Decadência escrita por Lawliette


Capítulo 1
I




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O vento rugia naquela noite, trazendo o entoar violento de galhos chocando-se uns contra os outros. A floresta, fechada e sempre escura mesmo nas noites de lua cheia, agora mais do que nunca parecia algum tipo de criatura furiosa, berrando ameaças incompreensíveis aos céus.

De vez em quando, um uivo deformado podia ser ouvido próximo, muito próximo às três figuras que corriam pela mata, a dificuldade aparente em se mover presente em todos os seus movimentos. Os grunhidos reais de fúria, acompanhados dos passos rápidos atrás deles era a única coisa que os preocupava. A fera era rápida, e as chances do grupo de escapar de suas garras não eram muitas, para não dizer mínimas.

A figura maior corria na frente, apenas um borrão vermelho seguido de outros dois; um relativamente pequeno, acompanhado pela última figura, líder do trio.

O temor do grupo estava mais do que palpável. A cada rugido furioso, um arrepio cruzava-lhes o corpo, do pescoço até a ponta da cauda. Tentavam apressar o passo, obrigar suas pernas a trabalhar ainda mais, mas, no fim, tudo acabava frustrado pela força e resistência que não possuíam. E o maior motivo de atraso de ambas as figuras maiores resumia-se no canídeo do meio: um filhote apenas, tendo de dar o dobro de esforço para acompanhar a figura mais velha, muito a frente de si. Por mais que o terror da situação o impelisse a continuar, já se podia ver os sinais de cansaço do pequeno. Ele não aguentaria muito tempo assim.

— Vamos, Ivan, mais rápido! — A figura de trás ralhava, o tempo todo ameaçando-o a continuar com seus rosnados.

Ivan, sem fôlego para respondê-la, apenas continuava deslocando-se para frente. As ameaças pareciam apenas ter o efeito contrário; a cada segundo, a velocidade caía ainda mais. E, em contrapartida, os uivos animalescos apenas se aproximavam.

A última figura estalou a língua. No momento seguinte, aumentou a própria velocidade, ultrapassando o mais jovem para acompanhar o primeiro da fila.

— Fique por trás — ordenou ela, antes mesmo que a expressão confusa do canídeo se exteriorizasse em uma pergunta. — Tenho a impressão de que precisaremos de sua força para carregá-lo em breve. Se precisar, proteja o Ivan.

Por um momento, ele apenas encarou a líder, um brilho de alguma coisa cruzando seu olhar.

— Certo — disse, por fim, e a formação foi refeita. Ivan continuou lutando para permanecer no ritmo, e os rugidos ameaçadores continuaram a tentar vencer a fúria da floresta.

A tensão aumentou ainda mais. Os passos antes sobrepostos pelo vento agora pareciam mais altos nos ouvidos já apurados do grupo. Rápidos, sempre presentes, apenas antecipando um momento que — ele sabia —, iria chegar.

Eles tinham de fazer alguma coisa.

— Mãe! — berrou a última figura da fila. — Encontre um abrigo com o Ivan. — E para esclarecer quaisquer dúvidas, diminuiu o passo.

— O que?! Que está dizendo, Grisha?

— Vou tentar arranjar tempo, mãe. Vocês podem fugir enquanto isso.

As iris esmeralda da fêmea encheram-se de terror.

— Não! — respondeu ela, um momento depois. Toda a rigidez que tentou impor em sua voz desmoronou em suas próximas palavras: — Nós não vamos te deixar para trás, Grisha. Um bando caminha sempre junto.

— Mãe, somente encontre um abrigo! Eu alcanço vocês depois!

— Grisha, não vamos te deixar para trás!

Um latido estridente cortou-lhe os ouvidos. A fera estava alcançando-os.

— Tire o Ivan daqui! — ordenou Grisha, enfim parando. Não houve tempo de contrariá-lo.

Em questão de segundos, o lobo o alcançou. Jogou-se contra o corpo muitas vezes menor que era o de Grisha, ambos enrodilhando-se numa batalha feroz.

Ivan berrou o nome do irmão, também parando imediatamente de correr. Indignação, medo, angústia, terror; havia um misto de emoções cruzando a voz do canídeo mais jovem. Suplicou-lhe para que parasse, voltasse para fugir da ameaça tão próxima.

Aquela altura, porém, já era tarde demais.

A líder felizmente reconheceu a gravidade da situação no momento em que os rosnados começaram a encher seus ouvidos. Puxou Ivan pelo pescoço, e sem nem ao menos olhar para trás, afastou-se com o filhote. Com ele aos berros e gritando pelo irmão, sim, mas ainda o fez.

A situação pedia uma ação rápida, afinal. Por mais que os sons da luta que deixava para trás lhe pesassem a cauda, alguma coisa tinha de ser feita. No entanto... No entanto, a atitude de Grisha fora quase como declarar a própria sentença de morte. Havia visto o tamanho daquele lobo, havia quase sentido o peso de suas garras em suas costas. Nem mesmo Grisha, com toda a sua força, tão parecido com o pai, seria capaz de dar conta de um lobo.

Oh não, cada passo em busca de segurança era como uma facada no peito da mãe. Cada súplica para voltarem e trazerem Grisha de volta do filhote era um aperto a mais no coração. Não, agora já não havia nada mais a ser feito senão garantir a segurança de sua última cria. Quem sabe este, ao menos, ela conseguiria salvar.

Atrás de si, soou um grito de dor. Grisha. A voz de Grisha.

O silêncio caiu na floresta apenas por alguns segundos, restando apenas grunhidos guturais do fundo da garganta de uma fera. O coração da mãe e líder do grupo havia acabado de ser feito em pedaços.


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