Acapella escrita por Nayou Hoshino


Capítulo 2
A três




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O sinal bateu indicando o fim das aulas e eu bocejei, espreguiçando-me na cadeira. Antes que eu pensasse em levantar, Misty já estava na minha frente de braços cruzados. Já sabia exatamente o que ela ia dizer, mas achei melhor não discutir, afinal, ela tinha a razão desta vez.

— Estou começando a achar que você fica em apuros porque quer... — Ela abriu um sorriso travesso, talvez para aliviar a tensão do assunto. — Ou é porque gosta muito da minha companhia e precisa de um motivo para eu sempre te ajudar a revisar.

— Nem uma coisa nem outra. — Dei de ombros e ela me deu um tapa no ombro esquerdo, me fazendo rir. — Estou brincando, só quis aproveitar a inspiração, você me conhece...

— Bem até demais — Ela revirou os olhos e soltou uma risada.

Percebi que a risada dela ecoou. Ou isso ou tinha mais alguém rindo. Olhei por trás dela e vi Key e seu risinho tímido, não tinha notado sua presença ali por todo esse tempo... Misty também pareceu um pouco surpresa e se virou, encarando a novata.

— Desculpe... — Key soltou tímida, ao ver que tinha sido percebida. — É que vocês são bem engraçados... Me lembram meus antigos colegas...

— Tudo bem. — Eu sorri, me levantando e apoiando o braço na cabeça de Misty para irritá-la como de costume. — Essa aqui é a Misty, ela é baixinha e um pouco teimosa mas é uma boa amiga.

Misty escapou do meu braço, quase me derrubando no chão com seu movimento repentino. Ela se limitou a dar um sorriso e acenar de leve para Key, que sorriu de volta. Key me encarava de um jeito um pouco estranho, como se estivesse me analisando ou algo do gênero, restava saber se era por conta de meus cabelos brancos e da mecha negra neles, dos meus trajes ou dos meus olhos bicolores.

— Vamos Lys? — Misty perguntou, pegando seu material e colocando na mochila.

— Vamos sim... — Era costume eu e ela sairmos da escola e passarmos em algum lugar para comprar doces ou sorvete, era um hábito que tinhamos desde mais novos então acabou virando um tipo de regra para nós. Olhei para Key e ela estava colocando suas coisas na bolsa, acho que Misty não se incomodaria de levar a novata no nosso passeio, seria bom para as duas se conhecerem e quem sabe se tornarem amigas. — Quer vir conosco, Key?

— Ah, eu? — Ela apontou para o próprio rosto. — T-tudo bem...

Eu sorri para ela e para Misty, que estava com uma expressão meio estranha que logo foi suavizada ao perceber que eu a olhava.

Fomos caminhando para a saída da escola, eu no meio e cada garota em uma ponta. As duas se mantinham em silêncio, Key por estar envergonhada talvez e Misty por... Bem, eu não sei exatamente porque. Eu tentei puxar assunto algumas vezes, mas sempre que uma se engajava em uma conversa comigo a outra ficava em silêncio. Tentei pensar em um assunto que agradasse a ambas.

— Vocês entenderam a última parte da matéria de hoje? — Boa Lysandre, com certeza elas vão querer falar sobre matemática e análise combinatória....

— Você só está querendo que alguém te dê as informações que você perdeu na aula, certo? — Misty jogou seu cabelo pra trás, discordando com a cabeça como se repreendesse minhas atitudes.

— Eu já tinha tido essa matéria na minha antiga escola, então se precisar eu posso te ajudar Lysandre. — Key sorriu pra mim, dando as próprias mãos nas costas enquanto caminhava.

— Não incentive isso Key. — Misty disse simplesmente, fazendo o mesmo gesto que ela.

Eu olhei de uma para a outra e acabei soltando uma risada, as duas eram mais parecidas do que imaginavam. Elas apenas me encararam e deram de ombros, ao mesmo tempo, o que me fez rir ainda mais. Caminhamos por mais alguns poucos minutos e logo estávamos na doceria favorira de Misty.

Esta doceria era do tipo que você recebia uma sacola logo na entrada e enchia com os doces que quisesse, pagando pelas gramas depois. Eu peguei os doces de sempre e Misty quis experimentar novos sabores, já Key parecia meio em dúvida sobre o que pegar e como tudo funcionava. Eu expliquei para ela da melhor forma que consegui, ajudando-a a pegar os doces e colocar na sacola, enquanto isso Misty já atacava seus doces com vontade.

Nos sentamos para comer os doces e conversar um pouco. Bem, tentar no caso.

— Sabem, eu adoro esses docinhos de chocolate com banana... — falei, colocando uma bolinha amarela na boca e sorrindo.

— Até seus gostos são estranhos... — Misty riu, cobrindo a boca.

— E o que é isso que está comendo? — Ergui uma sobrancelha para ela ao vê-la colocar uma bolinha preta na boca.

— Tamarindo. — Ela me mostrou a língua, fazendo uma careta por conta do sabor azedo.

— Ah sim... Estranha. — Foi a minha vez de rir.

— Poxa... Eu não peguei nenhum destes... — Key olhava sua sacola, procurando por algum de nossos doces.

— Aqui, ainda tenho alguns. — Eu peguei outra bolinha amarela e levei até sua boca, colocando-a sobre sua língua.

O rosto de Key ficou um pouco vermelho e com uma expressão estranha, o que me fez rir. Ela mexeu um pouco o doce dentro da boca e me deu um sorriso.

— Até que é bom...

— Também quer um Misty? — Peguei outra bolinha e fui em direção a sua boca. — Diga aaaaaaah.....

— Não, obrigada. — ela colocou outro doce na boca, um pouco emburrada.

— Ah, já é assim tão tarde? — Key se levantou olhando para o relógio em seu pulso, chamando nossa atenção — Eu tenho que ir... Até amanhã Lysandre, Misty...

Eu acenei para ela até que saísse da visão de onde estávamos, olhando para Misty em seguida.

— O que houve com seu humor?

— O que você quer dizer com isso? — ela enfiou uma quantidade maior de doces na boca.

— Parece meio séria... — A encarei com bastante atenção, tentando entender. Mulheres são mais complicadas do que poemas vitorianos sendo lidos por leigos, talvez apenas Rosalya fosse uma exceção, se bem que já tinha visto seu irmão passar o dia correndo atrás dela uma ou duas vezes...

— Impressão sua — Ela sorriu pra mim, me dando língua e se levantando. — Me leva pra casa cavaleiro vitoriano trevoso?

— Já vai? — Olhei para o visor do celular, ainda tinhamos bastante tempo. Em seguida olhei para ela.

— Eu tenho que estudar, já está até passando um pouco do meu horário... — Ela fez uma careta, se levantando.

— Nesse caso, eu te deixo em casa, baixinha... — Apertei seu nariz, rindo. E ela sorriu pra mim.

Minha relação com Misty sempre foi assim, desde que éramos crianças eu a tratei como uma amiga quase irmã, fazendo brincadeiras e fazendo de tudo para vê-la sorrir ou soltar uma risada que só ela tem. Depois que crescemos, eu admito que tive um pouco de medo de perdê-la, de perder a relação que sempre tivemos, então continuei com as mesmas brincadeiras e tratando-a do mesmo jeito. Queria manter viva nossa amizade de infância, priorizava-a mais que qualquer coisa, afinal, foi Misty que me tirou da minha concha.

Quem me acha uma pessoa um pouco reservada, não me conheceu anos atrás. Eu cheguei a pesquisar se tinha alguma doença ou só era extremamente tímido e antissocial mesmo, no fim, era só a segunda opção. E Misty sempre foi extrovertida e animada, com o tempo e a proximidade, eu acabei pegando um pouco de sua personalidade para mim.

Eu caminhei calmamente com ela pelas ruas que levavam à sua casa, mesmo que estivesse um pouco irritada comigo por eu não ter prestado atenção, ela tentou me explicar a matéria de matemática no caminho, e eu até que entendi, não era tão difícil assim... Para lhe recompensar, lhe dei o resto da minha sacola de doces, visto que ela gostava mais deles do que eu no fim das contas.

— Está entregue. — disse, quando finalmente paramos na frente do seu portão.

— Obrigada por me acompanhar Lys. E pelos doces. — Ela deu uma risada e ficou na ponta dos pés, me dando um beijo na bochecha antes de abrir o portão e entrar em casa.

— Até amanhã! — eu gritei, acenando, antes que ela passasse pela porta.

— Até! — ela acenou de volta, com um sorriso.

Fiz todo o caminho de volta até minha casa em silêncio, me sentindo um pouco sozinho. Quando estava com Misty tudo era mais animado e menos morto, hoje até a aluna nova tinha contribuído para isso. Mas quando eu voltava pra casa e me trancava no quarto, o silêncio acabava me perturbando um pouco. Era barulhento demais para me concentrar em outra coisa...

Meu irmão passava grande parte de seu tempo na loja ou desenhando novos modelos em seu quarto, e Castiel, bem, digamos que ele não precisa de um amigo em tempo integral. Cheguei em casa e fui ao banheiro lavar as mãos um pouco sujas de doce, me olhei no espelho e me repreendi por estar sendo vitimista. Sou um rapaz vitoriano e confiante, não posso me dar a esses luxos. Fui para meu quarto e retirei o casaco, colocando-o no cabideiro, logo em seguida me deitei na cama e peguei o livro de matemática, dando uma lida no capítulo que o professor passara apenas para compensar ainda a minha falta de atenção. Meu celular começou a vibrar em meu bolso e eu o peguei para ver o que era. Uma mensagem.

“Fala vitoriano! Já descolei uma corda nova para minha guitarra e já dá para ensaiarmos algo essa semana agora. Vê se não fura de novo!”

— Eu não furei... — disse pra mim mesmo. — Só calhou do meu irmão precisar de mim e eu acabar esquecendo do meu compromisso.

Castiel estava realmente empolgado com nossa banda. Depois que tocamos no show da escola, ele percebeu que estava um passo mais perto de nosso sonho e não para de falar nisso. Conseguimos uma autorização para tocar na frente da cafeteria onde nos reunimos sempre com os amigos, não vai ser remunerado, claro. Mas o começo é assim, certo? De qualquer forma, acredito que ele não esteja se importando muito, ao menos por agora...

Deixei o celular de lado e olhei a hora, já estava anoitecendo e Leigh ainda não tinha subido, então resolvi ir lhe dar uma força na loja. Desci as escadas que ligavam o apartamento à loja e vi meu irmão organizando algumas roupas em cabides e estes, por sua vez, em araras.

— Se divertindo? — perguntei com um sorriso, chamando sua atenção.

— Ah, eu nem vi você chegar... — Ele me olhou rapidamente e logo voltou sua atenção para o que estava fazendo. — Como foi na escola?

— O de sempre... — Dei de ombros e me aproximei dele, pegando algumas roupas da pilha a seu lado e colocando-as em cabides para adiantar o trabalho.

— E Misty, como está? Faz tempo que ela não vem nos visitar... — Me olhou, demorando por alguns segundos enquanto se espreguiçava

— Ocupada com os estudos... Ela está se esforçando mais que o necessário desta vez. — Sorri meio triste e até um pouco preocupado. Será que estava acontecendo algo que eu não sabia? — Conheci uma pessoa nova hoje... — Lembrei de dizer, sabendo que animaria meu irmão. Desde que vim morar com ele definitivamente, ele sempre fica feliz ao saber que estou me socializando bem. Não passa de um irmão mais velho preocupado. — Ela se chama Key, vai passar um tempo na Sweet Amoris...

— Que ótima noticia... Conversaram? — Ele me ergueu uma sobrancelha, frizando a última palavra. Heh, conhecia bem o irmão que tinha. Inúmeras vezes as pessoas já vieram falar comigo e isso terminou em um monólogo.

— Um pouco. Eu a ajudei logo que chegou. — Dei de ombros mais uma vez.

— Fique à vontade para chamá-la para vir aqui ou lá em casa. — ele falou como se fossem dois lugares totalmente diferentes, foi sua vez de dar de ombros. — Só me avise, devemos estar apresentáveis, assim como o lugar que habitamos.

— Eu sei como funciona, vitorianismo. — Dei uma risada fraca, colocando a última peça de roupa no último cabide e entregando-o a Leigh.

Meu irmão sorriu para mim e colocou o cabide na arara, organizando as roupas de forma que ficassem corretamente espaçadas. Ele assumiu o balcão depois disso e eu fiquei por perto, pronto para atender os últimos clientes.


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