Que ótimo começo de ano! Primeiramente, eu sou humilhada por nada mais, nada menos que Madonna. Depois, o taxista me deixa no meio da avenida porque eu não tenho dinheiro pra pagar a viagem. Vou pra casa a pé e no meio do caminho começa a cair um pé d'água. Não consigo ver direito a rua por causa da chuva e quase sou atropelada. E quando eu finalmente chego em casa, fico meia hora procurando as chaves na minha bolsa e me molhando ainda mais.

Graças a Deus eu não esqueci as chaves - pelo menos isso - e consegui entrar em casa. Mas claro, molhei todo o carpete da sala. Joguei minha bolsa em qualquer canto e fui correndo tomar um banho, porque eu já estava começando a espirrar. Deus, o que mais falta acontecer?

Há um ano eu estava vibrando de felicidade por ter a chance de salvar a vida de Michael, mas hoje... Eu não sei, todo aquele ânimo foi por água abaixo. Eu sei que eu tenho que ir até o fim, mas parece que o universo está conspirando para que eu não consiga. Tudo bem, Michael e eu já nos resolvemos, mas e tudo o que aconteceu hoje? Parece que sempre terá algo para me magoar.

Aliás, até hoje eu não sei porquê brigávamos tanto. Talvez ele apenas não tivesse ido com a minha cara por ter invadido as gravações de Thiller. Bem, o que importa é que não brigamos mais, e eu realmente espero que minha relação com Michael apenas melhore de agora em diante.

Saí do banho, me sequei, coloquei meu pijama e fui até meu quarto. Zoey ainda não havia chegado. Eu não avisei à ela que iria para casa, espero não deixá-la preocupada novamente.

Antes de me deitar, fui até minha janela. Ainda chovia lá fora, e a festa de ano novo estava sendo ao ar livre. Eu não sei se a festa havia acabado por causa disso, ou se os convidados foram para dentro da casa, ou se estavam todos curtindo a chuva. Independente do que estão fazendo, se eu estivesse lá, não aproveitaria nada, pelo simples fato de ter que olhar a cara de Madonna a cada 5 minutos. E cada vez que eu olhava a cara dela, sentia vontade de sair quebrando toda a decoração daquele jardim. Sinceramente, eu sabia que Madonna era fútil, mas jamais imaginei que isso um dia me afetaria.

Enfim, deixei esses pensamentos de lado e me deitei. Provavelmente amanhã as ruas estarão vazias, então vou aproveitar e irei dar uma volta em algum lugar. Talvez na praia, ou no cinema. Não sei, mas seja onde for, não irei convidar Zoey. Eu preciso de um tempo sozinha para arejar as idéias, refletir sobre tudo, ou apenas esvaziar a mente e relaxar um pouco, e isso eu não irei conseguir com a mãe da minha melhor amiga mais jovem do meu lado. Eu já havia me acostumado com o fato de que eu estava morando com Zoey na época em que ela tinha a minha idade, mas ainda era um pouco estranho... Bem, mas eu acredito que ainda terei muito tempo para me habituar melhor. Não parece que eu voltarei para 2016 tão cedo...

***

Acordei um pouco tarde no dia seguinte. Ou, melhor dizendo, praticamente não dormi. Estava inquieta por algum motivo. Bem, eu me conheço, e tenho quase certeza de que não conseguirei ficar quieta em casa hoje. Eu planejava ir ao cinema, mas talvez em dê uma volta em Hollywood. Em todos os 17 anos que eu moro em Los Angeles, nunca tive a chance de conhecer o bem distrito. Sem falar que é uma oportunidade única conhecer melhor minha querida LA nos anos 80.

Levantei sem muito esforço, fiz minha higiene matinal e fui até o quarto de Zoey. Ela não estava lá. Eu ficaria preocupada se não soubesse como Zoey é. Mas aí fui até a sala e ela estava jogada no sofá, roncando alto e com a mesma roupa de ontem. Já posso até imaginar ela chegando em casa caindo de bêbada, talvez com a ajuda de alguns amigos, e capotando de qualquer jeito no meio da sala. Não quero nem ver quando acordar. Voltei para o meu quarto e me vesti¹. Estava um dia frio e nublado, e eu tinha quase certeza de que iria chover denovo, mas quando eu acordo do jeito que acordei hoje, mesmo em dias assim, não consigo parar em casa. Me agasalhei bem, peguei minhas chaves e saí.

Assim que eu senti o vento gelado bater contra meu rosto, a primeira coisa que me lembrei foi da noite de ontem. Não apenas por Madonna ter me tratado mal. Na verdade eu não estava nem aí pra isso. Meus pensamentos estavam todos focados em Michael, e no jeito como ele age comigo desde que me conheceu. Ele simplesmente me trata como um nada. Eu nunca pensei que fosse ser tratada assim por uma das pessoas que eu mais amo no mundo. Mas, bem, eu não posso repreendê-lo nem nada. Eu sou louca por ele como artista, mas não conheço praticamente nada dele como pessoa. Eu sei que um dia ele se tornará aquele homem bondoso e gentil. Quer dizer, eu o acompanho no seu dia-a-dia, e ele é esse homem, apenas não é comigo. Michael é um ser humano e assim como todos, ele tem o direito de não ir com a cara de alguém. E considerando a primeira impressão que ele teve de mim, eu o entendo. Afinal, quem gostaria de ter uma estranha, toda molhada por uma poça d'água, invadindo seu set de gravações?

Eu me distraí tanto com esses pensamentos que nem percebi que já estava em Hollywood. O movimento aqui era bem menor do que eu estava acostumada, e eu achei isso maravilhoso. Normalmente, Hollywood é tão lotada que quase não dá para se locomover. Eu caminhei tranquilamente pelas ruas do distrito, as vezes dando umas olhadas nas vitrines das lojas, ou apenas olhando a minha volta, como se observasse o ar. Era uma emoção totalmente inusitada ver um lugar que você já conhece em uma época diferente. Nem preciso dizer que não estou reconhecendo nada, apenas espero não acabar me perdendo por aqui. Ri baixinho com o pensamento e continuei andando. Com certeza farei isso denovo quando tiver tempo, conhecerei outros bairros de Los Angeles enquanto estou aqui. Sem falar que toda aquela angústia que eu sentia ontem, parecia ter evaporado. É incrível como passar um tempo sozinha, apenas com seus pensamentos, sem se preocupar com nada, faz toda a diferença.

Mas minha felicidade durou pouco. Como estava andando distraída, bati contra o peito de alguém - e esse alguém era bem mais alto que eu, por sinal -. Rapidamente me afastei do indivíduo e olhei pra cima. Era Michael. Ele segurava algumas sacolas, devia estar fazendo compras.

— Desculpe, estava distraída. — disse de cabeça baixa. Não queria prolongar aquela conversa. Quanto menos nos falarmos, menos ele me menospreza, e eu prefiro assim.

— Tudo bem, eu queria mesmo falar com você. — merda. Tudo bem, Skyler, se prepara pois lá vem bomba.

— O que houve? — perguntei direta. Queria acabar logo com isso.

— Primeiro, eu queria me desculpar por ontem. Eu vi que você foi embora mais cedo e imaginei que Madonna havia dito algumas coisas pra você... Na verdade, ela faz isso com todas as garotas que se aproximam de mim. — espera, é sério que Michael estava se desculpando por Madonna? E pior, me dando satisfações?

— Não precisa de desculp-

— Deixe eu terminar. — ele me interrompeu, mas sua voz era serena. Ele nunca havia usado esse tom de voz comigo, e é o tom que normalmente ele usa com todos — Além disso, eu queria pedir desculpas... por tudo. Quero dizer... o modo como eu agi com você desde que você apareceu no set, até ontem. Todas as vezes que discutimos a toa... Enfim, eu juro que não sei o que me deu. — ele disse rapidamente, e eu demorei um pouco para perceber o que estava acontecendo ali. Michael estava se perdoando. E dessa vez era de verdade, não uma trégua boba que demos há um ano atrás, que aliás, não resolveu nada. Dessa vez eu senti sinceridade na sua voz, e no seu olhar também.

— Michael... você não precisa pedir perdão. Você é um artista, e eu invadi seu a gravação do seu videoclipe... — ele me repreendeu com o olhar — Desculpe. Invadi as gravações do seu curta como se fosse uma fã louca... Eu também tive uma boa parte da culpa nisso tudo. — disse num fôlego só. Ele tinha um olhar alegre, como uma criança que acabou de ganhar um brinquedo novo. E eu acredito que estava na mesma forma.

— Então... amigos? — ele colocou todas as sacolas que segurava numa mão só e estendeu a outra para mim, e eu a segurei sorrindo.

— Amigos.