Roda do Tempo escrita por Seto Scorpyos


Capítulo 1
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

Meu primeiro Harry e Draco... sejam gentis.



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Harry encarou o ministro da magia e não encontrou nada para dizer. Os outros membros do Conselho também estavam sérios. Não havia o que fazer.

— Tudo bem. – concordou, a voz baixa.

Sem esperar, levantou-se e saiu da sala sem olhar para trás e nos corredores, ignorou os cochichos e olhadas furtivas. No corredor principal do saguão, cruzou com Draco mas, como sempre, o outro o ignorou, fazendo os comentários aumentarem e pequenas risadas soarem.

Não estavam nem disfarçando mais.

Harry engoliu seco e apertou tanto a mão fechada dentro do bolso do casaco, que sentiu uma pontada, mas foi bom, o manteve focado até que estivesse na rua. Sem parar para respirar, andou apressadamente até o hotel onde estava morando e entrou no quarto quase correndo, trancando a porta e lançando feitiços segundos antes de começar a gritar.

Descontrolado, gritou e quebrou o quarto inteiro, rasgando roupas e coisas no processo. Destruiu e xingou até que caísse exausto no chão. Foi só então que viu o envelope caído ao lado da janela meio aberta.

“Harry... sei que o dinheiro é realmente seu e que eu tenho que te mandar uma mesada mensal, mas eu e o juiz chegamos à conclusão que você precisa de tratamento. Te dar dinheiro apenas fará com que se afunde mais na bebida e... bem, no descontrole. Gina concordou em nos ajudar a manter você sóbrio e eu sinto muito por te pressionar, mas você não está em condições de responder por si mesmo agora.

Sua família te ama e quer te ajudar. Por favor nos ajude de volta.

Sirius e Remus

— Não sobrou nada... – murmurou, rouco e ofegante.

Olhou para fora e viu o dia passar lentamente, sem se mexer. Estava com dor de cabeça e nos olhos, enevoados pelo choro, a garganta rascante e seca, mas continuou sem se mexer. Não pensou em nada, apenas ficou olhando para fora pela janela. Quando a noite já caiu, virou-se de lado e se deu mais um tempo simplesmente parado. A tentação de beber de novo voltou com força, e ele se ergueu de um pulo, desarrumado e desgrenhado, mas assim que tocou a maçaneta para sair, parou e deu dois passos para trás.

— Não... - disse baixinho, recuando ainda mais – Não...

Ao voltar as costas para a porta, viu o estrago. Respirou fundo, pegou a varinha e restaurou tudo. Quando amanheceu, colocou as poucas peças de roupa de volta na mochila e deu uma olhada, conferindo se não esqueceu nada. Saiu do quarto, desceu as escadas e na portaria, pediu para fecharem a conta e esperou enquanto conferiam o quarto e faziam as contas. No fim, o hotel ficou com mais da metade do último dinheiro que tinha no bolso.

Andou apressado até o limite do parque, vazio àquela hora e pegou a vassoura no bolso da mochila, com um feitiço rápido, a fez voltar ao tamanho normal e usando a capa de invisibilidade, subiu o mais alto que pode e voou o mais rápido que conseguiu.

Não tinha nenhum lugar certo para ir nem alguém para procurar. Sua ex esposa tinha uma ordem judicial para que não se aproximasse de seus filhos, seu padrinho estava vivendo feliz com o marido, seus dois ex melhores amigos casados e felizes com seus filhos, e não podia visitar nenhum deles.

Não depois de Draco Malfoy. Que aliás, continuava casado e perto do filho, sem perder nada.

Harry desceu numa colina e se sentou na grama molhada pelo orvalho, ainda se sentindo mal e cansado, mas ignorou como sempre. Estava sempre se sentindo mal, pesado, inútil e burro nas últimas semanas. Colocando a vassoura atravessada no colo, respirou fundo e encarou a paisagem abaixo.

— Bem, não tenho mais dinheiro no banco, graças à Gina – encolheu os ombros, conformado – Não tenho um emprego nem amigos ou família. Estou sendo destruído pela imprensa, me tornei um bêbado e fui impedido de ver meus filhos, além disso, minha magia está falhando de maneira louca. – olhou a vassoura – Este é um resumo sintetizado, o que acha?

Os olhos verdes voltaram para o pequeno vale e as árvores.

— Ainda falta mencionar o Draco... – completou, baixinho.

A cabeça começou a dar voltas, deixando-o tonto. Desorientado, Harry se virou para o lado e vomitou. O estômago, vazio desde a véspera, doeu e ele se dobrou, apertando-o. Depois de um minuto ou dois, se levantou cambaleante e desceu a colina, amparando-se nas árvores e na vassoura.

— Preciso voltar a ser uma pessoa... – murmurou, sentindo a boca amarga.

Mas não foi tão rápido quanto ele precisava. Depois de passar mal, uma apatia violenta o tomou, fazendo-o simplesmente se sentar sob uma árvore. Passou ali o resto do dia, olhando sem ver nada e quando a noite chegou, trouxe um frio gélido e uma chuva fina, mas ele não pareceu notar. A pele ficou pálida e depois levemente azulada, mas tudo o que ele fez para reagir foi abraçar a mochila mais apertado. No bosque, longe de tudo e de todos, Harry Potter estava sozinho, molhado, faminto, sedento e febril.

No outro dia, uma dor de cabeça violenta o fez vomitar de novo e desejar beber, mas a fraqueza impediu que se levantasse e não conseguiu pensar em um único feitiço que pudesse ajudar. Depois de algum tempo tentando, se levantou com esforço e colocou a mochila nos ombros, se apoiando à vassoura.

— Preciso ir para casa... – murmurou, desorientado novamente.

Com passos trôpegos, começou a andar lentamente e mais abaixo na colina, conseguiu clarear a cabeça o suficiente para se alimentar um pouco. Precisou mostrar o dinheiro primeiro para que fosse atendido em um restaurante à beira de uma estrada e ficou um pouco mais triste ao ser confundido com um mendigo. Enquanto aguardava o sanduíche que pediu, seu olhar foi atraído para um grupo de garrafas no canto do balcão e a vontade de beber voltou forte, mas resistiu. Comeu e comprou água e comida para a viagem, saindo apressadamente do lugar. Lembrando-se da vassoura, voltou até a estrada e a pegou, indeciso.

— Será que consigo me equilibrar para voar? – se perguntou, a cabeça pesada e confusa.

Não conseguiu sequer sair do lugar e acabou caindo da vassoura quando subiu um pouco. Por sorte não quebrou nada, mas desistiu e quando tentou diminuí-la para colocá-la na bolsa, não conseguiu e acabou incendiando as cepas. Se desesperou e bateu nas pequenas chamas com as mãos limpas, e acabou se queimando.

— Sou mesmo inútil, não é? – perguntou-se, olhando para as palmas avermelhadas.

Recomeçou a andar segurando a vassoura na dobra do braço, tentando pensar para onde podia ir.

Harry andou quase o dia todo e passou outra noite fria no bosque, depois de não conseguir fazer fogo para acender uma fogueira. Trêmulo de frio, abraçou a mochila e se ajeitou, enfraquecido. O biscoito e a água já tinham acabado e ele estava faminto.

— Tem razão de todos me considerarem uma piada... – murmurou para si mesmo – Eu não sei feitiços básicos... Como pude sobreviver tanto? – uma risada baixa e enrouquecida saiu de seus lábios secos - Sorte...

Ele passou a semana indo de um lado para outro, aparatando vez ou outra. O dinheiro estava acabando rapidamente e ele passou fome e sede de novo tentando economizar. Seu estado de espírito piorou um pouco ao notar que em lugares que havia bruxos, não conseguiu passar despercebido. Os escândalos da sua vida chegaram até a aldeia mais remota e ele lamentou não ter o coração de pedra de Draco.

No começo da semana seguinte, Harry se preocupou. Estava dormindo ao relento há várias semanas, comendo mal e sem banho. A barba já estava grande e o cabelo, imundo e embaraçado, enorme.

— Falta pouco para ser um indigente de verdade. – constatou, sombrio e olhando em volta, franziu levemente a testa. – Conheço esse lugar...

A estátua no centro da entrada da vila informou que estava em Godric´s Hollow. A vila de seus pais. Por um momento, hesitou antes de entrar na vila silenciosa, mas acabou fazendo. A casa ainda estava lá, invisível a trouxas, semi destruída e abandonada, a placa no portão também estava lá e todos os sentimentos e lembranças voltaram, fazendo-o arquejar.

Como um filme, se lembrou do último ano em Hogwarts e depois, o abandono da escola, a procura pelas relíquias, a visita com Hermione... tudo voltou e ele caiu ajoelhado em frente ao portão da casa de seus pais.

Ficou ali chorando até que se acalmou um pouco, a cabeça rodando de dor. As pernas falharam quando ele tentou se erguer, mas com dificuldade conseguiu. Cambaleou até o cemitério, mas não teve coragem de entrar. A vergonha sufocou todos os outros sentimentos e ele recuou, arrependido de estar ali.

— Não sou digno... – sussurrou para a névoa – Não sou digno...

Deu a volta e pegou a mesma rua da casa de seus pais, passando reto pelo portão dessa vez. A dor de cabeça aumentou e ele desejou ter um trago de qualquer coisa, mas agradeceu não ter.

— Mais fundo do poço é impossível. – murmurou, enfiando as mãos nos bolsos.

No fim da rua, um pouco mais afastada das outras, Harry reparou numa casa abandonada. Sem pensar muito, atravessou o portão entreaberto e entrou. O jardim estava maltratado, cheio de plantas estranhas e muito lixo. Uma fonte de pedra estava com parte da borda quebrada. O instinto de chefe dos aurores, apesar de meio enferrujado, lhe disse que a casa realmente estava abandonada, mas mesmo assim tirou a varinha. A porta feita de madeira maciça estava caída e foi difícil tirá-la do lugar, ainda mais fraco como estava. Não arriscou nenhuma magia, já que não podia prever o que aconteceria, diante dos acontecimentos das últimas semanas que culminaram em licença forçada de seis meses.

Dentro da casa, poucos móveis e muita poeira, teia de aranhas e folhas mortas. No canto da parede, uma prateleira com potes e coisas estranhas, alguns livros e algo como ervas secas. Uma mesa enorme e uma meia parede que dividia o quarto. A cama estava quebrada e sem colchão, havia mais livros perto da parede e um portal que dava para o banheiro, tão imundo quanto a casa.

No espaço que Harry achou que era a cozinha, encontrou armários de parede com algumas louças quebradas, O balcão estava coberto de pó, mas fora isso, não havia grandes danos. O telhado estava inteiro e a madeira pareceu estar boa, apesar da sujeira.

A parte dos fundos dava para o campo e uma estrada e Harry voltou para dentro. A mochila foi deixada no chão e o auror mexeu o pescoço, cansadíssimo.

— Vamos ver se alguém mora aqui...

Com movimentos precisos da varinha, executou o feitiço de localização e quando não encontrou nada, se permitiu sorrir.

— Parece que achei um lugar para ficar. – murmurou, olhando em volta – mas estou confiando mais no estado da casa do que na minha magia. Depois faço de novo, quando puder ter certeza.

A cabeça estava doendo horrivelmente, mas respirou fundo e despejou a mochila, contando as moedas que ainda restavam. Engoliu seco ao ver que não tinha dinheiro nem para o básico.

 “Preciso de um emprego.” pensou, com um suspiro.

Apesar de poder usar a varinha, Harry não se atreveu. Tremendo por dentro, aparatou na Londres trouxa e fez um feitiço simples de disfarce para esconder sua aparência medonha. Respirou fundo para tomar coragem e entrou no mercadinho trouxa. Usou magia para diminuir e esconder o que guardou nos bolsos e pagou apenas por uma garrafa de água. Na farmácia, já com a cabeça estourando de dor, fez a mesma coisa, comprando apenas um sabonete.

Na rua, andou rápido e se recostou a uma parede, respirando fundo para não chorar, zonzo pelo esforço de manter a magia.

“Além de bêbado, ladrão...” pensou, com um aperto no peito.

Assim que voltou para casa, suprimiu todos os pensamentos e esvaziou os bolsos, fazendo as coisas voltarem ao tamanho normal. Empurrou todas as recriminações para o fundo da mente, fez lanche rápido e tomou um comprimido para dor de cabeça. Arregaçou as mangas e começou a trabalhar, ignorando a dor no corpo e todo o resto. Concentrou-se em limpar a casa do jeito trouxa mesmo, e quase desistiu várias vezes, mas se manteve firme. Só quando precisou de água é que pensou que podia não haver e ficou aliviado quando, depois de um tempo considerável, a torneira finalmente verteu água. Primeiro suja e depois, limpa e fria.

Curioso, foi lá fora e não viu poço aberto, só o cano que subia pela parede.

— Magia... – murmurou, aliviado – Acho que eu já disse o quanto gosto de magia...

O corpo começou a falhar logo no início do trabalho de limpeza, e Harry teve que se apoiar várias vezes, zonzo e trêmulo.

— Você precisa reagir, Harry – disse para si, tossindo por causa da poeira – Tem que voltar a ser um leão e não um bêbado inútil.

Mesmo temendo, depois de algum tempo enfeitiçou a vassoura e o espanador, enquanto reunia os livros. Estavam empoeirados demais e muito sujos. Com paciência, Harry conseguiu limpá-los e empilhá-los na mesa. A estante se provou uma fonte de objetos estranhos. Uma lupa esverdeada, uma ampulheta contendo bolinhas coloridas enevoadas, colares de contas e saquinhos de ervas.

O grifinório separou tudo o que achou interessante e então, encontrou uma correntinha com um estranho pingente.

— Acho que já vi isso antes... – murmurou, pensativo.

Deixou a peça de lado e lavou o banheiro, de olho na vassoura e no espanador para que não se descontrolassem. Juntou todo o lixo da casa e levou para o jardim. Ainda temeroso, enfeitiçou um rastelo para juntar as folhas mortas, mas acompanhou o serviço retirando os galhos secos. Quando terminou, ficou surpreso ao ver que já era noite de novo. Acendeu algumas velas que encontrou com um gesto de mão e as espalhou com cuidado.

— O tempo passou rápido! – comentou, para ninguém.

Voltou para dentro depois de encerrar o feitiço no rastelo e fez o mesmo com a vassoura e o espanador. A casa pareceu outra, mas ainda precisava de ajustes. Cansado e trêmulo, Harry finalmente abriu a mochila e constatou sombrio que não tinha roupas limpas.

La fora, encontrou o tanque, mas não sabia o feitiço para lavá-las.

— Posso ser um auror sortudo, mas em todo o resto, sou um desastre. – constatou, bagunçando o cabelo ainda mais.

Voltou para dentro e pegou as duas únicas mudas de roupa. Lavou-as rapidamente e as colocou no varal, depois de limpá-lo. Com um suspiro, Harry olhou a casa despida, mas agora habitável e se sentou no chão do lado de fora. Recostou a cabeça e esperou que as roupas ficassem secas.

Harry não viu o tempo passar e deixou os pensamentos controlados. Ficar pensando não era uma boa nos últimos dias. Se concentrou em olhar a estrada e ver a névoa subindo. Depois de um longo tempo, se levantou e colocou os galhos secos na lareira, acendendo-a com a varinha. Faíscas jorraram e só não houve uma tragédia porque a lareira era recoberta com pedras. O susto o deixou arfando por longos minutos e quando conseguiu se controlar, conferiu o fogo e se certificou de ter bastante galhos e folhas secas. Saiu e pegou as roupas, pendurando-as na lareira para secar mais rapidamente.

No banheiro, tirou a roupa e se olhou no espelho. Por mais que soubesse que fazia uma triste figura, assustou-se com o rosto magro e olhar arregalado e nervoso. A barba estava imunda e embaraçada, os cabelos da mesma forma, mas não havia barbeador ou faca, nem mesmo uma tesoura por ali. Tomou um banho demorado e revigorante, apesar do frio intenso, e não ousou tapar a banheira. A água que escorreu de seu corpo estava suja de uma maneira inacreditável.

Harry ficou ali por tempo suficiente para que a roupa secasse, então saiu e se vestiu. Deitou-se nas almofadas puídas de frente a lareira e adormeceu imediatamente.

Dois dias depois que tomou posse da casa abandonada, Harry escreveu a Alvo Severo e contou sobre a casa e coisas diversas. Terminou com um convite para que se encontrassem em Hogsmead no final de semana que fosse conveniente ao filho. Com um sorriso esperançoso, enviou a carta.

Levou três dias para que recebesse a resposta e quando a coruja entrou pela janela, derrubou uma cadeira na pressa de pegar o envelope. Ao olhá-lo, empalideceu.

Era o mesmo que enviou, ainda lacrado, e do lado de fora, escrito em grandes letras de forma, a frase: NÃO ESCREVA MAIS.

— Você era o único que não me odiava... – murmurou, fechando os olhos – O único que ainda me deixava chegar perto... filho...

Entristecido até a alma, o mago se sentou no chão e chorou desconsoladamente. Chorou por si mesmo, perdido e sozinho, chorou por seus filhos, por Sirius, por Remus... e por tudo o que perdeu por causa de um sentimento que não conseguiu controlar.

Nos dias que se seguiram, a apatia voltou. Harry fechou a casa e só se mexia para acender a lareira de vez em quando ou comer, mas fora esses momentos, ficou deitado olhando para fora pela janela empoeirada. Depois de uma semana, saiu algumas vezes e, vendendo um item ou outro e trabalhando por diárias, conseguiu bebida. Amanheceu duas vezes em um beco qualquer de Londres e uma vez, acordou na cadeia. Para sua sorte, desesperou-se o suficiente para se lembrar do feitiço da memória e aparatar para longe dali.

Caiu dentro do jardim, sujo e desgrenhado de novo e ao se levantar, vomitou violentamente. Levou tempo até que se controlasse o suficiente para conseguir se firmar nas pernas e voltar para dentro da casa. Passou pela sala e foi direto para a cozinha, colocando a cabeça na pia e abrindo a torneira. A água gelada o despertou e ele apertou os olhos com força quando uma pontada quase abriu seu crânio.

Fechou a torneira e escorregou para o chão, ficando ali por longos momentos. Quando se recobrou um pouco, olhou em volta e notou o quanto a casa estava bagunçada e cheia de folhas mortas de novo. Ele mesmo estava imundo e fedendo a bebida e vômito.

— Pelos céus... – murmurou, chocado.

Com esforço, se levantou e conseguiu tomar um banho e trocar de roupa. Abriu os armários esperando encontrar alguma coisa para comer, mas não tinha nada.

— Eu não acredito nisso... – sentou-se, desorientado – Como pude chegar tão baixo de novo?

A voz rouca quase não saiu da garganta, e doeu quando o fez. A cabeça estava latejando e o corpo estava trêmulo e febril. Concentrando-se o máximo que podia, Harry se levantou e bebeu longos goles de água, esperando alguns minutos entre um e outro até que a ânsia de vômito passasse.

Caminhou um pouco pela casa e no calendário que colocou na parede da cozinha, notou que faltava apenas um mês para que voltasse ao trabalho.

— Não pode ser... – arregalou os olhos e espalmou a mão na folha encantada – Não estou pronto... ainda não...

Assustado, voltou para a sala e sentou-se na cadeira, encarando os objetos sobre a mesa sem realmente vê-los. Depois de longos momentos, puxou o que estava mais próximo e riu, sem nenhuma vontade.

— Um vira tempo... – comentou, baixo – Eu e Hermione... Sirius e Bicuço... Eu me lembro...- as lágrimas recomeçaram – Ele queria que fossemos uma família e eu queria dar a ele um lugar para morar de onde podia ver o céu...

Deitando a cabeça nos braços dobrados, chorou novamente e depois de um tempo é que conseguiu se controlar.

— Tenho que conseguir sair disso... – falou, olhando em volta – Preciso sair disso...

Encarando o vira tempo em sua mão, piscou e respirou fundo.

— Voltar o tempo...  – uma idéia começou a se formar em sua mente e os olhos verdes brilharam, ainda que de forma tímida – Ter tempo para consertar as coisas... – a empolgação diminuiu – Não. Mesmo que eu pudesse, eu nunca desistiria dos momentos com ele. Eu paguei um preço alto por querer viver isso, mas...

Olhou em volta de novo e se ergueu, passando a mão pelo cabelo.

— Eu não queria sair do meu casamento! – a voz se ergueu, inconformada – Eu não queria! Eu não procurei isso – falou, para a sala vazia – Mas eu não esperava que Gina fosse mudar tanto depois... eu queria aquela garota que invadiu o ministério comigo, corajosa... bonita... uma jogadora de quadribol excelente! – arfando, recostou-se na parede e encarou o chão – Não aquela que só se preocupava com os filhos... sempre os filhos... só os filhos... que largou tudo e deixou de ser a mulher pela qual me apaixonei e se tornou uma cópia da mãe.... – a voz foi sumindo, triste – No fim, eu nem conseguia mais conversar com ela... Gina se afastou de tudo e só conseguia pensar e falar dos filhos... São meus filhos também, e eu os amo e me preocupo, mas eu sou uma pessoa... e não um troféu... uma figura... – desamparado, respirou fundo e balançou de leve a cabeça – Mesmo Hermione continuou trabalhando no ministério depois dos filhos... ainda bonita, ainda apaixonada...

O mago se sentou no chão, cansado.

— Ela me deixou sozinho... não tinha mais tempo para mim ou vontade de estar comigo... eu me senti sozinho... – recostando a cabeça, fechou os olhos – Draco foi o melhor que me aconteceu nos últimos anos. – a sombra de um sorriso pairou em seus lábios – Eu nunca me senti mais vivo!

As lembranças voltaram e aqueceram o coração de Harry, que sorriu mais abertamente, mas então, o sorriso vacilou e se apagou. Depois de alguns minutos, se levantou e encarou o vira tempo sobre a mesa.

— Talvez eu possa melhorar um pouco as coisas... – murmurou, pensativo – Talvez eu tenha uma chance... – a cabeça doeu numa pontada mais forte e ele apertou as laterais, um pouco irritado – O problema é que não sei como ele funciona.

Tentando ignorar a dor e a fome, buscou nos livros velhos algumas indicações e conseguiu pelo menos saber o básico. Lembrou-se da regra que Hermione não deixou que esquecesse, que não podia ser visto e então, sem pensar uma segunda vez, pegou a capa de invisibilidade e a varinha, colocou o colar e saiu. Fora da casa, entrou um pouco no bosque até uma grande pedra, girou o anel interno e esperou.

O vórtice começou e ele teve que fechar os olhos porque temeu desmaiar. A cabeça latejou e ele sentiu o gosto da bílis na garganta e quando finalmente abriu os olhos, viu a casa no mesmo estado que a encontrou.

Sua primeira providência foi conseguir saber a data que estava e para isso, voltou para a vila usando a capa. A fome já estava fazendo seu estômago doer, mas ele ignorou até que leu a data em um jornal trouxa e soube que voltou duas semanas no tempo.

Caminhando devagar por causa do cansaço e da fome, parou numa esquina e pensou sobre a melhor forma de conseguir dinheiro. Sabia que não conseguiria nada sujo e desgrenhado e precisava ficar melhor para encontrar um emprego.

— Mas que droga! – murmurou, a cabeça explodindo de dor.

Sem parar para pensar, aparatou perto do Beco Diagonal e se assegurou de estar invisível sob a capa. No meio da tarde, as ruas estavam cheias. Ele vagou um pouco por ali, desviando-se das pessoas e se mantendo perto das paredes. Mais abaixo, perto da loja dos Weasley é que conseguiu o que precisava. Alguns homens estavam bebendo e conversando em uma mesa na calçada e havia uma bolsa de galeões perto de um deles. Antes que pudesse pensar e se condenar, passou quase correndo por eles e pegou a bolsa rapidamente, descendo a rua e evitando as pessoas com dificuldade. Do outro lado, passou pela entrada de uma loja de ervas e pegou uma vassoura, correndo para o beco mais próximo e aparatando.

Apesar de estar mais perto do Caldeirão Furado, resolveu usar a azaração ferreteante para se transformar, mas se deteve no último minuto. Sua magia ainda estava instável e com resultados estranhos e muitas vezes, perigosos. Se lançasse um feitiço agora, podia sair tudo errado.

— Acho melhor voltar para casa... – murmurou, desanimado.

Mas não voltou de imediato. Aproveitando um momento sozinho no beco, tirou a capa e a dobrou, lamentando não ter como escondê-la e sequer cogitou lançar um feitiço para diminuí-la. Aproveitando a noite que caía, entrou na farmácia e comprou remédio para dor de cabeça. O homem lhe lançou um olhar preocupado, mas o atendeu sem problemas.

Harry saiu aliviado da loja e engoliu o comprimido com a ajuda de uma garrafa de água comprada ao lado. A mulher da loja também não o reconheceu e ele arriscou o mercado. O dinheiro da bolsa não deu tudo o que imaginava, mas conseguiu comprar um pouco de comida.

De volta em casa, acendeu as velas que já sabia onde estava e se dedicou a limpar tudo de novo e tomar um banho no fim, enquanto uma sopa fervia no fogão encantado.

— A melhor refeição da minha vida. – murmurou, depois de esvaziar dois pratos e devorar três pães.

O sono veio forte e Harry apagou as velas e usou a capa de invisibilidade para forrar a cama e se deitar. Com frio, se enrolou nela e riu baixinho quando não conseguiu se cobrir inteiro, como antes.

Harry, depois de limpo e mais disposto, conseguiu emprego em Lancashire, no cais. O encarregado não achou que pudesse agüentar o serviço pesado, mas o mago insistiu até que o outro concordou. Ele suou e se esforçou mais que a maioria, mas conseguiu cumprir a jornada. Como o trabalho era diário, usou o dinheiro dos primeiros dias para comprar mais comida, roupas e material de limpeza. Deixou o cabelo crescido, já que escondeu bem a cicatriz e apenas aparou a barba, mas sabia que não tinha como esconder os olhos verdes e os óculos redondos. Procurou locais mais afastados em Londres e conseguiu vários bicos para a parte da tarde e no fim de uma semana, simplesmente voltou no tempo de novo mais uma semana e trabalhou em outros lugares.

Com o dinheiro e usando as noites, conseguiu limpar a casa completamente e comprar o que estava faltando. Manteve a economia e o que sobrava, guardou em um caldeirão na estante da sala, bem embaixo ao lado dos livros. A Firebolt continuava no vão da lareira, já que o mago preferiu a Nimbus roubada sempre que queria voar.

A rotina de voltar no tempo várias vezes cobrou o preço no fim da terceira ou quarta vez, e Harry teve que parar.

— Acho que estou em locais demais – murmurou, escondido atrás de uma parede, vendo a si mesmo carregando sacos de grãos em Tinworth – Estou também na estação de trem e em pelo menos dois lugares de Londres. É hora de parar. – mordeu o lábio, um pouco irritado consigo mesmo – Ainda bem que estou em trabalho infiltrado e ocupado com Draco, senão estaria nos jornais e aí o problema seria bem maior.

Aparatou de volta para casa e se sentou à mesa.

— Acho que não voltei a semana toda, mas não tenho certeza. – comentou, baixo – Exagerei muito... e parece que está se tornando um hábito... – terminou, frustrado – Eu não sei como ainda estou vivo, sendo tão burro e inconseqüente... Ainda bem que em todas as vezes que voltei, usei um lugar diferente de partida. Imagina só se eu tivesse feito aqui? – olhou em volta e sorriu, desanimado – Teriam, no mínimo, uns dez Harrys por aqui e todos tentando se esconder uns dos outros...

As lembranças voltaram e o coração se apertou por Edwiges. Nunca mais conseguiu ter outra coruja, apesar das tentativas. Seus filhos e Gina tinham, mas ele não conseguiu substituir a amiga.

Para passar o resto dos dias até que voltasse ao início, pegou os livros e começou a folheá-los. Feitiços, poções estranhas e diversas anotações cobriam as páginas antigas. As anotações sobre o vira tempo que usou no início eram apenas uma pequena parte de um estudo completo. Absorvido na leitura, só notou que estava escuro quando não conseguiu mais ler e acendeu as velas, levando os livros para a cama.

— Se eu soubesse esses feitiços antes, podia não ter passado tanto perrengue nas últimas missões. – sentenciou, sombrio – Eu sou mesmo um fracasso em feitiços gerais.

Nos dias que passaram até a data inicial, Harry leu os livros, mas não arriscou nenhum feitiço, e tentou adivinhar o nome das ervas que estavam guardadas na estante.

— Porque fui tão preguiçoso nas aulas de poções? – se perguntou, segurando uma mecha de cabelo – Eu podia ter feito muito se soubesse pelo menos o básico. Mendibruxos e mestres de poções são coisa rara no ministério.

Em um livro pequeno, encontrou anotações sobre animagia, que o interessaram bastante.

— Eu queria ter mais tempo para aprender um pouco mais. – murmurou, pensativo – Eu não estava muito bem antes... e talvez, novos feitiços ou controle sobre feitiços gerais possam me ajudar... Talvez um pouco mais de conhecimento e menos ação...

Harry passeou pelos bosques e se forçou esperar o tempo terminar. Só saiu uma vez para comprar comida e mesmo assim, foi rápido. No fim da semana, saiu da casa e caminhou até a pedra que usou como marco, chegando a tempo de ver a si mesmo, magro, desesperado e pálido, desaparecer pela primeira vez.

— Bem, agora posso começar a alterar algumas coisas. – com um suspiro, voltou para casa e olhou em volta com atenção – As coisas que eu comprei estão todas aqui – abaixou-se e abriu o caldeirão – Inclusive o dinheiro... – saiu da sala e entrou na cozinha – Mas não o que deixei aqui antes. O calendário não está aqui. – assustado, abriu a caixa sobre a mesa e encontrou sua varinha e a capa – Estão aqui... então, só fazem parte dessa realidade o que eu trouxe comigo e o que já estava quando eu cheguei a primeira vez.

O mago se sentou e segurou a cabeça com as mãos – Acho que entendi como funciona.

Apesar da empolgação, Harry esperou até o outro dia então, saiu e comprou uma bolsa de viagem pequena. Com um pouco de medo, executou o feitiço da extensão indetectável e ficou aliviado quando a bolsa não explodiu. Colocou nela todo o dinheiro que juntou, a capa de invisibilidade, a varinha, todos os materiais de limpeza e alimentos do armário, guardados em caixas, as roupas pessoais e de cama, e as duas vassouras.

— Espero que dê certo. – murmurou, ansioso, colocando o último item na bolsa: um jornal do dia, que comprou junto com a bolsa – Os livros e as ervas já estavam aqui, então vão estar quando eu voltar...

Olhou em volta e respirou fundo, passando a alça da bolsa pela cabeça e ajeitando-a no peito. Saiu da casa e foi até a pedra de novo. Com cuidado, puxou a corrente para fora da camisa e girou o anel interno doze vezes, enquanto segurava o anel externo com força para que não se mexesse. O vórtice demorou a começar e por um momento, Harry achou que não ia funcionar.

 


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Notas finais do capítulo

Sempre quis escrever algo com esses dois e agora tomei coragem para espanar essa que estava perdida no meio de tantas.Felton Blackthorn que me inspirou, apesar de eu achar que estou a quilômetros do planeta onde ele mora.



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