O Bruxo da Capitania São Vicenzze escrita por Vultor


Capítulo 7
Agora




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Foi um pipoco.

Tulk jogou-se no chão por reflexo, percebendo envergonhado que fora o único. Os outros três apenas sacaram os trabucos e agacharam-se.

Quando o jovem viu a mercenária que quebrou seu nariz, um embolo surgiu em seu estômago. Ela soltava uma grande quantidade de fumaça para trás e voava por cima do rio. Parecia um balão após receber um furo.

— Peguem aquela mulher, seus inúteis — Bencrof gritou.

Deus do céu!

Tulk olhava incrédulo para o procurador, o homem havia sobrevivido a um tiro no peito. Seus companheiros foram correndo atrás da mercenária. Ele decidiu que a cota de surra na semana estava esgotada, foi ajudar o chefe.

A bala ficou presa na roupa do procurador, Tulk viu quando ele a retirou e guardou no bolso da calça. Quero uma roupa dessas. Ele ajudou o chefe a se levantar e ambos foram buscar refúgio na igreja. Dentro do templo, escutou o xerife dar ordens para que todos se afastassem das portas e janelas. Bill Lester tentava acalmar aqueles fidalgos.

— Xerife, por deus, como essa mulher ainda está à solta? — Bencrof vociferou.

— Julguei que as ações dela contra seus homens foram motivadas por legítima defesa.

— Ela estava tentando me assassinar, idiota!

Um tiro de fuzil!

Tulk percebeu que mais uma vez havia escapado por pouco. Aquele serviço estava muito perigoso. Concluiu que merecia um aumento no salário. O jovem percebeu que Bencrof havia parado de discutir com o xerife e sentado em um canto. O procurador revirava a roupa, estava inquieto.

— O senhor está com coceira? Se quiser, posso pedir um chá para uma tia minha, vai resolver seu problema em um instante.

— Vira pra lá, capanga, não tá vendo que estou ocupado? — o procurador sussurrou.

— Sei que o senhor paga em dia e tal, mas eu tenho nome. Bom, vou deixar pra lá dessa vez. Mas, falando em dinheiro, esse trabalho está muito arriscado. Meu nariz quebrou e eu não recebi nada, o senhor deveria pensar mais na gente, talvez um aumento melhorasse a situação.

— Sai, caralho!

As pessoas próximas voltaram os olhos para os dois. Tulk sentiu a bochecha ruborizar.

— Calma, não precisa gritar — disse, afastando-se.

Antes que se distanciasse, uma imagem surgiu sobre Bencrof. Tulk piscou algumas vezes e arregalou os olhos. Não podia acreditar no que via, o procurador desaparecera, dando lugar a um demônio vermelho, chifrudo e com uma face igual a um filhote de cruz credo.

— Ai, meu deus do céu — Tulk chiou.

A imagem sumiu da mesma forma que veio. Bencrof olhava ao redor, parecia não entender o que estava acontecendo. As pessoas estavam boquiabertas, algumas saíram correndo da igreja, mas Tulk decidiu que aglutinar perto do padre era mais seguro.

Foi nesse momento que um pivete gordo entrou no templo. Apontava o dedo para o procurador. Sua roupa era de gente importante, um terno de cauda e um lenço no pescoço. No entanto, ele estava imundo.

— Não há como escapar, bruxo — ele gritou. — A bala que usamos era feita de prata Vuskuri. Foi abençoada pelo próprio arcebispo Doniqueli Van Durkeim. O projétil possuía propriedades meromânticas, que fazem com que um bruxo seja revelado assim que é atingido. Xerife, por favor, prenda esse inimigo de deus.

Tulk nunca ouvira aqueles nomes, nem sabia que era possível identificar bruxos com prata. Mas, pelas palavras complicadas que o garoto estava falando, parecia verdade. Afinal, todos viram a transformação do coisa ruim.

O jovem torceu o nariz. Se aquilo fosse confirmado, todo o perigo que passou teria sido em vão; terminaria o mês sem receber.

***

Era um péssimo plano e Goust sabia disso. A ilusão de Rose voando sobre o rio despistou os capangas. A ilusão de um demônio assustou a população. Mas aquilo não era suficiente. O que importa é quem as pessoas seguem.

Ninguém reagia, uma gota de suor desceu pela testa do garoto. Ele viu Leovitt próximo ao padre. A expressão por trás do bigode estava séria. Entregue à inquisição pelo próprio pai? Quase riu da ironia. Leovitt ficaria feliz com aquilo, iria se livrar de um fracassado que servia apenas para envergonhar a família Klettenberg.

— É mentira desse garoto, é mentira! Ele que é o bruxo — gritou o procurador.

Os nobres odiavam magia ilegal. Não queriam que seus segredos íntimos, suas perversões sexuais e seus esqueletos no armário fossem revelados. Por isso, no fim daquele embate, Goust sabia que alguém iria queimar.

O garoto encarou o pai e aguardou a palavra que selaria seu destino. Mesmo se o homem gostasse do filho, ainda assim o entregaria. Leovitt Klettenberg não usava magia nem para acender um fogão à lenha, ele era daqueles religiosos que seguiam tudo ao pé da letra.

O xerife pigarreou e disse em bom tom.

— Prendam-no, acusado de bruxaria e escravidão de elendils.

Alguns policiais, em suas roupas de domingo, deslocaram-se em direção ao procurador. Goust jurou nunca mais mexer com bruxaria.

— O quê? Não! Vocês sabem com quem estão falando? Fui indicado pela própria Jaquize Vieira, sou o procurador, eu que mando nessa porra! É por causa da mulher, não é, xerife? É sim, agora entendo, vejo em sua mente.

— Amordacem-no, ele ainda é perigoso — disse o xerife.

Goust mal pôde acreditar que tudo terminara bem. Respirou aliviado e encostou em uma das pilastras da igreja.

— Menino desgraçado, pelo menos você eu levo comigo — o procurador colocou a língua para fora, mostrando uma grande quantidade de reagente — vou te matar, maldito.

Bencrof mastigou o pó e começou a pronunciar palavras incompreensíveis, o policial não conseguia detê-lo. Goust pensou em correr, mas não adiantaria. Maldição!

Antes do algoz terminar o feitiço, apareceu um globo amarelo em sua frente. Era um sol do tamanho de uma laranja. O surgimento da estrela foi seguido por uma explosão ensurdecedora. Goust abaixou-se. Janelas estouraram. Poeira e estilhaços pinicaram as costas do menino.

Quando ele abriu os olhos, viu uma mancha negra no chão da igreja. No centro, apenas uma pessoa se mantinha em pé: Leovitt Klettenberg.

O ambiente foi tomado pelo silêncio. O único som vinha dos gemidos de um policial; antes, ele segurava o procurador, depois, debatia-se no chão com um braço a menos.

De Bencrof, tudo que restara foram os pedaços de um pano prateado.

Leovitt acendeu o charuto e puxou a fumaça com lentidão. As mãos do homem tremiam. Goust ficou paralisado.

— Que foi? Ele ameaçou meu filho, porra — disse Leovitt.

As pessoas da igreja estavam de olhos arregalados e pareciam não ter coragem de mover um músculo. Uma criança começou a chorar, mas a mãe tapou sua boca, quase sufocando-a. O pai de Goust cobriu a ponta do charuto com a mão em concha e o reacendeu.

— Meu filho. Ele é doido?

O homem balançava a cabeça, fez um gesto no ar, ele conversava sozinho.

— Ameaçar meu filho? Não teve lógica.

Leovitt deu mais uma tragada e apagou o charuto em um banco de mármore. Olhou ao redor e ergueu as grossas sobrancelhas. Por fim, suspirou e estendeu os braços para o xerife. Bill, com os músculos da face flexionados, cumpriu seu dever.

Quando eles passaram pelo menino, Leovitt disse ao filho:

— Cuida da sua mãe e da sua irmã, Goust.

Foram as últimas palavras que ele ouviu do pai.

***

O BRUXO DA CAPITANIA SÃO VICENZZE

Leovitt Klettenberg explode procurador e deixa muitos feridos. O ato de extrema violência horroriza população.

Valina Klettenberg, sua esposa, argumentou que a atitude dele foi em defesa do próprio filho. Mas, o uso de uma magia não autorizada para a profissão de alquimista evidencia a loucura do homem. Leovitt foi julgado e condenado como bruxo e será executado esta tarde.


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