Ode ao Futuro escrita por Eduardo Lisboa


Capítulo 3
Melhores Amigos?


Notas iniciais do capítulo

O capítulo ficou maior que os anteriores, e os próximos serão ainda maiores, é trabalhoso, afinal eu lancei os três primeiros capítulos na mesma semana...
E preparem-se, pois o último capítulo é gigante. (Calma que ainda faltam uns 4 ou 5 capítulos.)



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Quando se decide morar com alguém, seja quem for, logo começam as discussões sobre quem vai lavar a louça, quem vai limpar a casa, quem vai cozinhar, fazer as compras. Afinal, todos são igualmente ocupados e preguiçosos. Prevendo isso, o Eduardo criou um planejamento de convivência para nós dois. As regras são básicas: Todos realizarão as tarefas de casa, porém alternando-as, por exemplo, metade das tarefas de hoje são minhas, outra metade é dele, amanhã a minha metade será a dele e vice versa. Felizmente, hoje restou para mim a tarefa de cozinhar, o que é ótimo - vai que o Dudu põe veneno na comida do Fred.

Berno - 2 de Janeiro de 2020 - 7:37 da manhã.

Havia acabado de chegar em casa com um sorriso de orelha a orelha, trouxe boas notícias. Pus mais lenha na lareira e fui direto para a cozinha, uma bem moderna aliás, mesmo debaixo de toda a bagunça de caixas espalhadas por aí, havia um balcão feito com várias toras de madeiras encaixadas entre si, raspadas para ficarem lisas, e vernizadas para brilharem; nesse mesmo balcão tinha a pia. Havia uma janela onde a visão dava para a casa vizinha, passei próximo para dar uma olhada e notei um rapaz na casa vizinha, era bonito, mas deixei pra lá. Abri caixa por caixa, arrumaria se tivéssemos os móveis para cozinha, peguei oito ovos, alguns temperos e comecei a preparar uma panqueca - usando o fogo da lareira, claro.

Quando a mesa estava arrumada, quando eu estava prestes a acordar os dois, Frederich aparece pela cozinha com cara de sono enquanto desvia das caixas no chão.

— Dormiu bem? - perguntei com uma leve empolgação em meu rosto.

— Claro que não...! - respondeu abraçando a si mesmo e dando tremedinhas, assoando o nariz na manga do casaco. - Quem consegue dormir bem nesse frio dos infernos? Vocês são loucos! Aposto que foi ideia dele vir para cá.

— Foi sim, mas eu gosto daqui.

— Você é baba ovo dele, comeria até o saco dele se o servisse - disse sentando-se à mesa, cheirando as panquecas com o nariz entupido, e puxando o catarro de volta.

— Posso até ser o baba ovo dele, -ri serenamente. - Mas o saco dele não tem pelos, e acho que cê sabe disso.

— Preferia não saber - falou pegando uma caneca com algo quente, não sabia o que era pois não podia sentir o cheiro, pensou que era chocolate quente, deu um gole com vontade e em seguida cuspiu com maior cara de desgosto. - Café?! Eu odeio café! Não tem chá ou, sei lá, um vinho...?

— Ainda com esse jeitinho rústico? Pra um inquilino você é exigente demais. Tem chá mate em algumas dessas caixas daí.

— As opções também não ajudam... - reclamou.

— Ei, quase ia me esqucendo, não coma ainda, vou acordar o Eduardo.

— Ihh! Tenho que ir, to atrasado! - levantou as pressas olhando o pulso como se tivesse algum relógio.

— Atrasado pra quê? Você nem conhece a cidade!

— Atrasado para conhecer a cidade! Dar aquela volta marota por aí!

— Sei que tá tentando fugir, mas, sério, fica, tenho boas notícias, de verdade - insisti com aquele mesmo sorriso de hoje mais cedo, curioso, Fred sentou sem dizer nada. Entendi o recado.

[8:22 da manhã]

No nosso quarto, Eduardo dormia todo bagunçado. Braço saindo da cama, cabeça onde deveria estar os pés, os edredons pareciam que tinham ganhado pernas e andado para fora da cama com os travesseiros, um completo arruaceiro enquanto dormia. E ainda assim, parecia um anjo.
Fui aproximando-me devagar e dei mordidinhas leves em sua orelha, seguidas de beijinhos no pescoço, ele arrepiava-se e virava para o lado com um sorrisinho tonto e fofo que nem parecia pertencer àquele Dudu sério e frio.

— Para... Lucas... - falou gemendo, ainda de olhos fechados. - Eu vou ficar de pinto duro...

— Isso seria interessante - provoquei com aquele sorriso vagabundo.

— Seu bumbum não cansa de levar ferro? - abriu o olho com dificuldade.

— Sou um felizardo, tenho dois ativos em casa, hmmm...

— Vai lá com ele, fica com ele, morre com ele - rebateu levantando da cama. - O café da manhã está pronto?

— Foi pra isso que eu te acordei, e também... Tenho uma notícia pra dar - mais uma vez sorrindo daquela maneira. Achando suspeito, Eduardo virou-se para mim e perguntou:

— Que cara de puta é essa?

— A notícia que eu vou dar! Ela é muito boa!

— A notícia? - perguntou com sarcasmo.

— É!

— Tem certeza de que não é a bunda?

— É sério! Vem logo!

Por alguma razão, eles me obedeciam. Normalmente eles apenas me ignorariam e simplesmente cada um seguiria o seu caminho, ou trocariam xingamentos, ou ambos. Talvez seja apenas uma desculpa que eles inventaram para estarem juntos, pois eu sei o que separou esses dois, o Fred também sabe, e isso me dá muito medo.

Tenho muito medo do que pode acontecer se o Eduardo, que é o único que não sabe de nada, descobrir.

Ele foi na frente, eu fiquei no quarto para arrumar a bagunça da cama, quando escutei algo vibrando. De certeza era o celular do Eduardo, ele odiava os toques do celular e mantinha o dele no modo vibratório. Não resisti, vasculhei no meio das cobertas e o achei, havia um novo SMS, mas quem diabos manda SMS em 2020? Era de um número não salvo na lista de contatos, mas o DDD era local. Me pergunto, quando que ele conheceu alguém dessa cidade? Ele sequer saiu de casa.

"Oi fofinho, seu cachorrão ta te esperando aqui ;)"

Era o que dizia a mensagem. O sangue me subiu a cabeça e o estômago revirou, os olhos, trêmulos, encheram-se de lágrimas. Então eu lembrei. Ele havia, sim, saído, para pegar nossos huskys, e voltou sem nenhum.
Que droga, Eduardo... Me traiu por raiva?
Limpei as lágrimas que ainda beiravam o rosto e guardei o celular no bolso. Mantive-me forte, para que ninguém notasse, e fui até a cozinha, onde os dois estavam. Assim que cheguei, não fiz alarme alguma, sequer notaram minha presença, eles se desviavam do olhar do outro mantendo o foco pro chão e pro teto.

— Já pode comer, Fred - avisei.

— Ah, finalmente, agora dá pra falar essa tal boa notícia? - permaneci alguns segundos em silêncio, encarando o Eduardo. - Raposo? - o modo como o Fred me chamou me surpreendeu.

— Ninguém me chama assim tem tanto tempo... - Raposo era o meu apelido com o pessoal dos escoteiros. Eu e o Fred erámos escoteiros no passado, apesar da diferença de idade, acabamos virando amigos, já que também estudávamos juntos.

— Qual a notícia?

— Ah... Eu consegui um emprego, vou ser meteorologista do IMB.

— IMB? - indagou Fred.

— Instituto de Meteorologia de Berno, mongo.

— Desde quando você trabalha com essas coisas?

— Ele previu a nevasca que aconteceu no ano novo - interferiu Eduardo.

— Você ainda tá aqui? - o Dudu não rebateu, e eu continuei:

— Meu turno começa às nove horas e ponto, e nem é tão longe, então logo logo eu terei de ir.

— Que bom, então poderemos mandar esse parasita embora o mais rápido o possível - provocou Eduardo.

— Argh! - bravejou. - Já deu sua notícia, certo? Eu já posso ir?

— Pode, Fred.

Engolindo tudo o que conseguia de vez, Frederich saiu as pressas, queria relaxar, e tinha de admitir: Berno era inspiradora e calmante.
Mas logo após a sua saída, virei-me para o Eduardo e lancei o celular em seu peito.

— Lucas, vai jogar celular em mim todo dia de manhã? Que mania horrível.

— Leia a mensagem.

— Oh... - disse ao ler, com um sorriso bobo. - Tenho de ir.

— Vai sair com o seu amante na cara de pau? - gritei.

— Amante?

— Admite! Esse cara que você conseguiu pra se vingar da vinda do Fred pra cá! Acha que eu tive culpa disso?

— Do quê tu tá falando?

— Como "do que eu tô falando"?! Não é óbvio?? - Eduardo caiu na gargalhada enquanto eu continuava o chilique, e quanto mais eu pedia por respostas, mais ele ria sem conseguir explicar ou sequer respirar. - Me responde, caramba! Qual é a graça?

— Lucas... - disse com uma pausa, ofegante. - Essa aí é a funcionária do canil, é uma garota.

— Mentiroso!

— Não estou nem um pouco afim de discutir isso, e tu tem de trabalhar agora. Vai te arrumar e eu vou buscar nosso cachorrão, tá certo? Eu tiro até uma selfie pra te comprovar.

Me veio uma sensação de culpa, ainda não confiava na desculpa que ele deu, mas me sentia muito errado.

— ... Me desculpa - foi então que ele se aproximou bruscamente, pôs a mão na minha nuca e puxou-me em sua direção, me encarando olho no olho, compartilhando a mesma respiração.

— Não precisa ter medo, eu posso não demonstrar muito, talvez seja até uma deficiência minha, não fui muito acostumado a lidar com gente, mas eu te amo... - nesse instante me faltei com o ar, os olhos arregalaram, meu coração estava há sei lá quantos cavalos. Era mais uma vez aquele calor na qual fazia tudo valer a pena.

— Dudu, sinto muito...

— Tchau, Lucas - soltou-me com um sorriso provocativo.

Eu subi correndo até o quarto para trocar de roupas, completamente sem jeito pra olhar para sua cara, enquanto ele... Nem vi quando saiu de casa.

Mas...

Antes de sair de casa, ele havia recebido uma outra mensagem em seu celular, era do seu melhor amigo, Dante.

Dante: oi mozao como vai? :3

Edu: Nada bem, ele está morando comigo.

Dante: ele quem?

Edu: O Fred.

Dante: tu ainda tem problema com isso?

Edu: Claro que tenho, tu lembras bem do que ele me disse naquela vez?

Dante: lembro lembro

Edu: Eu não aguento mais conviver com ele, e olha que ele chegou ontem. Fica tudo muito tenso e ele fica me provocando.

Dante: o destino n foi mt legal contigo...

Edu: Bom, estou saindo de casa agora, depois eu te chamo. Vem visitar qualquer dia.

Dante: ta bam verei o que eu faço

Dante: tchauzinho bjs

Dante tornou a aparecer, e aqui nossos problemas iriam começar de verdade... Se há alguém responsável por tudo, foi ele.

Ao sair de casa, notei que a neve que antes era completamente seca, agora tinha uma certa umidade, como se estivesse derretendo aos poucos, mas era um detalhe não tão importante, essa cidade é famosa por ser gelada o ano inteiro, de vez em quando não seria anormal a temperatura subir alguns poucos graus, certo? Mas afinal... Por que as casas daqui são tão altas?

[9 da manhã - Canil Público da Zona Oeste de Berno]

O canil estava completamente vazio. Nenhum cão, nem gente. Nem sinal da Ellis também. Eduardo, achando que estava sendo feito de bobo, - o mesmo teve um histórico de bullying na infância que o deixou meio traumatizado de ser enganado - começou a fingir que era um fiscal vasculhando a área, uma olhadinha aqui... Um chutezinho ali... Até que Ellis surge aos risos.

— Que fofinho, o que tá fazendo? - como sempre com o seu jeitinho dócil e angelical.

— Nada... Cadê o cachorro? - disfarçou horrivelmente.

— Tá lá nos fundos, vamos pegar ele e dar uma volta, ok?

— Dar uma volta? Tá me chamando pra sair?

— É, bobinho, deixa de ser tímido - disse segurando-o pela mão e levando-o até o husky. Forte e jovem, o cão animou-se aos saltos e latidos assim que viu o Dudu, parecia uma criança, e ele, como outra criança usando uma máscara de adulto, com brilho nos olhos, correu até o cachorro para fazer cafuné e brincar. Era como duas crianças, de fato.

— Desculpa atrapalhar vocês dois... Mas vamos? - interrompeu Ellis.

— Ah sim! Vamos! - disse com o cachorro lambendo repetidamente o seu rosto.

Assim que passamos pela entrada do canil começou a nevar suavemente. Eduardo olhou para cima fascinado com os vários flocos descendo lentamente e a luz do sol dando um contraste no céu que estava completamente nublado. O semáforo ficou vermelho, os carros - coloridos quase sempre com cores vivas e de modelos mais compactos - pararam, e Ellis segurou na mão do Dudu que assustou-se mas logo ao ver que estava animada e o husky também, sorriu de volta, e deixou ser levado.
O parque ficava uns dois quarteirões dalí, chegaram sem sentir o quanto haviam caminhado, sentaram-se no primeiro banco que apareceu, ou melhor, a Ellis sentou. Dudu brincava com a neve junto do husky.

— Ei, Dudu... Posso te chamar de Dudu?

— Pode sim - respondeu deitado com o cachorro encima de sua barriga.

— Já pensou num nome?

— Ainda não, tem alguma ideia?

— Não exatamente, eu chamava ele de Lulu...

— Lulu? - riu. - É muito parecido com Dudu, vai ser estranho, não?

— Eu gosto de Lulu - disse jogando-se na neve ao lado do Eduardo e abraçando o seu braço agasalhado. Sem jeito, Edu concordou:

— Tudo bem, Lulu então...

— Obrigada, Dudu.

Os dois continuaram por ali por alguns minutos, apenas jogaram conversa fora sobre cães e sobre a cidade natal do Dudu. Após um tempo, Ellis teve de ir embora, Edu continuou por lá, sentado no banco, com o husky. E então viu ele, Frederich, passar por ali.


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Notas finais do capítulo

A primeira fase da história terminará aproximadamente pelo capítulo 7.
Não se assustem pois terá uma segunda parte.

Próximo Capítulo: Cama de Gato - até 7 de abril.



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