Amar é revolucionar escrita por Luna Nebulosa


Capítulo 1
Entregue as armas e abrace o amor




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/683424/chapter/1

Quando eu fuzilei aquele jovem rapaz de olhos azuis como lagoas, eles me deram os parabéns.

“O primeiro que caiu aos seus pés, Jimbo. Você deve estar orgulhoso.”

Eu não estava.

Os olhos sem vida do rapaz desconhecido atormentavam meus pensamentos. Eu os via, frios, eu estremecia, eu sentia as mãos cadavéricas enrolando-se em meu tornozelo e me puxando para baixo. O ar se esvaía e eu sufocava.

E ele foi apenas o primeiro de outros tantos.

Como o garoto dos olhos de lagoas, meus colegas também pereceram.

Foi difícil. Eu sentia suas mãos frias tocando meu rosto e surtava.

Disseram que as coisas eram daquele jeito, que a vida não é eterna e que guerras tem dessas coisas… Não era reconfortante.

Enviaram-me para outra base, eu fui promovido. Agora, devia comandar.

Comandar zumbis? Era o que parecia.

Meus novos colegas confiaram em meu tato, eu calculei mal e eles explodiram. Em um milhão de pedacinhos que varreu o céu. Foi duro.

Mas conseguimos atingir o esconderijo do inimigo (uma ou duas noites depois, quem sabe). Eles comemoraram. Beberam. Treparam.

Deram-me uma medalha dourada por prestação de serviços a pátria, sonhos ruins e uma dor constante na perna direita que me fazia mancar (diziam que era psicológico, eu não saberia dizer).

Voltei para casa e o mundo era cinza.

Tantos sorriam, tantos choravam, mas eu só via as bombas explodindo e partes de corpos mortos voando pelo ar. Via os olhos mortos de lagoa do primeiro ser que matei, e os olhos coloridos de todos os meus companheiros que se foram.

Eu não sabia lidar, fui a um consultório.

O psicólogo era um homem alto e moreno, vestia-se formalmente, mas eu podia ver os contornos dos desenhos de suas camisetas de jogos de videogame por baixo da camisa social.

Possuía olhos grandes, sorriso caloroso e me ouvia com paciência.

“Eu não entendo porque me recompensaram por causar tantas mortes”, disse na primeira vez em que nos encontramos.

O doutor olhou para mim com seus olhos castanhos e deu de ombros.

“Nós humanos veneramos algumas coisas que não fazem sentido.”

Era a primeira vez que alguém concordava comigo, eu estava chocado.

“Você também acha?”

Ele assentiu.

Encontramo-nos mais vezes em seu consultório.

O doutor era um homem sensato, dizia para que eu falasse sobre sentimentos, perguntava dos jogos que eu gostava, dos filmes que eu via. Me fazia passar horas e horas falando sobre coisas boas e unicórnios cor-de-rosa.

“Por que unicórnios?”, perguntei certo dia.

“Todo mundo gosta de unicórnios.”

Ele estava certo.

Nós conversávamos como duas crianças, ríamos e nos deliciávamos com histórias sobre a infância. Até que um dia, o doutor se aproximou de mim com o semblante sério e soltou um longo suspiro.

“Acho que não posso mais ser seu psicólogo.”

De primeira, achei que fosse uma brincadeira; depois, percebi que havia algo errado.

“Por que? O que aconteceu?”

Ele mordeu o lábio inferior e engoliu em seco.

“Ahn, bem…”, suspirou. “Temo que esteja me envolvendo pessoalmente com você e isso pode atrapalhar a minha imparcialidade. Não se preocupe com o tratamento, eu vou lhe indicar para uma amiga minha e ela vai cuidar muito bem de você.”

Ele me entregou o cartão e sorriu sem jeito.

Eu o encarei e foi como se meu coração fosse sair pela boca.

“Não quero ser tratado por ninguém além de você.”
Ele não teve coragem de falar, mas seus olhos diziam o que seus lábios não podiam sequer proferir.

“Você gosta de mim, é por isso que não pode continuar o tratamento”, proferi conclusivamente.

O doutor não respondeu.

“Olha, eu não me importo. Podemos continuar mesmo assim. Não tenho problema com…” Minha garganta travou, foi como se um nó tivesse se instalado nas minhas cordas vocais.

“Não tem problemas com gays? Tem certeza?”

Engoli em seco e não respondi, ele foi embora e me deixou para trás.

Os dias se passaram, eu conheci minha nova psicóloga. Era uma mulher pequena de cabelos escuros e pele clara. Ela falava com leveza, e me deixava falar na maior parte do tempo. Uma boa pessoa, mas não preenchia meu vazio.

“Você sente falta dele, não é?”, ela proferiu no fim de uma consulta.

Assenti com a cabeça, incapaz de falar.

“Talvez seja hora de encarar seus monstros mais internos. Eles aplaudem um homem que mata outro homem, mas apedrejam um homem que ama outro homem. Não lhe parece errado?”

Parecia.

Voltei ao consultório do doutor, ele estava sentado quieto na cadeira do paciente com os olhos voltados para o teto. A secretária não estava, éramos apenas eu e ele.

“Acho que fui estúpido da última vez em que nos vimos”, murmurei aproximando-me.

“Um pouco, realmente.”

Eu provavelmente não estava pensando.

Acho que tudo o que havia era um pedaço totalmente emocional de mim e anos e anos de repressão sexual sofridos dentro do exército.

“Eu não sei bem o que fazer”, disse finalmente.

Ele se levantou, postando-se de frente para mim. Nossos lábios estavam tão próximos que eu já quase podia sentir o calor de seu corpo.

Selamos nossos lábios com fogo. O fogo que permanecera ofuscado dentro de mim por todos aqueles anos e que foi reascendido por uma mera brasa vinda dele.

“Não sou muito experiente”, murmurei ofegante.

Ele sorriu.

“Não é um problema.”

E não foi mesmo.

Depois daquilo, nos vimos mais vezes, nos encontramos no parque e ele me beijou em público. Foi pesado como chumbo.

Disseram que éramos aberrações.

Bichas.

Viados.

Boiolas.

Baitolas.

Disseram que o demônio nos possuía.

Que éramos errados.

Que estávamos infectando o ambiente.

Eu chorei.

Ben me abraçou com ternura e me levou para longe.

Sentamos em um banco de praça, tomamos sorvete e ele secou minhas lágrimas.

“Eu não entendo porque tanto ódio”, disse após um momento.

Ben suspirou.

“Eles só não entendem. É complicado.”

Eu também não entendia.

Parabenizaram-me por matar dezenas de homens, mas me ofendiam por amar apenas um. Se eu tivesse amado todos os homens que matei, não seria o mundo um lugar melhor?

“O nosso amor é revolução”, murmurei finalmente.

E foi como se o sol sorrisse para nós.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Amar é revolucionar" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.