Batizado escrita por Gabi


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Eu sempre tive muito receio de postar qualquer coisa que escrevesse, com muito medo de não gostarem e acharem ruim, mas esse medo foi embora.



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Maria Rosália Carmelo tinha um plano, ficar na linha. Simples e direto se você não tivesse nascido, é claro, na família Carmelo, mas Maria não se abateria tão facilmente, como a avó de Maria sempre dizia “os Carmelo não desistem” e ela não desistiria. Tinha um propósito, um plano e iria segui-lo.

A primeira vez que a ideia de não seguir os passos da família se abateu sobre Maria foi no batizado do seu irmão, aos cinco anos. Ela usava um belo vestido de babados cor de rosa que combinavam perfeitamente com a fita no cabelo, a mãe tinha-lhe feito cachos e mandado-a sentar no sofá e esperar como uma boa menina. Todos estavam animados na casa, haveria uma grande festa quando voltassem da igreja, pois a família Carmelo adorava grandes festas, a mãe, as tias, as primas e a vó corriam lá em cima apreçadas em se arrumar, os empregados aqui em baixo, corriam apreçados para arrumar tudo, pois o Sr. Carmelo, pai de Maria gostava de tudo pronto com antecedência. Maria então foi relegada ao sofá diante da confusão em comemoração ao nascimento do primeiro filho homem do Sr. Carmelo, Rafael. Então foi com alívio e extrema alegria que Maria recebeu a risada do tio Dani, o mais novo dos irmãos Carmelo, de detrás da porta de entrada.

—O que está fazendo? Alguém disse, enfurecido.

—entrando, ora Toni...

—por trás, idiota!-houve uma pausa, seguido dos sons de passos- agora vão!

Depois de um minuto, Toni, Antonio Carmelo, o mais velho dos irmãos Carmelo entrou pela porta, alto, de ombros largos e com uma eterna carranca no rosto. Parou, frente a frente com Maria, olhou para um lado, olhou para o outro, depois para Maria, só tinham os dois ali.

—cade sua mãe?

—lá em cima se arrumando

—sua vó?

—também

Sr. Carmelo olhou para as escadas talvez na esperança de que Deus recebesse sua oração e mandasse alguém. Coçou a cabeça.

—certo

O Sr. Carmelo era um homem de poucas palavras, e como maria descobriria no futuro, menos ainda com ela. Isso por que, não nasciam mulheres na família Carmelo, o avô, o primeiro Sr. Carmelo, o mais velho de sete irmãos homens, viera da Itália aos vinte e um anos e se casara com a avó, transformando-a na senhora Carmelo, da união tiveram quatro filhos, todos homens, Antonio, Italo, Pablo e Danilo, que se casaram e tiveram todos filhos homens, com exceção é claro do Sr. Carmelo, pai de Maria.

—então o que você esta fazendo aqui em baixo? Maria levantou a cabeça, pois não se desviava o olhar para falar com o Sr. Carmelo, olhava-o nos olhos, sempre.

—esperando, mamãe mandou esperar.

—certo -O Sr. Carmelo olhou para baixo, encarando Maria, procurando algum sinal de mentira ou talvez de que ela não fosse sua filha. Maria já tinha ouvido coisas sobre isso, palavras ditas sem pensar na sua frente ou cochichos pelo corredor entre as empregadas, mas com o passar do tempo à semelhança ficaria inegável, não só pelos olhos atentos e os cabelos igualmente escuros ou a pele azeitonada, mas pela inteligência, a perspicácia e as vezes ferocidade. Muitas vezes no futuro ouviria “é igual ao pai” ou “lembra muito ele naquela época não?”- então vá brincar.

Maria acenou, enquanto o Sr. Carmelo passava por ela e parava um momento para por a mão em sua cabeça ‘’e entrava em seu escritório.

ela ficou um longo tempo parada olhando a porta fechada, questionando se aquilo tudo fora real, pois em todo o seus cinco longos anos de vida aquela era a primeira vez que os dois tinham um momento de pai e filha.

O momento veio e passou e o resmungar alto seguido de uma risada fez Maria acordar e correr até o quintal, afinal seu tio Dani estava em casa, que diferente do Sr. Carmelo, era divertido e sempre estava disposto a brincar com Maria.

O quintal atrás da casa assemelhava-se muito a uma clareira, cheio de árvores ao redor e um amplo espaço vazio no meio onde o gramado corria livre em dias normais, mais hoje estava cheio de longas mesas fazendo pares com inúmeras cadeiras brancas.

O primeiro sinal de que havia alguma coisa errada foi a total falta de empregados, afinal eles haviam passado a manhã toda arrumando tudo para a festa, não fazia sentido deixar as coisas pela metade, logo agora que o Sr. Carmelo estava em casa.

Mas Maria não se importou com isso, continuou a andar até descobrir a origem da voz de seu tio. Encontrou-o em frente ao casebre de madeira que a avó usava para guardar as pás de jardinagem.

Tio Dani estava ali, assim como os amigos do Sr. Carmelo que sempre vinham para as festas ou ficavam horas trancados no escritório. Estavam em circulo, com um homem no meio. Numa espécie de brincadeira macabra onde ninguém quer participar. Maria chegou mais perto, pronta para avisar que estava ali, quando aconteceu.

Maria não chorou. Mas tarde, anos depois ela se lembraria de tudo desse momento. Tio Dani e os amigos do pai empurrando um homem de terno azul com rosto ensanguentado. Tio Dani chutando-o para que ele se ajoelha-se.

“não! Não! Por favor não!”

“essa é a ultima vez que nos rouba desgraçado” tio Dani ria, como quando brincava com ela, mas eles não estavam brincando.

“não, Dani eu juro eu não...”

Tio Dani enfiou uma bala na testa do homem.

Mas Maria não chorou, em nenhum momento. Ela sabia o que tinha acontecido ali. Nunca tinha visto, é claro, mas instintivamente sabia. Mas não chorou, continuou imóvel, mesmo quando ouviu os gritos da mãe, da janela do segundo andar, ou quando o Sr. Carmelo passou por ela e tirou a arma da mão do tio Dani.

“o que você pensa que esta fazendo?”

“o que você falou, acabando com a raça do desgraçado que...”.

“não aqui!” Sr. Carmelo olhou em direção a Maria, Dani acompanhou seu olhar

“ho droga...escute Toni desculpe eu não...”

“tirem esse corpo daqui!”

O sr. Carmelo estava zangado, não como o normal, havia algo no selvagem seu rosto, que fez todos os homens abaixarem a cabeça e obedecerem depressa.

Maria não entendeu por que o senhor Carmelo estava aborrecido, tio Dani emburrado ou os homens com medo, ela só conseguia pensar no homem que não iria poder ver o batizado do seu irmão. ‘que pena, o rafa esta tão bonitinho...

A senhora Carmelo, mãe de Maria, passou como um vulto e atacou o senhor Carmelo, ela era a única que podia fazer isso sem receber represália, diziam, e com o tempo ela mais do que se aproveitaria disso. O Sr. Carmelo, nada fazia para parar os golpes, aguentava-os de pé em meios aos insultos e ofensas da Sra. Carmelo.

“eu não me casei com você pra isso! Como pode, na frente dela!? Ela é só uma criança”

uma roda de curiosos se formou ao redor, todas as tias, cunhadas, primas, vizinhas, madrinhas com suas meias- maquiagem, enroladas em robes e com bobes na cabeça.não se via mais o homem de terno azul e os empregados se ocupavam de limpar o lugar onde ele estava antes.

A Sra. Carmelo agora estava histérica, empurrava, chutava e gritava até o Sr. Carmelo segurar os seus braços.

“Ela é só uma criança...”.

A Sra. Carmelo desmaiou exausta nos braços do marido. Que foi entregue aos cuidados do tio ítalo, o médico da família, e sumiu para dentro da casa.

O Sr. Carmelo que estava mais do que disposto a acabar com a roda de curiosos, dispersou a todos com um olhar furioso e as senhoras histéricas se foram depressa, ou arrastadas pelos maridos ou com os próprios pés.

No final só restavam o Sr. Carmelo e Maria sozinhos, de novo.

O Sr. Carmelo pôs as mãos no bolso e se aproximou, parou em frente à Maria observando o vento balançar as árvores e levar pequenas folhas verdes junto. Ele não dizia uma palavra, apenas observava com olhos cansados, como se fossem mais velhos que o próprio mundo. E aquela foi a primeira vez que Maria viu uma rachadura na pesada armadura do Sr. Carmelo, havia dor no seu rosto, e cansaço. Talvez aquilo fosse apenas à sua imaginação lhe pregando peças, como o homem de terno azul no chão, talvez nada daquilo tenha sido real, afinal tinha sido um dia estranho.

Mas algo, alguma coisa no pequeno coração de Maria dizia que não, tudo aquilo havia sido bem real.

—ele não vai poder ir ao batizado, não é?

O Sr Carmelo baixou os olhos para Maria, percrustando, sondando-a novamente com aqueles incríveis olhos negros capazes de fazê-la pensar que ele não olhava apenas por fora, mas para dentro da sua alma também.  Por fim, ele respirou fundo e disse:

—não, não vai.

O Sr. Carmelo pôs a mão nas costas de Maria, incentivando-a, e assim, juntos começaram caminhar até a casa.

Maria se lembraria daquele dia. Lembraria-se das mãos do pai, quente sobre suas costas, do sol batendo em seu rosto e do vento fresco de outono, mas principalmente se lembraria de prometer que nunca, nunca deixaria homens de terno azul perderem batizados.


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Notas finais do capítulo

se você chegou até aqui é porque não desistiu de ler a história no meio do caminho, então não desista agora! Dê sua opinião, se gostou, não gostou, conselhos do que posso mudar ou acrescentar...



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