora


Capítulo 12
Capítulo Onze


Notas iniciais do capítulo

Eu sei, gente, eu sei. São dois anos em que eu não posto mais. Podem me apedrejar, me xingar, fazerem o que quiserem, EU ACEITO TUDINHO! EU MEREÇO!
Mas eu prometi não abandonar essa história, e eu não abandonei. Eu reescrevi ela pra que finalmente a história tivesse o curso que eu planejei pra ela. Tirei partes com as quais eu estava insatisfeita e adicionei partes extremamente necessárias que ficaram de fora. A quem já tinha lido, peço que releiam a história com paciência e prestes atenção aos detalhes e cenas acrescentados. Todos eles são importantes. Se você está lendo pela primeira vez, seja bem vindo! Espero de coração que esteja gostando.
Enfim, a história está quase concluída (está escrita até o capítulo 22, e vou postar todos), e prometo postar os últimos capítulos o mais rápido possível.

Obrigada pela paciência, eu amo vocês. Mil beijos.



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Capítulo Onze

Atena ainda não estava muito bem situada quando acordou no dia seguinte. Estranhou a coloração azul da parede ao abrir os olhos, e também a dimensão do quarto onde estava, que era muito maior do que se lembrava ser o da ilha Dauphine. Levou algum tempo até sua mente repassar tudo o que acontecera na noite anterior, e quando todas as suas memórias estavam de volta, a primeira coisa que fez foi corar ao lembrar de que beijara Poseidon e agora estava praticamente presa no palácio submarino dele.

Com certa dificuldade e sentindo uma dor lancinante nas costas, se levantou e foi até o banheiro para se olhar no espelho. Ela parou por alguns segundos para absorver o tamanho do banheiro - era quase o quarto da casa da ilha Dauphine, e depois de tanto tempo, Atena estava até desacostumada a cômodos gigantes - e só então se aproximou da bancada para se olhar. Estava com uma aparência horrível. Seu rosto tinha arranhões da luta na noite passada, olheiras escuras cobriam a parte de baixo de seus olhos e seu cabelo estava desgrenhado, provavelmente pelo tempo que passara chorando antes que os titãs chegassem na ilha. Tentou fazer com que os cortes sumissem - se o ferimento fosse leve, às vezes os deuses conseguiam mudar a própria aparência -, e o resto foi mais fácil de resolver. O que levou mais tempo foi criar coragem para sair do quarto e encontrar Poseidon; ainda assim, estufou o peito, levantou o queixo, e desfez toda essa pose assim que colocou os pés no corredor e percebeu que não sabia em que direção seguir. Convenientemente, havia um soldado sereiano bem ao lado de sua porta, e ela pediu que ele indicasse onde ficava a cozinha. O homem, muito eficiente, não só a orientou como também a acompanhou até o lugar, para se certificar de que ela não se perdesse. Quando chegaram, o soldado fez uma reverência e pediu licença, se retirando.

Atena não precisou procurar muito. Poseidon estava no cômodo seguinte, uma sala de jantar com uma mesa imensa, ocupada somente por ele e mais duas pessoas que Atena não conhecia - um homem e uma menina.

— Bom dia, amo... Atena - ele disse assim que Atena adentrou seu campo de visão.

Você diz isso porque suas costas não estão queimando, Atena pensou, tentando ignorar a dor e também o fato que Poseidon quase a havia chamado de "amor" na frente de dois estranhos e um dia depois de tê-la beijado.

— Bom dia - respondeu, contudo.

— Atena? - a menina perguntou parecendo incrédula. - Você quer dizer, Atena, A Atena?

Poseidon assentiu, olhando confuso para a garota.

A menina se levantou e correu até Atena, abraçando-a subitamente.

— Eu não acredito que é você mesma! - a menina exclamou. - Ouvi tanto sobre você! É um prazer conhecê-la, minha senhora.

Atena ficou parada por um momento, incrédula pela perspectiva de estar sendo abraçada por uma garota que ela nunca havia visto antes e que já parecia adorá-la.

— O prazer é meu - Atena respondeu, depois do choque, mordendo o lábio para não gritar porque a menina pressionara justamente o lugar onde tinha um corte em suas costas. - Você... ouviu falar de mim?

— Todos já ouvimos falar de você - a menina disse, como se fosse óbvio. - Devo dizer que foi exaustivo algumas vezes — o tom de ironia era direcionado à Poseidon. - Mas claro que ouvi. A propósito, meu nome é Helena.

— É um prazer te conhecer, Helena - Atena lançou um olhar desconfiado para Poseidon, que só fez dar de ombros.

Atena caminhou na direção do homem, que havia se levantado para cumprimentá-la. Era barbudo - muito mais do que Poseidon, que, Atena reparou, precisava urgentemente fazer a barba - e tinha músculos tão grandes que pareciam prestes a estourar. Usava um emblema de Atlântida na armadura que vestia, e Atena não precisou esperar sua apresentação para saber quem ele era.

O homem, muito mais contido, se limitou a fazer uma reverência e sorrir.

— General Dolfim ao seu dispor, minha senhora - ele disse em uma voz estranhamente fina. - Estou encantado em finalmente conhecê-la.

— O prazer é meu, general - Atena devolveu, mas não pôde deixar de notar em como os dois estranhos diziam estar felizes em finalmente conhecê-la. Como isso era possível, se ela jamais tinha ouvido falar deles?

Atena se sentou e foi servida imediatamente por um criado, que trouxe uma bandeja cheia de comidas de todos os tipos. Mesmo sabendo não ser necessário, ela agradeceu, e o homem se retirou.

Um cheiro estranhamente familiar invadiu seu nariz. Atena olhou para o lado discretamente, para o lugar onde Helena estava sentada, e inalou. Ela já havia sentido aquele cheiro em algum lugar.

— Gostei do seu perfume, Helena - ela comentou casualmente.

— Gostou? - a menina parecia prestes a derreter por ter sido elogiada por Atena. - Foi Poseidon quem escolheu. Vem de algum país lá de cima. Acho que Fan... Far...

— França - Poseidon corrigiu, sorrindo, os olhos fixos em Atena. - Perfume forte, não é, Atena? Fica impregnado aonde quer que encoste.

E finalmente Atena se lembrou de onde conhecia aquele perfume. Era o cheiro que estava na camisa de Poseidon no dia em que os dois se encontraram no Olimpo para ir até a ilha Dauphine. Sua boca se abriu em surpresa. Será que a amante com quem Poseidon havia passado a noite era aquela menina que não podia ter mais do que quinze anos? Será que por isso ela era tão íntima dele? Será que Atena havia sido pivô da traição de uma traição?

— De fato - Atena respondeu. - E então... Como vocês dois se conheceram?

Poseidon sorriu de sua cadeira na ponta da mesa. Ele parecia ter entendido onde Atena queria chegar com a pergunta - coisa pela qual ela era grata, porque assim a resposta seria direta.

— Se lembra daquele príncipe que Deméter amaldiçoou, aquele que queria destruir o bosque sagrado dela? - Poseidon perguntou.

— Lembro - disse Atena.

— Ele queria vender a própria filha para comprar comida - Poseidon prosseguiu. - Deméter me pediu um favor e eu salvei a menina, que no caso é Helena.

— Bem, meu nome real não é Helena - disse a garota. - Mas é tão feio que prefiro esse.

— É um nome bonito - disse Atena. - E você vive aqui desde então, Helena?

— Há mais de três mil anos - Helena confirmou.

Então a menina de não mais que quinze anos era imortal e também tinha mais que quinze anos. Será que ela era uma amante de Poseidon durante esse tempo? Será que por isso ele não era mais casado? Será que Helena era a nova rainha? A mente de Atena bombeava perguntas, mas nenhuma que ela se atrevesse a vocalizar. Assim, o resto da refeição correu em silêncio. O general, que aparentemente não era tão íntimo de Poseidon quanto Helena, embora também comesse na mesma mesa que ele, não abriu a boca uma vez sequer para comentar qualquer coisa até Poseidon se levantar.

— Vou estar no meu escritório resolvendo alguns assuntos pendentes - ele murmurou no ouvido de Atena ao passar por ela. - Peça para Helena te levar até lá se precisar de mim.

Atena tentou não se sentir eufórica quando ele bagunçou displicentemente seu cabelo antes de sair, mas falhou miseravelmente nisso. Ela desconfiava que a cor vermelha que seu rosto assumiu poderia ser vista até do Espaço.

— Então, minha senhora - o general disse, tão logo a porta bateu atrás de Poseidon. - O que trouxe a sua ilustre presença à Atlântida?

Atena abriu um sorriso contido, só para disfarçar a maquinação de sua mente, que se perguntava porque o general teria esperado o exato momento em que Poseidon saiu para começar a falar com ela.

— Eu e Poseidon estamos em uma missão pelo Olimpo - ela respondeu, sem elaborar o assunto. - Houve um acidente em nosso esconderijo antigo e tivemos que vir para cá.

— Eu sinto muito - o general respondeu, parecendo preocupado. - A senhora está bem?

— Um pouco ferida, mas bem, obrigada.

— E a senhora vai ficar por aqui por bastante tempo, eu espero?

— Provavelmente não - Atena tentou usar um tom de lamento, mas esse era o último sentimento que ela tinha no momento. - Voltarei ao Olimpo tão logo essa missão terminar.

— É realmente uma pena, minha senhora - o general lamentou. - Sua presença aqui é uma alegria para todos nós. Como Helena disse, ouvimos muito sobre a senhora. Espero poder conhecê-la melhor mais para frente.

— É muita gentileza sua, general - Atena sorriu em retorno, mas se sentia um tanto incomodada. Tanto que não conseguiu comer mais, e resolveu deixar sua comida como estava e se levantar.

— Se me derem licença - ela pediu, sem saber ao certo para onde iria a seguir. - Eu preciso...

— Eu vou com você - Helena se ofereceu prontamente, se levantando da cadeira num pulo para ficar ao lado de Atena. - Quero te mostrar tudo o que tem nesse castelo.

A deusa aproveitou a tarde livre para conhecer o palácio acompanhada de Helena, que além de ser uma ótima guia, se mostrou uma companhia agradável. Conversaram sobre o dia a dia, sobre a vida em Atlântida, sobre a vida no Olimpo, sobre as batalhas que Atena ajudara a vencer e até mesmo sobre Poseidon.

— Não pude deixar de reparar que você disse que ouviu muito de mim - Atena disse enquanto passavam pelos jardins atrás do palácio, repleto de plantas vibrantes e exóticas. - Mas não disse o que ouviu de mim.

— Bom, provavelmente nada que seja novidade para a senhora - Helena deu de ombros. - Afinal, Poseidon gosta muito da senhora, com certeza deve te cobrir de elogios quando estão juntos.

Atena não conteve uma gargalhada sarcástica. Ao menos Helena era uma distração para a dor em suas costas.

— Gosta de mim? - perguntou com a voz falha. - Poseidon me odeia. Odeia. Você não tem ideia do quanto. É um milagre que ele tenha se dignado a me trazer para cá.

— É mesmo? - Helena pareceu genuinamente surpresa. - Eu jamais imaginaria, senhora. Nem em um milhão de anos. Poseidon fala muito bem da senhora.

— Bem, isso é estranho - Atena concluiu. - E por favor, não me chame de senhora. Somos amigas, não somos?

— É claro - disse Helena, sorrindo realizada.

— E, hum... O que exatamente Poseidon fala de mim? - Atena perguntou, tentando parecer casual.

— Ah, todo tipo de coisas - Helena declarou, sem perceber a curiosidade extrema de Atena. - "Você não vai acreditar no que Atena fez", "Atena é incrível", "Atena é a deusa mais forte que eu conheço" e variantes. Anfitrite se irritava seriamente quando ele começava a falar de você. Eu desconfio... - Helena se aproximou de Atena para murmurar - que ela tenha ido embora por isso.

Atena não conseguiu conter a tempo o ruído de surpresa que emitiu.

— Anfitrite foi embora por minha causa? - indagou, sem esconder o horror.

— Claro que não! Eu jamais diria que foi sua culpa - Helena se apressou a dizer. - Eu disse que a sen... Você pode ter sido apenas um dos motivos. Você não fez nada demais, é claro, mas talvez ela tenha se incomodado com o quanto Poseidon te adorava, enquanto ele claramente não sentia mais nada por ela.

Atena se calou, digerindo lentamente todas as informações. Poseidon a adorava, nas palavras de Helena. Anfitrite possivelmente havia ido embora porque Poseidon a adorava. Era demais para ela, que nunca recebera nada além de uma indiferença irritante do deus dos mares, ouvir que o que achava que ele pensava sobre ela era um engano. Mas isso apenas lembrava de que Helena ainda era uma incógnita para ela.

— Então... - Atena pigarreou. - Você já vive aqui há mais de dois mil anos.

— Parece loucura, não é? - Helena sorriu. - O tempo voa. Poseidon consegue fazer a eternidade parecer divertida.

— Ele te deu a imortalidade? - Atena perguntou, curiosa.

— Sim, desde o dia em que eu cheguei aqui - Helena respondeu, arrancando de um arbusto uma florzinha amarela muito peculiar. - Anfitrite queria que eu me tornasse uma criada, mas Poseidon insistiu que eu vivesse como convidada dele aqui. Ele conversou com Zeus, e ele não viu problema em me dar a imortalidade já que eu não tenho poder nenhum. Poseidon me criou como uma filha desde então.

— Como uma filha? - Atena perguntou, surpresa.

Então Helena não era amante de Poseidon, afinal?

— Sim. Ele foi melhor para mim do que meu pai biológico jamais foi.

Atena não sabia muito bem o que fazer com aquela informação além de guardá-la como mais uma das surpresas boas de Poseidon. Ele realmente era cheio de qualidades que ela não conhecia.

Como começou a ficar escuro do lado de fora (acredite ou não, o fundo do mar era claro durante o dia), Helena disse que era melhor entrarem. O jantar foi servido assim que as duas se sentaram à mesa, e um criado anunciou que Poseidon não poderia acompanhá-las no jantar daquela noite por estar muito ocupado. Dessa vez, o general também não estava lá, e o jantar correu muito silenciosamente com apenas Atena e Helena à mesa.

Atena não esperou por muito mais depois que terminou de comer e pediu licença para sair, desejando uma boa noite para Helena e torcendo para que se lembrasse dos corredores pelos quais passara, e para sua alegria, se lembrou. Suspirou de alívio ao reconhecer a porta de seu quarto temporário, e entrou.

***

Pouco tempo depois, Atena rolava na cama, numa falha tentativa de dormir. Não que não estivesse com sono, mas a cama de casal enorme parecia estranhamente vazia e fria demais naquela noite.

Mas claro que ela não estava sentindo falta de Poseidon. Não podia estar.

Um ronco particularmente alto vindo de seu estômago foi a deixa perfeita para Atena se levantar e sair do quarto. Os corredores estavam apagados, à exceção de algumas luzes fracas a cada aproximadamente dois metros, e o caminho até a cozinha era ainda mais difícil de encontrar, mas de alguma forma, Atena chegou lá. Tinha uma memória extraordinária no que se tratava de encontrar comida.

Foi fácil achar um petisco leve: os armários estavam repletos de comida, principalmente das porcarias que Poseidon adorava comer o dia inteiro. E por falar nele... Atena olhou para o lanche que havia feito no balcão, lembrando-se de que o deus não havia jantado com ela e Helena e provavelmente também não havia saído do escritório a tarde inteira. Um ímpeto de compaixão se acendeu nela, e assim que terminou de comer, a deusa preparou dois lanches e pegou alguns salgadinhos dos quais sabia que Poseidon gostava e colocou em uma bandeja prateada para levar para ele. Não era do seu feitio fazer qualquer gentileza para ele, mas mesmo seu coração de pedra se amoleceu diante da perspectiva do deus trabalhando em imensas pilhas de papel sem sequer parar para comer - isso porque ela sabia muito bem como era, e adoraria que tivesse alguém no Olimpo que levasse um lanche para ela de madrugada como ela fazia agora.

A deusa subiu as escadarias equilibrando a bandeja nos dois braços, e só no meio do caminho foi que parou para pensar que, embora tivesse ouvido o barulho da uma cadeira arrastando ao passar por certo corredor, não fazia ideia de onde fosse o escritório de Poseidon. Nem mesmo sabia se a cadeira era dele - poderia ser qualquer outra pessoa em qualquer outra sala. Assim, por sua ingenuidade, teve que bater em todas as portas daquele corredor, sem receber resposta em nenhuma delas, exceto na última, onde a voz tão familiar veio abafada através da madeira:

— Entre.

Atena empurrou a porta com dificuldade, tentando equilibrar a bandeja em um braço só, e a fechou atrás de si com o pé. Poseidon estava de pé no meio do escritório, um aglomerado grosso de papel em suas mãos, e quando ergueu a cabeça para ver quem entrava, havia cansaço em seus olhos - que logo foi substituído por surpresa ao perceber que era Atena, com uma bandeja de comida em mãos.

Ele deitou um olhar deliberadamente longo sobre a deusa quando a viu, e só então ela se deu conta de que vestia uma camisola vulgarmente curta para aparecer na presença de qualquer um, além do decote que nada tinha a ver com as roupas que ela usava durante o dia - mas porque, claramente, aquela era uma roupa de dormir, e não estava nos seus planos aparecer no escritório de Poseidon àquela hora de pijama. O deus, no entanto, conseguiu se recompor antes que o momento ficasse estranho e pigarreou antes de falar.

— Atena? - ele perguntou, como se não fosse óbvio. - Pensei que já estivesse dormindo.

— Não consigo dormir - Atena deu de ombros. - Desci para comer alguma coisa e lembrei que você não desceu para jantar, então pensei que pudesse estar com fome.

Poseidon abriu um sorriso cansado.

— Obrigado. Na verdade, estou mesmo morrendo de fome - ele confessou. - Pode colocar a bandeja aqui - ele apontou sua escrivaninha.

Atena se aproximou para depositar a bandeja sobre a mesa de mogno, sobre a qual haviam assustadoras quatro pilhas altas de papéis. A deusa colocou a comida no único canto onde não havia papéis e se virou para Poseidon.

— Tudo isso é do tempo que você passou fora?

O deus voltou para a escrivaninha e se sentou na cadeira do lado oposto ao que Atena estava, rindo amargamente de seu comentário.

— Quem me dera. Esses papéis são referentes apenas aos dois primeiros dias que eu passei fora. Ainda tenho mais três levas dessas para ler.

Atena bufou, se sentindo cansada só de pensar no tempo que levaria para ler e julgar tudo aquilo sozinho, enquanto Poseidon estendia o braço para alcançar um dos lanches na bandeja.

— Eu posso te ajudar em algo? - Atena perguntou, e Poseidon ergueu os olhos, curioso.

— Não precisa fazer isso - o deus respondeu, contudo. - Vai te entediar. Além do mais, você deve estar com sono.

Atena sentiu uma certa empatia por ele ao final dessa sentença, só porque sabia que ele recusava sua ajuda por pura educação e porque o deus também estava nitidamente com sono.

— Na verdade, não - Atena respondeu, mas não estava sendo sincera; estava sim com muito sono, só não conseguiria dormir tão cedo. - E não me importo de ajudar; assim você também pode ir descansar logo.

Poseidon lançou um olhar que poderia ser quase grato para ela.

— Se você diz... Tem algo que pode fazer - ele pegou um anel prateado que estava ao seu lado e passou para o lado de Atena, junto de uma pequena caixinha que continha tinta preta. - Esse anel é a minha assinatura. E todos os papéis nessa pilha - ele apontou para a segunda pilha, onde um post-it grudado na lateral dizia "reforma do palácio" - precisam da minha assinatura. Como nenhum desses projetos é feito por mim, e eu só preciso aprovar, basta você carimbar todos os papéis. Nem se dê ao trabalho de ler. Tudo bem para você?

Atena deu de ombros. Quão cansativo poderia ser carimbar uma pilha de papéis? Ela estava acostumada a coisas mais exaustivas, como decidir o destino da Civilização Ocidental às três da manhã. A deusa então pegou a primeira folha da pilha, mergulhou o anel na tinta e carimbou a parte de baixo do papel. Ouviu Poseidon alcançar a bandeja de novo para se servir, mas não levantou a cabeça para olhar.

— E então... - ele começou. - Por que não consegue dormir? Você parece exausta.

Atena olhou para ele. Às vezes odiava o modo como ele conseguia ler suas expressões tão facilmente, ao ponto de ela não ser capaz de esconder nada dele, nem um cansaço ou uma mentira - como estava prestes a fazer.

— Não sei - ela disse, pegando outra folha para carimbar. - Acho que estou nervosa com a missão.

Poseidon inclinou a cabeça para trás, parecendo contrariado.

— Certo. Agora me dê essa resposta de novo, mas dessa vez falando a verdade.

— O que te leva a pensar que eu não estou falando a verdade? - Atena protestou, indignada.

— Você não estar olhando para mim já diz muita coisa - frente a essa resposta, a deusa levantou a cabeça para encará-lo. - E quando você olha, como agora, consigo ver o sono nos seus olhos. Ninguém com todo esse cansaço conseguiria não dormir.

Atena assobiou.

— Muito bom. Mas eu estou te falando a verdade - ela concluiu.

Poseidon por fim assentiu, mas ele claramente não havia engolido aquilo. Ao menos ele havia aceitado sem mais discussões, e isso era só o que Atena queria. A deusa continuou fazendo seu trabalho, muito silenciosamente carimbando os papéis e os colocando de lado, enquanto, do outro lado, Poseidon lia o que quer que fosse com uma mão na testa e a cabeça baixa. Estava aproximadamente na metade da pilha quando Poseidon começou a falar:

— Você já deve estar acostumada a isso, não é? - e completou, quando a deusa o encarou, confusa. - Quero dizer, trabalhar de madrugada.

O semblante de Atena foi preenchido por compreensão, e ela assentiu.

— Na verdade, sim. Inclusive eu trabalhei a noite toda antes de irmos para a casa na ilha - ela complementou. - Tive que deixar muitos trabalhos para trás para virmos para essa missão.

Poseidon parecia seriamente irritado ao final de sua fala.

— Mas Zeus com certeza teve o bom senso de ir cuidar dos assuntos que na verdade eram dele quando você precisou vir, não é?

Atena balançou os ombros.

— Seria desapontante esperar que meu pai tenha bom senso, ainda mais em um assunto tão... Comum, quanto esse.

Agora definitivamente havia um furacão nos olhos de Poseidon, e não era necessário ser a melhor leitora de expressões para perceber isso.

— Sabe de uma coisa? - ele disse, um certo tremor em sua voz. - Eu vou ter uma conversa com meu irmão sobre você sendo explorada quando voltarmos dessa missão.

— Você não precisa... - Atena começou a dizer, mas foi interrompida.

— Claro que preciso. Eu já vi o suficiente do que ele faz com você, Atena. Você não vai continuar sendo tratada desse jeito nem mais um dia.

Em outras circunstâncias, Atena teria contestado e com certeza defendido seu pai, mas ao invés disso, escondeu o sorriso contido que exibia. Na verdade, estava gostando de finalmente ter alguém que entendesse o esforço dela e soubesse o quanto era difícil carregar um reino nas costas.

— Costuma ficar sozinha quando trabalha de madrugada? - Poseidon voltou a perguntar.

— Na maioria das vezes - Atena concordou. - A não ser por Apolo, que às vezes aparece antes de pegar o carro para o amanhecer. Geralmente é só para conferir minha cara de sono e fazer algum comentário impróprio.

— Comentário impróprio? - Poseidon perguntou, sorrindo torto.

— Sim, você sabe do que eu estou falando - Atena balançou a cabeça em reprovação. - Afinal, você é graduado nisso.

— Imagine - Poseidon dispensou, mas já havia malícia em seu olhar ao dizer aquilo. - Mas você está sempre usando uma roupa assim quando ele vem?

Atena baixou o olhar para a própria camisola e não pôde se impedir de corar até a raiz dos cabelos.

— Absolutamente não - ela garantiu. - Hoje foi uma exceção. Na verdade, eu não planejava passar aqui, por isso coloquei essa roupa para dormir. Mas pensei em tudo muito em cima da hora e...

— Tudo bem, amor - Poseidon sorriu. - Eu não estava reclamando.

Se é que era possível, Atena corou ainda mais, baixando os olhos para o papel à sua frente.

— Os deuses têm medo de te fazer elogios ou você cora sempre que recebe um? - a voz de Poseidon chegou aos seus ouvidos, carregada de diversão, mas Atena não se dignou a olhar para ele. Pelo contrário, mordeu os lábios, começando a se sentir nervosa, e desviou o olhar para as paredes brancas do cômodo.

— O que você acha?

— Acho engraçado que você ainda não esteja acostumada a esse fato, Atena - ele continuou, como se ela já não estivesse embaraçada o suficiente. - Você é linda.

A deusa não conseguiria não olhar para ele depois disso nem que tentasse, mas não tentou. Era, de longe, o elogio mais direto que ele já havia feito a ela, e não havia nada de mentira em seus olhos verdes como o oceano quando Atena os encontrou. Ela apenas o encarou, sem conseguir desgrudar o seu olhar do dele, como se um imã os prendesse juntos, até que a vergonha a impedisse de continuar e ela baixasse os olhos para seus papéis.

— Obrigada - ela murmurou, muito baixinho.

Atena enfim terminou a pilha que preenchia, e estava prestes a perguntar em quê mais podia ajudar quando sentiu uma ardência terrível em suas costas, no local exato onde o monstro a havia arranhado. A dor veio rápida e subitamente demais, e a deusa não conseguiu conter um gemido pequeno de reclamação com a pontada que a atingiu. Claro que, no silêncio do cômodo, Poseidon não deixaria aquilo passar.

— O que foi, Atena? - ele perguntou, alarmado.

— Nada demais - ela respondeu, levando uma mão até o local que ardia. - Só senti uma dor no meu corte agora.

Poseidon se levantou imediatamente de sua cadeira, seguindo para atrás de Atena para verificar suas costas. Ele pousou as duas mãos sobre seus ombros, as escorregando então para onde o corte estava e pressionando levemente ali, e Atena sentiu imediatamente o efeito aliviante da magia que ele usava para curá-la.

— Está doendo muito? Você quer que eu chame um médico?

— Não, eu estou bem - Atena garantiu, pousando uma mão sobre a mão de Poseidon. - Eu provavelmente sentei de mal jeito.

Poseidon suspirou.

— Você já se esforçou demais por hoje, amor - ele disse, puxando Atena para que ela levantasse da cadeira. - Obrigado pela ajuda, mas não vou deixar você se forçar nem mais um segundo.

Atena se levantou, concordando, mas se virou para ele antes que fosse expulsa daquela sala.

— Você também deveria ir descansar - ela apontou, e antes que Poseidon pudesse abrir a boca para protestar, continuou: - Poseidon, você está exausto, provavelmente mais do que eu. Se quiser deixar isso aí, amanhã eu posso te ajudar mais.

Poseidon olhou para trás, para o resto significativo de papéis que tinham que passar por sua mão, e em seguida voltou a olhar para Atena. Um calorzinho estranho desceu ao estômago da deusa com o olhar que ele tinha: Poseidon parecia tão cansado, com os olhos vermelhos e os cabelos bagunçados, e ainda assim, poderia facilmente ser uma obra de arte, uma obra de arte que olhava diretamente para ela com um olhar de quem pede clemência.

— Bom, acho que não teria problema deixar esses restos para lá - ele admitiu, esfregando os olhos vermelhos. - O mais importante já foi, de todo modo.

Atena apenas assentiu com a cabeça, se sentindo sonolenta demais para acrescentar qualquer coisa à sua observação. Poseidon largou sobre a mesa o papel que tinha em mãos e seguiu na direção da porta.

— Vamos?

A deusa simplesmente o seguiu, em silêncio. Andavam arrastados pelos corredores, ambos compartilhando daquele sentimento latente de exaustão, mas ainda assim, ao chegarem em frente aos quartos, Poseidon se virou para Atena e teve a audácia de falar:

— Última chamada: não vai mesmo me contar por que não consegue dormir?

Atena rolou os olhos, incrédula.

— De novo isso, Poseidon?

— Talvez eu possa te ajudar, Atena - o deus explicou, impaciente. - Dependendo do seu problema, podemos dar um jeito.

— Você não pode ajudar em nada - ela deixou bem claro. - É besteira, eu já disse. Simplesmente estou desacostumada.

Poseidon ergueu as sobrancelhas, interessado.

— Desacostumada com o quê?

Péssima escolha de palavra, Atena xingou a si mesma na mente. Mas agora que começara, precisava continuar.

— Não sei. Acho que só é estranho dormir sozinha no quarto, porque ele é grande e um pouco frio e eu...

— Está dizendo que não consegue dormir sem mim? - Poseidon abriu o sorriso mais descarado de todos os tempos.

— Não foi isso o que eu disse! - Atena protestou.

— Foi sim, com outras palavras.

Atena rolou os olhos pela que parecia ser a milésima vez naquela noite.

— Entenda como quiser, Poseidon. Não tem nada a ver com você.

— Bom, se o problema for só esse, é muito fácil de resolver - ele continuou, como se Atena não tivesse dito nada. - Você pode vir dormir comigo se quiser.

Claro que Atena jamais aceitaria, mas o fitou com interesse.

— Está falando sério?

— Muito sério - Poseidon respondeu, mas sorria, então Atena não soube como interpretar.

— Pois está muito enganado se acha que vou fazer esse absurdo - Atena rebateu. - Posso muito bem dormir sem você, e você terá a prova amanhã de manhã - a deusa se virou para entrar no próprio quarto. - Boa noite.

— Boa noite - Poseidon respondeu, balançando a cabeça negativamente.

***

Era humilhante, absurdo e doente, mas a mais pura verdade era que já havia se passado mais de uma hora e Atena havia rolado o suficiente na cama para conseguir se encasular com o lençol, mas não conseguira dormir. Não foi por falta de tentativa: tentou meditar de olhos fechados, contou carneirinhos e cogitou até mesmo bater a cabeça com força na pia do banheiro para apagar de vez, mas nada deu certo (ela preferiu não tentar a última opção). E tudo o que conseguia pensar era no café da manhã do dia seguinte, quando apareceria cheia de olheiras sob os olhos e Poseidon iria sorrir e dizer um "eu te avisei" cheio de gosto; e a última coisa que ela queria era dar a ele esse gosto.

Mas por outro lado, quantas opções tinha? Não conseguiria dormir ali, isso era evidente. Talvez devesse tomar uma longa caminhada pelo castelo, mas além de correr o risco de se perder, teria olheiras tão profundas quanto se passasse a noite em claro. E havia também a outra opção, mas... Não, ela não podia. O que ia parecer? Que era uma garotinha fraca desaprendida de dormir sozinha por passar uma semana ao lado de seu inimigo?

Afinal, ele ainda era seu inimigo depois de tudo? Toda aquela história ainda era muito confusa em sua mente. A gentileza, o jantar, o beijo... O que isso o tornava? Um parceiro? Um amigo colorido, talvez?

Atena se sentou na cama. Talvez, se fosse muito silenciosa e fizesse um esforço para acordar mais cedo que Poseidon no dia seguinte, tudo desse certo. Mas quais as chances daquele plano funcionar? Não precisava nem ser a deusa da estratégia para saber.

— Ah, dane-se - disse para ninguém em especial.

Levantou-se e abriu a porta. Não havia movimentação alguma no palácio àquela hora, o que rendia pelo menos uma vantagem àquele plano ridículo. Atena atravessou o corredor e entrou na porta logo a frente da sua, onde era o quarto de Poseidon, e suspirou em alívio ao ver que a porta estava destrancada (se Poseidon não havia feito isso de propósito só porque sabia que ela viria, ela não sabia de nada). Se esgueirou pela menor brecha que conseguiu abrir, tentando ao máximo não fazer barulho algum ao empurrar a porta, e adentrou o quarto na ponta dos pés. Poseidon estava estirado sobre a cama de casal, com dois edredons aparentando ser muito quentes embolados ao seu redor. Atena praticamente flutuou sobre os próprios pés até a beirada da cama, onde se deitou lentamente, tentando ficar a uma boa distância de Poseidon, o que era bem difícil já que ele, com os braços abertos e as pernas esticadas, ocupava grande parte da cama. Era provável que Atena caísse no chão durante a noite se continuasse assim, mas, tinha que admitir, era melhor do que seu quarto gelado e vazio.

Mal se passou um segundo que Atena estava ali, ouviu uma risada baixa vinda de Poseidon.

— Eu sabia que você viria.

Atena se virou para ele, uma manobra arriscada, a julgar pela proximidade que tinham, e olhou no fundo de seus olhos. Eles eram a única coisa visível contra a escuridão do quarto, suas orbes verdes refletindo o brilho de luzes do lado de fora. Atena não conseguia ver mais do que o rosto de Poseidon, mas podia sentir, mesmo de longe, o calor que vinha dele e acendia faíscas por toda a sua pele.

— Não, você não sabia.

— Sabia sim - Poseidon alegou. - Você é previsível, eu já disse.

— Tudo bem - Atena desistiu. - Podemos discutir sobre isso amanhã? Eu estou com sono.

— Claro.

Mas tão logo Atena fechou os olhos, o maldito arranhão em suas costas começou a latejar, como se alguém jogasse ácido em suas feridas. A deusa gemeu baixinho de dor, e obviamente Poseidon ouviu sua reclamação.

— Está doendo? - ele perguntou, já sabendo perfeitamente que a resposta era sim.

Em qualquer outro momento, Atena tentaria se manter forte e não demonstraria sua dor, mas na presente situação, tão vulnerável como já estava, ela não se importou em assentir positivamente para a pergunta de Poseidon. Diante de sua resposta afirmativa, o deus fez algo que ela jamais esperaria: passou cuidadosamente um braço por sobre o corpo de Atena e pousou a ponta dos dedos no o início de um dos cortes com todo o cuidado do mundo, quase como se ela fosse quebrar ao toque mais leve. A deusa imediatamente começou a sentir o calorzinho que a magia curativa emanava, e sua dor naquele local foi completamente aliviada. Poseidon então começou a descer os dedos lentamente pelo corte, curando todos os pedaços em que encostava, e assim foi até que tivesse curado até o quarto arranhão de ponta a ponta. Atena não conseguia dizer nada, levada pela tensão que envolvia aquele momento e pelo conforto inexplicável do braço de Poseidon ao redor de si. Ela desconfiava que sua dor teria passado mesmo que ele não tivesse usado magia alguma. O deus olhava fixamente dentro de seus olhos o tempo todo, e ao final, o clima entre os dois era tão íntimo que parecia palpável.

Poseidon não tirou o braço de cima dela ao terminar. Pelo contrário, uma de suas mãos escorregou sutilmente para baixo dela, enquanto a outra, que estava seguramente pousada no topo de suas costas, deslizou sobre o tecido fino da camisola até a cintura da deusa, onde repousou tranquilamente. Atena não conseguia dizer uma única palavra, não quando Poseidon estava tão perto e a olhava daquele jeito que era tão... Dele.

— Eu prometi que não faria isso de novo - ele comentou, parecendo falar mais consigo mesmo do que com ela. - Mas como eu poderia?

Atena não pôde se impedir de baixar os olhos para os lábios dele antes de perguntar:

— O quê?

Atena não entendeu do que ele estava falando, até que o deus levou uma mão à sua nuca muito devagar, dando tempo o suficiente para que Atena o impedisse se quisesse, e impulsionou a cabeça para a frente para beijá-la. Inicialmente não era mais que um selar de lábios, um tenro gesto do deus que não aguentava mais se manter longe de Atena, mas a deusa, ao contrário do que ele esperava, não deixou que acabasse tão rápido: suas pequenas mãos pousaram no pescoço de Poseidon, e ela permitiu que a língua do deus adentrasse sua boca e encontrasse com a sua, ambas se entrelaçando daquela forma que ela adorava. O beijo se prolongou, calmo e sem pretensões, até que os deuses estivessem sem ar. Atena, envergonhada, não sabia ao certo o que fazer depois daquilo, mas Poseidon apenas mirou seu rosto e sorriu, como se seu silêncio fosse mais que suficiente.

— Por que... - Atena começou, mas Poseidon balançou a cabeça.

— Shhh. Não pergunte isso agora. É bom, não é?

Atena assentiu (não conseguiria discordar de forma alguma), e permaneceu quieta, sem deixar que o turbilhão de dúvidas em sua mente atrapalhasse o momento tão bom que estava tendo com Poseidon. O deus afagava carinhosamente sua cintura, fazendo pequenos círculos com o polegar, e tornava o clima tão confortável que a deusa quase se esquecia do quão errado era tudo aquilo.

— Poseidon?

— Sim?

— Como é? - perguntou Atena, e completou, ao ver o quanto soara vaga: - Quero dizer, ser casado...

Poseidon interrompeu a carícia por um momento, provavelmente tentando encontrar uma mensagem subliminar escondida nas entrelinhas da pergunta, e então recomeçou o movimento.

— Bem... é bom, às vezes - ele respondeu. - Você tem alguém pra conversar, um companheiro quando está triste, uma ajuda se as coisas ficarem difíceis... Mas às vezes... Não sei. Talvez porque eu nunca tenha realmente amado Anfitrite, mas é como se sempre faltasse alguma coisa.

Atena levantou a cabeça para olhar diretamente nos olhos de Poseidon.

— Por que você se casou se não amava sua noiva?

Poseidon sorriu, mas o sorriso não atingiu seu olhar.

— Você ficaria surpresa se soubesse o quanto as pessoas fazem isso, amor.

— Por falar nisso - Atena se lembrou. - Onde está Anfitrite?

Poseidon riu baixinho.

— Eu não sei. Estamos separados a dois anos, e ela não me disse para onde iria. Provavelmente está morando em alguma mansão afastada da cidade.

— Vocês não são mais casados?

— Creio que seja esse o significado de "estamos separados".

Bem, fazia sentido, afinal. Poseidon descansou o rosto em seu ombro, a barba por fazer causando cócegas gostosas em sua pele. Talvez Atena não quisesse lembrá-lo de se barbear.

— Você já fez a sua pergunta - ele disse, um segundo depois. - Agora é a minha vez.

Droga. O que Poseidon iria querer saber sobre ela?

— Você não odeia os homens - não era uma pergunta. - Não é deusa do lar, como Héstia. Não precisa de liberdade para caçar, como Ártemis, e não parece ser nenhum pouco aversa à ideia. Então por que escolheu não se casar?

Atena mordeu o lábio. Esperava por qualquer pergunta, desde "quantos anos as baratas vivem?" até "qual a raiz quadrada de 1654382?", mas não por aquilo. E o pior era que algo queimava em seu peito, como um impulso para que contasse a verdade. Mas não podia. Não ainda.

— Vamos fazer assim - ela propôs. - Quando você disser porque me beijou, eu te conto porque fiz o voto. Fechado?

Poseidon sorriu, tomando aquilo como um desafio.

— Fechado.

Com um sorriso fraco e agora um coração abalado, Atena se aprumou na cama (o que, em termos menos dignos, significava se aconchegar mais ao corpo deliciosamente quente de Poseidon), se preparando para dormir.

— Boa noite, Atena - disse o deus, e haviam poucas coisas no mundo tão belas quanto sua voz de sono.

— Boa noite, Poseidon - ela respondeu, ainda meio lesa por tudo o que havia acontecido ali.

Poseidon depositou um último beijo rápido em sua testa, e sua última e dolorosa memória que teve antes de adormecer foi a voz da moira Cloto ecoando como num sussurro ao seu ouvido:

"Qual é o seu desejo, minha querida?"

E então a sua própria voz respondendo, em meio aos sussurros sofridos de choro:

"Eu quero que ele esqueça".


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