Conhecimento Adquirido e Não Confesso escrita por Tai Bluerose


Capítulo 3
A Vida Que Pairava Nas Trevas


Notas iniciais do capítulo

Olá novamente.
Nesse começo não teremos muita coisa diferente do que vemos na série, mas preciso seguir a linha cronológica e justamente por isso abordarei esses eventos o mais rápido possível. para não nos demorarmos muito.
Eventualmente alguns eventos e falas poderão aparecer em ordem e com personagens diferente.

O capítulo ficou extremamente grande, por isso dividi em dois, logo posto a outra parte.

Boa leitura.



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A Vida Que Pairava Nas Trevas

 

Caro Will,

Todos nós encontramos uma nova vida, mas nossas vidas antigas pairam nas trevas.

Temo que em breve Jack Crawford vá bater a sua porta. Como amigo, eu o incentivaria a não dar um passo atrás na porta que ele abrir. É sombrio do outro lado e a loucura o aguarda.

Atenciosamente,

Hannibal Lecter

.

.

Marathon, Flórida

Quando vi o noticiário sobre a morte da família Jacobi, eu não quis admitir, mas eu já sabia que tipo de crime era aquele. Que tipo de assassino era. E algum tempo depois, veio a segunda família, os Leeds. Eu estava certo de que em pouco tempo haveria uma terceira. Assim como eu estava certo de que em breve receberia notícias dele.

Há um ditado que diz “quando o diabo não vem, manda o secretário”. No meu caso, o diabo me envia primeiro uma carta escrita de próprio punho, e só depois seu secretário aparece. Embora o secretário não saiba que está exercendo tal função. Ou talvez saiba e não dê a menor importância.

Jack Crawford apareceu dois das depois da carta de Hannibal chegar. Era bom rever um rosto conhecido, mas eu não estava nada feliz com sua visita. Jack trazia consigo o passado que eu deixei para trás. E eu sabia, desde os Jacobi eu sabia, alguma coisa havia despertando em mim. Não era... sensato... voltar.

 – Não adianta, Jack, não vou voltar. Eu não faço mais isso. Tenho uma vida boa aqui. Decidi parar, nem sei como te explicar o porquê de eu parar. Mas parei.

 – Eu entendo. Você se machucou da última vez.... Você me parece bem em forma agora. Preciso de alguém com o seu talento especial, Will.

 – Que talento especial? Tudo o que eu fazia era perfilar, como todos os outros. Eu não faria grande diferença se fosse com você.

 – Não. Não, Will. Você fazia mais que apenas traçar perfis. Você conseguia entrar na mente dos assassinos, ver as coisas do ponto de vista deles, enxergava detalhes que ninguém mais via. Preciso da sua empatia nesse caso.

 Odiava quando falavam da minha empatia como se fosse algum tipo de dom divino. Estava mais para maldição. Empatia é aquilo que te torna próximo de outra pessoa, no meu caso, ela foi a responsável por me manter isolado.

 – Sei que você odiava aquilo, fazer essa conexão com esse tipo de gente. Mas também sei que você gostava de ajudar, de salvar vidas. E esse cara já matou duas famílias inteiras,Will.

Jack Crawford era um bom pescador, e ali estava ele jogando sua melhor isca. Ele dispôs as fotos dos Jacobi e dos Leeds sobre a mesa de modo que eu as pudesse ver. Não eram fotos dos crimes, eram retratos de famílias. Pais e filhos sorrindo. Pensei em Molly e em Walter, e em como eu me odiaria se outra família acabasse morta e eu não tivesse feito nada.

Jack me deu um tempo para pensar e voltou naquele mesmo dia para jantar conosco. Ele e Molly não se deram lá muito bem. Duas personalidades fortes costumam se bicar, ainda mais se uma quer desesperadamente te arrastar para longe e a outra quer desesperadamente te manter perto. Quando ficamos sozinhos, discuti o assunto com Molly.

 – Quem o ouve falar até acredita que ele não tem um prédio inteiro cheio de outros investigadores que podem muito bem fazer isso. Por que tem que ser exatamente você?

 – Porque sou um especialista forense, Molly.

 – Eu sei em quê você é especialista, Will. Eu li no seu diploma, o mesmo que você usou para tampar um buraco no teto. E você mesmo me disse que aquele trabalho te fazia mal. Se você sentisse falta do seu trabalho, da sua antiga vida, teria falado, mas você nunca comentou sobre isso. Nunca. Você está bem melhor agora, mais sociável, mais tranqüilo.

 – Temos passado um tempo bom, não é? – eu pretendia fazer uma afirmação, mas o que saiu da minha boca foi uma pergunta. E pela expressão de Molly, aquilo soou como se eu tivesse dúvida sobre o fato, pior, como se o nosso tempo juntos fosse passageiro. Antes que eu pudesse corrigir, Molly continuou:

 – Eu te conheço, Will. Sei que não vai conseguir ficar longe do perigo se achar que é necessário. Tenho medo que esse maluco, sei lá como vocês o chamam, faça com você o mesmo que o último fez.

Molly não sabia de todos os pormenores sobre o caso Hannibal, sabia apenas o suficiente. O que eu julguei suficiente. Ela tinha conhecimento das consequências visíveis. O isolamento, a tristeza, os pesadelos, as cicatrizes. Mas essas coisas eram o de menos. O que aconteceu comigo no caso Hannibal, só aconteceu porque eu cheguei perto demais.

 – O que eu faço então? – deixei a pergunta no ar. Molly passou a mão pelo cabelo e olhou para o outro lado.

 – O que você já decidiu. Você não veio aqui para pedir minha opinião, veio para me informar da sua. Se fosse por minha vontade, você nunca sairia do meu lado. – Ela fez uma pausa. –  Mas esse monstro mata famílias. Você precisa ir e ajudar a impedir isso.

 – Eu quero ir. Mas não sei se devo.

 – Se você não for e outra família for morta, você vai ficar se culpando por isso. Eu sei que vai.

Eu sentia que uma parte de mim ganhava vida nova, se arrastando do canto mais escuro da minha mente em direção à luz. Criava em mim um desejo de regresso por mais que eu dissesse que devia ficar ali, com Molly e Walter. Essa parte estava curiosa para saber o que aconteceria a seguir e isso me dava medo. Isso me assustava.

 – Se eu for... posso estar diferente quando eu voltar.

 – Eu não – ela passou os braços em volta de mim. Encaixou a cabeça no meu pescoço. – E vou estar aqui, te esperando.

.

.

Saí para pescar com Walter um dia antes da minha viagem. Molly tirara o dia de folga para ficar conosco. Ela evitava tocar no assunto para não machucar a nós dois. Passamos o máximo de tempo juntos. Admirava a cor de seus cabelos ao sol, brilhantes como ouro. Apreciava seus beijos gentis.

Molly me ajudou a fazer as malas e Walter me ajudou a levá-las para fora quando o táxi chegou.

 – Tchau, gato. Vê se se cuida – Molly me deu um beijo de despedida.

 – Faça uma boa viagem , pai – Walter enlaçou minha cintura. Os cachorros pulavam ao nosso redor.

 – Obrigado. Vê se cuida da sua mãe – baguncei o cabelo dele.

 – Cuido sim.

Senti-me imensamente triste ao partir. Uma parte de mim gritava para que eu ficasse ali com eles. Meu coração se dividiu e eu já sentia saudades. Mas seria apenas por pouco tempo, logo eu estaria de volta.

Era por pouco tempo.

.

.

Quântico, Virgínia

Estar de volta aquele trabalho me fez sentir como se estivesse em casa outra vez. Minha casa agora era outra, porém. Mas a nostalgia era doce.

A familiaridade do cenário me encheu de uma estranha felicidade, uma sensação de contentamento e adrenalina que não sentia há muito tempo. Três anos para ser exato. Cada pessoa concentrada em sua função, todos correndo contra o tempo para colher provas, seguir pistas, analisar evidência, na expectativa de apanhar o criminoso e salvar quantas vidas possíveis.

Eu gostava de tudo aquilo.

Logo eu estava no ambiente que não me agradava muito: o cenário dos crimes. Fui visitar primeiro a casa dos Leeds. Demorei um pouco para conseguir visualizar o que aconteceu ali, e tive dificuldade para compreender o ponto de vista daquele assassino. Acho que estava enferrujado. Foram três anos evitando empatizar com a mente de qualquer pessoa, principalmente com a de maníacos assassinos. Era difícil ter de retornar de uma hora para outra.

No fim, não consegui muita coisa além do que a perícia já havia averiguado. O assassino estava sincronizado com a Lua. As duas famílias foram mortas exatamente em noites de Lua cheia. Ele matava primeiro marido e filhos, e arrastava os corpos para o quarto do casal, onde os posicionava de modo que “vissem” o que ele faria com as mães. Elas eram mortas por último. Ele quebrava todos os espelhos da casa e os colocava nos olhos das vítimas, queria se ver refletido neles. Não, queria que eles o vissem.

A imprensa apelidou o assassino de Fada do Dente. Algum tipo de piada sobre o fato do assassino morder suas vítimas. Segundo Brian Zeller, o sujeito tinha dentes horríveis ou usava algum tipo de dentadura medonha. Ninguém na BAU soube dizer como essa informação chegou à imprensa, nem quem fora o primeiro cretino a chamar o assassino de Fada do Dente. O fato é que o nome pegou.

No fim, a única coisa mais inusitada que meu relatório apresentava era um questionamento sobre o que teria acontecido com o cachorro dos Ledds. Pelas fotos, eu sabia que eles tinham um, mas o cachorro não estava presente na noite do crime. Jack achou que fosse apenas mais da minha fixação por cães, mas como eu insisti para que eles tentassem descobrir se os Jacobi também possuíam um animal de estimação, ele resolver averiguar.

Eu estava certo. Os Jacobi tinham um gato. O assassino, por algum motivo, matava primeiro o bicho de estimação da família. Talvez para eliminar o sistema de alerta.

Jack estava me pressionando, e eu não o recriminava. Ninguém queria outra família morta, e se outra aparecesse o governo e a mídia cairiam em cima dele como lobos famintos. No entanto, por mais que eu tentasse, não conseguia me focar, fazer a ligação. Acho que Jack esperava que eu fosse como antes, quando eu decifrava o assassino em uma única visita ao local do crime. Mas agora não era como antes, não exatamente.

 – Eu falei que estava enferrujado, Jack. Sinto muito por não fazer mais – eu estava na sala de Jack. Ele, atrás de sua escrivaninha, me observando atentamente.

 – O quê? Se não fosse por você jamais teríamos descoberto a digital no olho de Valerie Leeds.

 – Digital parcial. O que acabou não sendo de grande utilidade, o sujeito parece não ter tido passagem pela polícia.

 – Você só precisa de mais tempo. Eu acredito na sua capacidade, Will. Faça o melhor que puder. Você conseguiu capturar Garrett Hobbs, Eldon Stamitz, Elliot Buddish.

 – Sim... Mas eu tive ajuda.

Jack se recostou no espaldar de sua cadeira. Tive a sensação de ser fisgado. Eu sabia que era uma armadilha e caminhei para ela por vontade própria. Não compreendia muito bem porque, mas desde que botei os pés em Quântico, tinha um pensamento em mente. Como se não tivesse fugido disso todos esses anos. Dizia a mim mesmo que não era prudente. Mas levando em consideração meu baixo desempenho até então, julguei não ter alternativa. Eu sabia que Jack já esperava por essa atitude minha. Talvez fosse o plano dele desde o início. Então, falei de uma vez.

 – Nós podemos esperar até a próxima Lua cheia e deixar que a pressão e o desespero façam meu cérebro funcionar ou...  Podemos agir agora, enquanto ainda pode ser útil.

 – O que você sugere?

 – Preciso recuperar minha perspectivava. Preciso ver o Hannibal.

.

.

.

Baltimore

Encontrei Alana Bloom no Hospital Estadual de Baltimore. Ela usava um terno elegante, cabelos presos, e parecia mais madura. Até seu modo de falar era diferente. Não tinha mais a doçura de antes, era firme e decidida. Ela ficou contente em me contar as novidades: ela e Margot tinham um filho, que ela mesma gerara. O tão desejado bebê Verger. Ela também ficou receosa com o motivo na minha presença ali.

 – Não se preocupe comigo, Alana. Não vou ceder a ele.

 – Não estou preocupada só com você. Da última vez ele não parou em você?

Não, claro que não. Hannibal tinha o dom de afetar a todos ao seu redor.

Pedi para que não avisassem Hannibal sobre a minha ida. Eu não queria dar a ele tempo para planejar maneiras diferentes de me manipular. Se é que ele precisava de tempo para isso.

E ali estava ele. O Estripador de Chesapeake. Hannibal, o Canibal.

Ele estava numa cela especial, absurdamente diferente dos cubículos frios que os demais presos ocupavam naquele hospital penitenciário. Era um espaço amplo, cujas paredes imitavam as paredes de uma casa ou escritório requintado. Havia uma estante com livros, uma cama simples no canto direito, uma mesa no centro. Ele remexia papéis sobre a mesa, estava de costas para mim. Usava o macacão padrão dos internos, mas o seu era branco. Não havia grades. Uma parede de vidro reforçado o mantinha separado dos visitantes. O vidro tinha pequenas aberturas circulares para permitir a passagem do som e do ar.

Não fiz qualquer barulho quando passei pela porta, nem disse coisa alguma, mas ele notou a minha presença praticamente no mesmo segundo em que entrei.

 – A mesma loção pós-barba atroz que você usou no tribunal.

Hannibal virou-se para me encarar. Ele continuava sério, mas eu podia perceber um traço de contentamento em sua expressão. Ele estava feliz em me ver.

 – Olá, Will.

 – Olá Dr. Lecter.

Como continuei afastado, Hannibal deu três passos à frente, aproximando-se do vidro.

 – Recebeu o meu bilhete?

 – Recebi.

 – Você o leu ou simplesmente o jogou no fogo?

 – Eu o li e depois o queimei.

Hannibal inclinou a cabeça e fechou os olhos momentaneamente, percebi que ele estava analisando o meu cheiro. Engoli em seco. Sua presença ainda tinha um forte efeito sobre mim. Tentei manter a serenidade, mas o receio e ansiedade me faziam suar. Meu coração disparava pelo simples som da sua voz. Sentia-me tonto. Eu estava com medo, só não sabia exatamente do quê.

Talvez não fosse tanto medo do Hannibal, mas medo de como eu reagiria a ele.


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Notas finais do capítulo

Como eu disse, a segunda parte desse capítulo será postada logo logo. Então, fiquem de olho.

Me contem o que vocês acharam, até ^--^/



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