Trina escrita por Gustavo Francisco


Capítulo 1
Capítulo 1 - Nulla Lux




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A tarde se arrastava como mais um daqueles dias tristes, em que não se da vontade de viver. O sol mal deu as caras, e toda a lama, das ruas da vila Nulla Lux – significa "sem luz" – estava coberta por uma névoa branca.

Viam-se cruzando as ruas e saindo de suas pequenas casas de madeira - como cabanas - espectros sem alma, que só de existirem deixavam o mundo mais escuro e triste. Eram os humanos.

Em uma das cabanas morava uma mulher, que não era melhor, nem pior do que os outros moradores da vila. Ela quase não conseguia mais andar, já não enxergava tão bem como antes, vivia dos restos que as outras pessoas deixavam para trás – do lixo – e rugas rachavam-lhe o rosto em excesso, transformando em feio o que, um dia, poderia ter sido belo.

A mulher já poderia ter morrido há algumas semanas, de fome, sede, ou até mesmo de cansaço, mas sua vida estava melhorando desde que sua filha chegou há pouco tempo para morar com ela. E nesse período, a senhora já parecia menos cansada, mais feliz e talvez até mais jovem – pelo menos aparentemente – Ela já não reclamava tanto de dores, sentia-se mais bem disposta e seus males pareciam curados.

Sua filha se chamava Damra. Era muito bonita. Com 18 anos de idade, ela tinha aproximadamente 1,75m de altura. Seus longos cabelos ondulados e castanhos caíam-lhe sobre os ombros do seu corpo magro e esbelto. Tinha olhos azuis, da cor do mar do Caribe, mãos delicadas como a pétala de uma rosa, e um rosto muito lindo, de feições suaves, que parecia ter o poder de hipnotizar os homens e de deixar todo o resto do mundo feio.

Elas estavam começando um relacionamento do zero. Nunca tinham se visto, até o momento em que Damra teve que largar o próprio mundo e se aventurar em terras inóspitas, logo depois que fez aniversário, quando foi morar naquela cabana. Mesmo assim, Damra já amava incondicionalmente sua mãe, e a recíproca era verdadeira.

Nessa mesma tarde, Damra foi à feira, no centro da vila. Lá era sempre muito cheio. Sendo assim, só saiu de casa depois de escutar todas as mil recomendações de sua mãe.

— Não fale com ninguém. Não olhe pra ninguém. Pegue só as sobras do lado das barracas e vá rápido. – E lá foi ela.

Chegando à feira, percebeu que passavam todos os tipos de pessoas. Homens armados de machados, arcos, ou espadas; homens carregando caixas e até alguns enchendo a cara no bar. Havia crianças também, raquíticas e outras gordas, e independente de suas condições, todas elas corriam desesperadas e destrambelhadas pela viela da feira, sempre seguidos dos berros de suas mães e dos comerciantes, que viam suas mercadorias irem ao chão todas as vezes que passava a manada de pirralhinhos. É claro que não faltavam as mulheres. Essas, por sua vez, eram de todas as formas. Altas, baixas, gordas, magras, jovens, velhas. Enfim, existiam todos os tipos de pessoas, e embora todas feias, elas abrangiam todas as classes sociais, e suas roupas revelavam isso. Tanto pelos vestidos furrecas rasgados e remendados, quanto pelas túnicas de seda pura, as capas de veludo, ou as armaduras de bronze.

Apesar de tudo isso o que mais intrigava Damra, eram as mulheres comerciantes. Elas eram quase todas gordas, usavam vestidos simples de um tecido que parecia ser um saco de batatas. Não tinham estampa alguma. Eram tão sujos que pareciam nunca terem sido lavados, principalmente a barra do vestido, suja pela lama da vila – Uma mistura de terra úmida, com lixo e excretos humanos – E por cima disso, usavam um avental, na altura da cintura, que era tão sujo e imundo quanto elas mesmas. Seus cabelos eram um grande emaranhado crespo no formato de tranças. Em volta de seus lábios havia um brilho gorduroso – Que provavelmente vinha da comida que comiam – suas mãos eram grandes e cheias de calos, nunca tinham todos os dentes e eram muito ranzinzas. Não se pareciam em nada com a imagem típica de uma mulher, mas não eram solteironas. Tinham maridos e filhos, tão gordos, sujos e ranzinzas quanto elas.

Nas barracas e lojas, placas de aviso diziam:

"Apenas seres humanos são permitidos na vila. Do contrário, saiam ou sofram".

Por um momento, ao ler a placa, Damra quis recuar. Se descobrissem, iriam atrás dela, iriam persegui-la e fariam coisas terríveis. Talvez ela fosse parar na forca ou na fogueira, como suas antepassadas, isso sem falar o que fariam com a mãe dela. Apesar do risco e do medo das possibilidades do que aconteceria, ela seguiu adiante.

Tentando se disfarçar, ela curvou seu corpo para frente, impedindo que vissem seu rosto e parecendo-se corcunda. Mancava um pouco da perna direita, e não dirigia o olhar para ninguém. Assim, conseguiria se passar por mais uma das velhas cheias de males, como tantas outras na vila, e ninguém desconfiaria dela.

Ela se aproximou da primeira barraca. Estava chovendo. Abaixou-se, pegou alguns tomates manchados e amaçados, que estavam jogados no chão, pôs em sua cesta, que carregava no braço, e então prosseguiu sem falar nada. Mancou até a próxima barraca e conseguiu alguns rabanetes e assim continuou. Depois de percorrer toda a feira ela também conseguiu cenouras, alface, rúcula e até um pedaço de pão velho.

"Hoje é deve ser meu dia de sorte. Pão é tão raro, ainda mais um que foi jogado fora" - Pensou.

Então com um sorriso no rosto ela tomou de volta o caminho de casa.

Quando já estava quase chegando, Damra endireitou sua postura e seu passo. Sendo assim, todos que a observassem poderiam ver sua linda silhueta moldada pelo vestido e reparar que se tratava de uma jovem magra, com seios fartos e muitos dotes. Seu rosto ainda era um mistério, encobrido pelo capuz.

"Esta noite comeremos bem".

Continuou caminhando, distraída, pensando no sorriso que sua mãe lhe daria ao ver tudo que estava na cesta e acabou não reparando que ao final da rua de lojas e instalações, tinha um bar em pleno funcionamento, cheio de homens conversando, rindo e bebendo. Quando ela cruzava o bar, um homem, que estava sentado em uma das mesas do lado de fora com mais dois "amigos", todos com armas, decidiu interroga-la.

— Ei, você, aonde vais? Pra que essa cesta cheia lixos? – Disse o homem, ainda sentado.

Damra, que ainda estava de capuz, virou-se de lado e sem revelar seu rosto, percebeu que o homem, assim como seus companheiros de mesa, eram guardas da vila, responsáveis por manter a ordem e pelas caçadas contra outros seres. – os seres humanos são inimigos de todos os seres semelhantes a eles, como Elfos, Anões, Magos... Bruxas.

O coração de Damra acelerou. Ela se lembrou da placa.

"Apenas seres humanos são permitidos na vila. Do contrário, saiam ou sofram".

Uma sensação de medo se apoderou dela. Seu coração, martelando no peito, parecia que ia sair pela boca. Ela engoliu em seco e conseguiu responder:

— Não é lixo para mim ou para minha mãe, senhor. – Virou-se e retomou o caminho.

O homem levantou-se da cadeira em um pulo, parando logo atrás dela.

— Espere! Vamos conversar! – Damra parou – Eu posso lhe arrumar algo melhor que isso.

Ela apenas virou a cabeça na direção do homem, ainda sem mostrar seu rosto.

— Não, obrigada. Estou satisfeita com o que eu tenho. Se me der licença... Estou muito atrasada, e minha mãe me espera. – Retornou a andar, só que agora, com o passo mais acelerado.

O guarda não estava disposto a desistir. Não sem pelo menos poder ver o rosto da mulher dona de voz tão encantadora e de corpo tão torneado. Ele a seguiu.

— Espere!

De todos os homens da vila, ele não parecia ser tão mal. É verdade que ele era alto, forte, barbudo, tinha mãos enormes, olhos castanhos muito escuros, quase negros - assim como o de todos os humanos – e isso tudo poderia assustar muita gente. Mas ao mesmo tempo, ele tinha olhos meigos e estava lhe cortejando. Essas coisas poderiam ser um bom sinal, desde que ele não visse o rosto dela.

— Espere! – Ele acelerou o passou para alcança-la – Espere!

Em alguns segundos ele a alcançou, puxando-a pelo braço e virando o corpo dela para ele. O capuz de Damra caiu, revelando seu rosto e seus olhos azuis.

— Você é... é... é... é uma... você é uma bruxa?! – Disse o homem aos berros recobrando a habilidade de raciocinar.

Então os ruídos de todos os lugares se calaram, todos olharam para ela imediatamente, e começaram a sair de dentro das instalações, para conferir o que estava acontecendo.

— Ela é uma bruxa! – Gritou mais alto o guarda, virando-se para todos os outros.

Todos murmuraram uns com os outros e, em seguida, começaram a munir-se de arcos, espadas, escudos, lanças, baguetes, pedras, tochas, cordas, vassouras e tudo mais.

O guarda olhou para o rosto apavorado de Damra, com uma expressão de raiva. Ela começou a fazer força para conseguir fugir das garras do homem. Ele a soltou, derrubando-a no chão.

Apavorada, ela olhou nos olhos dele por cerca de dois segundos, em busca de compaixão, o que não encontrou. Então ela se levantou e saiu correndo, ao mesmo tempo em que o guarda voltou para sua mesa e pegou suas armas. Damra tinha deixado cair a sua cesta no chão, com todas as coisas e quando todos começaram a correr atrás dela, tudo foi pisoteado e esmagado.

— Peguem-na, mandem-na para a forca! – Gritou alguém no meio da multidão que corria atrás dela, mas Damra era ágil.

Ela segurou o vestido nas mãos para correr melhor e naquela imensidão de casas de madeira, conseguiu se esconder em um casebre abandonado e quase sem teto.

Todos passaram correndo pela pequena rua e Damra ficou para trás, mas ela tinha que chegar até a sua casa, que era a alguns metros dali. Teria que fugir da vila, mas e sua mãe? Ela não poderia ir junto. Mesmo que tivesse condições de correr, ela não seria bem vinda em nenhum lugar que não fosse de posses humanas, assim como uma bruxa não era permitida ali.

"É um risco que teremos de correr".

Damra olhou por uma fresta entre as tábuas da parede. Parecia que tinham sumido. Ela se levantou devagar, chegou à porta, olhou para os lados e para onde ela teria que correr. Sua casa. Não, não havia ninguém. Ela começou a correr como se sua vida dependesse disso, e dependia.

Chego a casa, abriu a porta com tudo, entrou rápido, fechou-a as suas costas, ficando apoiada nela, ofegante, enquanto tentando recuperar o equilíbrio.

Sua mãe ao ver a cena já tinha entendido tudo que aconteceu.

— Te descobriram?!

Damra fez que sim com a cabeça, estava muito ofegante para falar.

— Rápido que você não tem muito tempo. Daqui a pouco eles vão começar a invadir as casas a sua procura. – A mãe de Damra estava nervosa, tinha acabado de ganhar a sua filha e já iria perdê-la, talvez para sempre.

Ela andou com dificuldade até um baú, o abriu e tirou um lindo vestido azul de dentro dele, era da cor dos olhos de Damra. Tirou também uma bolsa grande com uma longa alça. Colocou alguns suprimentos do dia anterior, colocou quatro frascos com líquidos coloridos, uma adaga que estava dentro da bainha, uma manta, o vestido e fechou a bolsa. Damra nem conseguia acreditar que tudo coube lá dentro. A bolsa era grande, mas não era uma mala, e nem parecia que estava cheia.

Sua mãe ainda lhe deu um amuleto e prendeu em seu pescoço, era como uma enorme moeda de prata, com aproximadamente quatro centímetros de raio, tinha desenhos gravados nela, que lembravam a flora, o vento, o sol, tinham algumas inscrições em uma língua estranha, e era preso em uma corrente prateada curta, o que deixava o amuleto bem a vista.

— Eu ia te mostrar tudo isso esta noite. – Ela entregou a bolsa a Damra. Estava nervosa e falava rápido. - Quando você nasceu, tive que te mandar embora, pra um mundo onde não acreditam em dragões, unicórnios e bruxas. Era mais seguro, aqui descobririam ao olhar seus olhos.

— Mãe, eu... – Damra tentou dizer alguma coisa, mas foi interrompida.

A senhora estava ainda mais nervosa, e agora quase sussurrava com medo de serem ouvidas.

— Como você sabe, eu não sou uma bruxa, mas por algum motivo te carreguei no ventre. No dia que você ia nascer apareceram duas lindas mulheres de olhos claros na minha porta. Elas me ajudaram a dar a luz, e fizeram com que, de alguma forma, ninguém ouvisse os barulhos do parto, ou se lembrasse de que eu estava grávida.

— Eu não... – Foi mais uma vez interrompida.

Agora sua mãe olhava para todos os lados, de uma maneira quase insana.

— Elas disseram que teriam que te levar, ou você morreria. Disseram que um dia você voltaria para mim e me deram algumas das coisas que está em sua bolsa, como o vestido. Eu prometi que lhe entregaria um dia e aí está.

— Mas de onde elas vieram?

— Elas moram em um vale, depois das montanhas ao norte e das florestas, perto de uma cachoeira. Você tem que ir para lá. É de onde você veio e onde estará segura, com as outras descendentes. Procure suas mães!

— Minhas o quê?! Como assim?! E você?!

— Não a tempo para te explicar, o amuleto vai ajudar! E não se preocupe comigo, eu vou ficar bem! – Agora ela olhava para os lados, como se esperasse a morte bater a sua porta – Tem mais uma coisa. Os frascos contêm poções que podem lhe ajudar. Não confie em qualquer um, proteja-se e tome cuidado.

Ela foi até a porta para espiar se tinha alguém e tomou um susto. Eles já estavam vasculhando as casas do outro lado da rua.

— Meu Deus! Rápido Damra, saia pela janela dos fundos.

— Eu não posso! Não posso deixa-la!

— Eu devo ficar! Só iria atrapalhar. Meu lugar é aqui.

— Não! Eu não posso deixa-la! – Lágrimas despontaram dos olhos de Damra.

A senhora passou a mão nos cabelos da filha.

— Você TEM que ir. Eles estão atrás de você e não de mim. Vou ficar bem! – Ela disse sem convicção.

— Mãe...

— Eu te amo, filha - As duas se abraçaram. – Agora vá!

Damra subiu em um banquinho e passou a janela. Ainda segurando a mão de sua mãe e relutando em partir.

— Vai ficar tudo bem, filha. Eu prometo.

Ela lhe entregou a bolsa pela janela, e depois a mochila que Damra carregava, quando chegou naquele mesmo lugar algumas semanas antes. Ela apertou com força as mãos de sua mãe, e deu um beijo em seu rosto.

— Eu também te amo! – Ela fitou os olhos daquela mulher mais um pouco, como se estivesse registrando na memória, então soltou suas mãos e correu para a floresta que começava a alguns metros do casebre.

Quando chegou à primeira árvore, parou, olhou para trás e então prosseguiu.

Sua mãe enxugou as lágrimas, fechou a janela e deitou-se na cama.

Minutos depois sua casa foi invadida.

Entraram três pessoas pela porta, o primeiro deles era o guarda que descobriu que Damra era uma bruxa. Ele olhou para os lados da cabana que só tinha uma cama, um baú, uma bacia, alguns baldes com água, Ambos feitos de madeira, uma mesa baixinha, redonda e pequena, com dois banquinhos, além de algumas coisas espalhadas pelo chão. Olhou com uma cara de ódio, para a mulher que estava deitada, e disse:

— Vasculhem tudo! Revirem essa espelunca! Procurem por algum vestígio da Bruxa! – O homem saiu pela porta e mais dois entraram, revirando tudo, quebrando as poucas coisas que tinham para quebrar e jogando a pobre senhora no chão.

Já bem dentro da mata, Damra corria desesperada. A floresta era muito densa. Tinham árvores muito altas com troncos extremamente grossos, a folhagem das copas impediam que os últimos raios de sol do fim de uma tarde chuvosa penetrassem. Estava ficando muito escuro e Damra simplesmente corria para frente, rezando pela sua mãe, para que um dia pudessem se reencontrar.

Logo ela reparou que alguns cavalos começaram a se aproximar. Imaginou que fosse a cavalaria da vila e correu mais ainda. Olhou para o lado e viu homens em cima de cavalos segurando arcos e flechas, prontos para atacar e apontando para ela. Ela continuou correndo, mas um dos cavalos parou abruptamente a sua frente e logo ela estava cercada por eles.

"Droga! Eles me pegaram".

Ela sacou a sua adaga da bolsa para se defender como pudesse, até que um último raio de luz conseguiu penetrar pelas folhagens, iluminando um pouco a cena.

Agora que Damra conseguia ver melhor os cavaleiros, descobriu que não eram cavaleiros, não eram os homens da vila, eram centauros.

Essa descoberta lhe trouxe um momento de alívio, até que ela se lembrasse das flechas apontadas para ela. Olhando os dentes serrados daquelas criaturas e os músculos tensos prontos para mata-la, o medo deu lugar à curiosidade. Ela nunca tinha visto centauros antes. Não sabia se seriam amigáveis com ela, já que com certeza não seriam com um humano. Damra parou de olhar para a parte do centauro que unia o tronco de homem com o corpo de cavalo e olhou diretamente para os olhos do que estava bem a sua frente. A luz fez seus olhos azuis brilharem na semiescuridão e iluminar a adaga que segurava na mão.

O centauro vacilou ao ver seus olhos, mas foi só ao olhar a adaga que ele abaixou o arco. Manteve os olhos cravados na lâmina por mais alguns instantes, analisando as inscrições que ele não sabia ler, mas reconhecia a origem. Ela era uma bruxa. Então deu sinal para os outros centauros, falou alguma coisa para ela em uma língua estranha, fez uma reverência com a cabeça e partiu galopando com os outros para dentro da floresta.

Damra ficou parada por alguns segundos, retomando o fôlego. A adrenalina lá em cima. Olhou para a adaga e viu sua forma e inscrições. Ela não tinha olhado a adaga antes, porque a recebeu na bainha.

"Suavidade" – Ela pensou.

Ela leu as inscrições tão espontaneamente, que demorou alguns segundo para que perceber que estava escrito em uma língua que ela não sabia nomear.

"Suavidade... Esse é o significado do meu nome."

Então no meio da escuridão atrás dela surgiam luzes de tochas latidos de cachorros, o trotar de cavalos, e as vozes de pessoas sedentas de sangue. Desta vez ela tinha certeza, só podia ser as pessoas da vila atrás dela.

"Se já estão na floresta, devem ter machucado minha mãe".

As lágrimas despontaram em seus olhos.

Com a mochila nas costas e a alça da bolsa que sua mãe lhe deu cruzando seu tronco, ela precisava voltar a correr. Então, olhando uma última vez para trás, foi o que fez.

Minutos depois eles estavam bem mais próximos. Os cães tinham farejado o seu rastro. Mas ela ganhou um tempo a mais por causa de alguma coisa que aconteceu com os seus carrascos. Embora não fosse possível enxergar o que acontecia naquela luz escassa, Damra podia ouvir. E um barulho intenso de gritos, indicava que eles estavam enfrentando problemas.

"Tomara que sejam os centauros!"

Mas não demorou muito para que eles voltassem a diminuir a distancia e já pudessem vê-la de longe. Os cavalos se adiantaram e dessa vez não eram os centauros – Reconheceu os cavaleiros pelas lanças e o excesso de tecidos espalhados pelo próprio corpo e pelo corpo do cavalo.

Antes que percebesse, Damra saiu da parte coberta das árvores, agora já iluminadas pela lua, que despontava no céu. E com alguns passos para frente, ela estava dentro de um rio que cortava a floresta em duas. Com água na altura dos joelhos, ela andava o mais rápido que podia, porém a correnteza limitava seus movimentos. Mais alguns passos, e a água chegou na altura do umbigo, mesmo assim ela não parou. Segurava a bolsa na mão, acima da cabeça. Com esforço ela avançava em direção a várzea. A água começou a baixar e pouco depois, Damra já estava de volta no meio da floresta. Ensopada e correndo entre as árvores.

As emoções alternavam entre medo, raiva, cansaço e tristeza. Mesmo assim ela continuava a correr. Mas seus carrascos eram mais rápidos. Os cavalos, os cães, as tochas, as armas e as pessoas logo atravessaram o rio e estavam muito próximos.

Ela quase podia sentir o calor de suas tochas e seus corações.

A distância diminuía mais. Ela driblou algumas árvores. Continuou correndo. Não conseguia enxergar. Gritos e palavrões. Estavam em cima dela. Latidos e trotar. Ela estava rodeada por animais montados em cavalos, os cavaleiros. Rottweilers e Dobermanns mostravam os dentes. As pessoas logo atrás. As tochas lembravam as fogueiras. As armas apontadas. Era seu fim. Corria o mais rápido possível. Parecia voar. Flechas apontadas. Espadas em punho. Cães a dois metros. Tropeçou. Dez flechas disparadas. Cães a um metro. Queda ao chão. A adrenalina no máximo. "É o meu fim!". Frações de segundos. Ela sorriu. Homens gritavam. Uma lágrima escorreu. Uma lembrança. Amigos. Dentes a mostra. Felicidade. Pedras no ar. Seu lugar favorito no mundo. Espadas em movimento. "É o meu fim!". Bateu no chão. Desapareceu.


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