A Única Cor escrita por Gwynbleidd


Capítulo 2
Ato 1 - As Cigarras e a Cor


Notas iniciais do capítulo

Tai gente... orz



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O barulho das cigarras, o canto... Ou talvez choro? Quem diabos entenderá o que esses insetos falam? A grande palmeira está repleta delas, tantas quantas as gotas de orvalho da manhã. Ou é um exagero? Não existem tantas cigarras em uma única arvore.

Allie acordou, levantou e vegetou. O que faria agora? Foi até a janela do quarto e a empurrou com ambas as mãos, vento frio o tocou e beijou o seu rosto como uma amante assassina. “Hora de sair... Um lugar especial em que você goste de estar...”. Perturbou-lhe com os pensamentos que de tão intensos assemelham-se a sussurros no ouvido.

Lá longe, no último quadro que sua visão conseguia fixar da rua, passou um guarda chuva vermelho parecendo ser o mesmo de ontem, tão real e ao mesmo tempo surreal. Sua boca entreabriu e gemeu.

—Ah...

“Minha mãe morta por causa de uma disputa de poder?” Voltou a pensar naquilo que não fazia sentido algum. Arule-se.

Arule, sentido. Proposição se, negação de algo. Aquilo que não tem sentido algum.

 

*Diimm Doom*

A campainha de sua casa tocou.

O olho secreto revelou.

 

A grande visita indesejada, grande substancial, literalmente grande e cheia de substancias.

—Allie! É o seu tio!— O tal tio berrou como um boi do lado de fora até que a porta abriu, o garoto o olhou de baixo para cima, a barriga grande daquele homem poderia golpeá-lo tranquilamente no queixo e derruba-lo no chão. Nocaute!

—Oras por que demorou querido? Você está bem?

Os olhos escuros dele fisgaram toda a casa em busca de algo. A voz cínica de um ladrão de parentes querendo dinheiro, relógios, bens? Qualquer coisa que pudesse meter a mão e render-lhe dinheiro depois. A doce ganancia.

—Sim...— Respondeu com um gemido fraco, quase sem substancia.

O tio gordo passou por ele empurrando-o de qualquer maneira para o lado, não demorou para ser seguido pela bruxa de sua esposa que passou as mãos nos cabelos de Allie, uma preocupação falsa que era enfiada goela abaixo do pequeno.

—Eu e seu tio decidimos cuidar de você, não podemos deixa-lo sozinho e ainda mais nessa casa tão grande.— Destaque para o grande. — É perigoso e existem muitos bandidos nos dias de hoje. Decidimos nos mudar para cá, nos dois os seus amados tios.

Enquanto a mulher enche de abobrinhas a cabeça do garoto, a mão peluda do tio-boi agarrou uma estátua de um dragão feito de rubi, um vermelho lindo tão bem polido que parece um espelho, o coração do garoto se apertou, afinal aquele dragão era de seu pai, a única coisa vermelha da sala, o pai que Allie nunca conheceu por ter morrido quando era muito pequeno. Nem uma lembrança, sentimento, exceto o dragão... Dragão... Pai.

—Por favor tio, coloca a estátua no lugar.

Suplicou com olhos de um cachorro e sabendo dos sentimentos do garoto pelo objeto bobo, mas muito valioso, debochou dele.

—Moleque, sua mãe inventou essa história de pai... Ela nem sabia quem era seu pai e criou todo esse mundo para não te magoar, morando conosco você vai ser muito mais esperto.

—Mentira!— Allie respondeu irritadíssimo, vermelho de raiva.

—Allie!!— A tia puxou a orelha do menino que gemeu de dor e de susto pelo que viria a acontecer nos próximos segundos.

1..

Tudo foi tão rápido que ele gravou apenas algumas coisas com sua visão medíocre.

 

Mão...2... Sangue...2,5... vermelho...2,7... Gritos...3... Mais vermelho...3,5... A tia caindo no chão...4,5... E por último um guarda chuva vermelho encostado no chão sem uma gota sequer de sangue.

5...

 

—Ahhhhh!

A mulher gritou desesperada sacudindo o cotoco ensanguentado, pintando toda a parede e o chão com o rubro, uma maravilhosa cor tão desperdiçada em um corpo sujo. O tio-boi largou a estátua que caiu e se despedaçou no chão como uma bexiga d’água estourando, pedaços dos mais diversos tamanhos espalhando-se pelo chão, refletindo arco ires sem cor pela luz.

—Lindo, não acha?— A voz perguntou a Allie, era ela, a moça do guarda chuva vermelho.

—O que é lindo?— Perguntou tonto, sedado, confuso, com medo.

—O vermelho.

A mulher continuava a gritar segurando o seu braço aleijado.

Irritante...

—Oras! Cale a boca já estou por aqui com você!

Os olhos da mulher tornaram-se vermelhos de uma maneira totalmente sobre humana, Allie nunca viu algo dessa magnitude. É tão lindo que parece com a explosão de uma estrela, redemoinhos de fogo, ondas escaldantes capazes de destruir universos, o escarlate em meio a um fundo preto morto. Como pode algo que da a vida também tira-la? Quão ruim somos nós as criaturas pecadoras?

Sem saber como ou quando, Allie viu o braço da tia pegando fogo, uma chama tão vermelha e viva que cauterizou o cotoco da tia e estancou o sangramento, a mulher não era uma assassina. E com a ponta do guarda-chuva nocauteou a bruxa, certamente não é uma assassina, certo?

O homem gordo se escondeu atrás do sofá, sua respiração está tão forte que seria impossível não escuta-lo, nem mesmo o irritante barulho das cigarras o encobertariam. O plantio não é obrigatório, mas a colheita sim e sabe o que nasce quando não se planta nada? Ervas daninha e joio. O joio será lançado na fornalha de fogo.

Novamente aquela imersão, sentimento o calor e o fogo, está para acontecer novamente, mas uma mão pequena e inocente pode parar tudo aquilo.

Allie segurou o vestido da mulher e seus olhos se cruzaram, o vermelho da morte e o cinza do nada... Ele não era nada, mas mesmo assim ela parou.

—Allie? Venha comigo e eu te levarei a seu pai.

—Eu...— Gaguejou, não sabia o que dizer, novo demais para tomar essa decisão, então ela falou.

—Espere aqui.

A moça pegou seu guarda-chuva e caminhou pela sala, caminhou não seria a palavra correta, ela desfilou pelo trajeto, com sua bota preta de salto alto chutou a mão que um dia foi daquela mulher escrota e chegou na estátua quebrada, remexeu nos pedaços com a ponta de seu pé até encontrar um anel, o verdadeiro rubi. Ao ver o objeto os olhos do tio brilharam e ele chegou a cogitar em pega-lo, mas a ponta do guarda-chuva/arma brilhou ainda mais e ele repensou no assunto.

Após pegar o anel a moça o levou e colocou no dedinho de Allie.

—Um pouco grande... Mas um dia vai servir, guarde bem por que essa é a sua herança, presente do seu pai para sua mãe e de sua mãe para você. Agora pode decidir se quer ficar, ou vir... Eu não saberia de tudo isso a toa.

E ela virou de costas, saiu cantarolando como se nada houvesse acontecido. É apenas mais um dia normal e as cigarras cantam.

“Eu odeio cigarras, orké”— A moça do Guarda-chuva Vermelho.

 

Orké=Algo que se despreza muito. Que lhe da mal sentimento.


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Notas finais do capítulo

Uhuu o/ Se gostou não esquece de deixar um comentário. É muito legal



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