Os Deuses Caem escrita por RAJ


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Meu conhecimento de Mitologia ainda é um pouco escasso, mas tentei usar tudo que eu sabia . Críticas CONSTRUTIVAS são quase tão bem vindas quanto o filme do Ragnarok da Marvel. Boa Leitura ♥



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/681855/chapter/1

 

Yggdrasil é a árvore da vida. Tão enorme, que arranha o céu e suas raízes abraçam o mundo subterrâneo. Os galhos, que nasceram antes do tempo ser tempo, sustentam os nove mundos existentes:

Helheim, o mundo dos mortos.

Svartalheim, o reino dos elfos escuros.

Nilfheim, o reino das névoas, que é a muito tempo dominado por uma gigante serpente carnívora chamada de Nidhogg.

Jothuheim, que um dia já foi o reino dos imponentes gigantes de gelo.

Midgard, o reino dos mortais.

Vanaheim, o reino dos deuses da natureza.

Alfheim, o reino dos elfos da luz.

Muspelheim, o mundo primordial do fogo.

E, claro, Asgard, o reino dos deuses. Essa não é mais uma das histórias que narram uma das épicas batalhas dos prepotentes heróis asgardianos com quaisquer criaturas de 4 metros de alturas e domínio avançado de magia. Essa é a história de como Asgard conheceu o fim.

E ela começa com Loki.

Loki, o trapaceiro.

Loki, o de muitas formas.

E, futuramente, Loki, o destruidor.

Mas, nesse exato momento, Loki era apenas um homem que, como muitos e muitos outros, queria saber a resposta para a dúvida que assolava todas as criaturas dos noves mundos:

— Qual o meu destino? – perguntou para as três mulheres paradas na margem do lago Uddar, que ficava em frente á uma das três raízes da árvore da vida.

Mulheres com feições distorcidas, olhos vermelhos e que vestiam burcas surradas quase tão escuras quanto suas peles.

As bruxas Nornes. Além de cuidarem da hidratação das raízes da árvore, cada uma das três irmãs era a encarnação de um período do tempo. Elas sabiam de tudo o que aconteceu, o que está acontecendo e o que vai acontecer.

Elas sabiam quem Loki foi, quem ele era e quem ele iria ser.

E, nesse momento, todas as três sabiam que seu visitante não estava ali para ouvir sobre o garotinho assustado que foi salvo do genocídio dos de sua espécie pelo coração afetuoso de uma mãe. Ou sobre o Deus egoísta e desprezado por aquele que negava ser seu pai. O homem alto, esguio e com olhos tão verdes quanto o veneno de Nidhogg queria saber o que lhe aguardava.

E elas iriam lhe contar exatamente isso.

Á meia-noite, um pouco depois de sua visita ás irmãs Norne, Loki voltou para casa e encontrou encostado nos beirais do castelo, seu irmão, Balder.

O mais gentil e amado dos deuses estava com uma feição preocupada e marcas de lágrimas pelo rosto. O Deus mais novo evitou demonstrar a alegria que a visão lhe causava e apenas chamou o nome do irmão com um falso, mas extremamente convincente tom de preocupação na voz.

— Balder, é você? Está tremendo e... Irmão, está chorando?!

— Oh, Loki, os sonhos que eu tive... Trevas e destruição... Imagens terríveis e disformes... Rasgando-me, irmão – a voz soava tão desesperada que, desta vez, Loki simplesmente não segurou o sorriso maldoso, mas Balder, com toda sua inocência e lágrimas borrando a visão, não percebeu – Arrancando o ar de meu peito...

— Se acalme, Balder, essas visões não passam de sonhos, no entanto, se te acalma, iremos falar com os aesires sobre elas. Tenho certeza de que, com sua sabedoria coletiva, eles iram decifrar o verdadeiro significado desses sonhos e presságios. Venha...

Loki já se virava para ir até a sala dos anciões, mas o irmão lhe fez parar com um puxão em seu braço.

— Você acha que é verdade... O que dizem que acontece quando os deuses morrem? Acredita que as valquírias aparecem cavalgando garanhões de nuvem e nos levam para Valhalla?

— Todos esses pensamentos do além túmulo... Afaste-os de sua mente, irmão, nada há de lhe acontecer, eu lhe prometo.

E Balder acompanhou o deus da trapaça.

Á medida que Loki relatava para os aesires os sonhos que Balder havia tido, os anciões ficavam mais preocupados. Não entendiam como um deus tão belo e gentil como Balder poderia estar tendo sonhos tão cruéis.

— A menos – disse um deles – que forças mais sombrias estejam agindo sobre ele.

— Traição, marido – disse Frigga – alguém pretende ferir nosso filho...

— Eu irei até as Nornes – disse Thor, o poderoso - pedirei que decifrem as razões das visitas noturnas á meu irmão.

Típico de Thor, pensou Loki, sempre tentando ganhar o papel de herói.

Mas o Deus da intriga não emitiu uma palavra sequer, ele já imaginava que não seria necessário.

E realmente não foi.

O orgulho e o caráter protetor de Odin prosperaram e o Pai Supremo declarou que ele iria até as videntes.

Agora, sim, Loki deveria intervir.

— É o que tem de ser feito, Pai, sem dúvida, no entanto... Seria melhor se fosse para hel. As Nornes são seres escorregadios como enguias. Vá á hel, sábio Odin, se encontrar com a profetisa que tem obrigação para com a verdade.

Esta pareceu ser a melhor idéia. Assim sendo, Odin montou Sleipnir, seu cavalo de oito patas, e deu o comando para que o garanhão começasse a galopar rumo ao distante reino dos mortos para visitar Hela, a rainha de Hel.

Ao chegar, passa por Garm, o assustador cão escarlate que protege os portões de hel. Alcança o grande palácio, amarra Sleipnir a um mastro feito de ossos e adentra.

— Profetisa, levante-se se estiver dormindo.

Mas a profetisa, a mantedora dos mortos, estava acordada polindo cuidadosamente um caixão de ouro. Hela é cega, mas a visão não lhe fazia falta, conseguia sentir a raiva do Pai de Todos, mesmo que não visse suas feições, podia sentir, e estava surpresa com isso, o medo vindo dele.

—Dormindo, deus-pai? Não, trabalho demais para me dar ao luxo de dormir.

— Profetisa, para quem é esse leito de ouro? - Odin notou a gigantesca mesa farta de alimentos á sua direita – Para quem preparou esse banquete?

— O senhor exige uma resposta?

—Sim.

— Os portões do inferno aguardam ansiosamente seu filho, Balder. Seu sangue será derramado e há de ser apenas o primeiro dos deuses... A morte se aproxima das imortais, senhor.

Ragnarok, pensou Odin, a morte de Balder antecipa a de todos, era o que a profecia dizia.

— Profetiza, como meu fiilho morrerá? Pelas mãos de quem? Odin exige uma resposta.

— Por um de seus filhos, Pai de Todos, mas já contei demais. Só lhe responderei mais uma pergunta.

— Maldita seja, profetisa! Qual dos deuses mata Balder?

— O senhor exige que eu responda, porque essa será minha última resposta. Não prefere saber como a morte de Balder poderia ser, possivelmente, evitada?

— Diga-me... Diga-me como impedi-la, por favor.

Hela sorriu e, mesmo que por um segundo, Odin não pode deixar de pensar que Hela tinha um sorriso tão naturalmente maldoso quanto o de seu pai, Loki.

Munido do conselho, Odin voltou para casa e se reuniu com os deuses e delineou o plano para salvar a vida de Balder (e, por conseqüência, a vida de todos os outros).

Eles teriam de nomear todas as coisas que poderiam matar Balder, o bom, e depois obrigá-las a jurar que nenhuma delas o feriria.

E, de um modo que só acontece neste tipo de narrativa, assim se fez.

O fogo fez um juramento á Frigga.

As montanhas prestaram juramento á Odin.

Todos os animais juraram lealdade á Thor.

Os rios e lagos se comprometeram á Heimdall.

E, assim por diante, deu-se com todos os deuses... Inclusive Loki.

Loki, que se pôs diante de uma das filhas mais jovens e frágeis da árvore da vida, uma pequena árvore de visco.

— Você é uma alma tão gentil, não? Não tem que me prometer nada. Você jamais iria ferir Balder, iria?

As folhas da árvore farfalharam ao vento.

— Não, jamais...

E a mente de Loki vagou até o que as Nornes lhe disseram naquela noite abençoada.

— Loki, todas as coisas nos nove reinos murmurarão seu nome um dia, os homens entoarão cânticos e tecerão narrativas sobre seus feitos enquanto houver montanhas e rios. O que Thor não pode fazer... O que Balder não pode fazer... O que o próprio Pai Supremo não pode fazer... Loki fará.

— Como? Digam-me como devo proceder – pediu, com os olhos brilhando em expectativa

— A morte de Balder – elas disseram – Os deuses caem...

— Eu ascendo – Loki disse, enquanto arrancava um grande galho da árvore de visco – Serei como Nidhogg devorando as raízes de Yggdrasil, serei a serpente devorando as raízes de Asgard.

Naquela noite, os deuses se reuniram em uma comemoração pelo triunfo que tiveram sob o desastre iminente. Beberam, cantaram, festejaram e disputaram. Brincavam de pegar objetos e jogar em Balder, e riam escandalosos cada vez que um cumpria sua promessa e ricocheteava no corpo do deus. Apenas o irmão gêmeo de Balder manteve-se longe do festejo. O velho e cego Hoder, que já chegava ao fim de sua jornada.

Para entender o que vem á seguir, é preciso saber como ele tornou-se o que é hoje.

Hoder costumava ser mais um dos poderosos heróis asgardianos. Poderia matar uma dúzia de gingantes de gelo e, mais tarde, deitar-se com o mesmo número de donzelas. Certa noite, embriagado e com o sangue quente depois de uma batalha, foi até Idunna (a guardiã das maças mágicas que mantinham a juventude e a potência dos deuses) e transgrediu seus limites.

Desde esse encontro, Idunna (por vingança) negou a Hoder suas maçãs, condenando-o á uma vida de perpetuo inverno, enquanto seus irmãos e irmãs brincavam numa primavera eterna. Então, imagine a surpresa do ancião quando ouviu a bela e extremamente familiar voz feminina, num volume que deixava claro que a dona dela estava próxima á si.

— Pobre e velho Hoder... – disse a mulher – quanta diferença entre o homem que você é o homem que você foi...

Hoder a abraçou, e os anos desabaram, o arrependimento fluía avolumou-se sobre ele como um rio extravasando sobre suas margens.

— Eu sinto muito, lamento tanto o que fiz, Idunna! Eu era um jovem tão tolo, tão prepotente.

— Calma, meu velho guerreiro, você pode ser jovem novamente.

—Posso?

— Tome este galho de visco, junte-se aos outros e acerte seu alvo. Prove para mim que seu espírito ainda é jovem e eu virei essa noite com minhas maças. Tudo se acertará.

Virou o corpo de Hoder para a direção da clareira onde os deuses se divertiam, e ele foi caminhando lentamente.

—Siga em frente, muito bem. Bom, Hoder. Bom...

Se a visão de Hoder não tivesse sido destruída pelo tempo, talvez ele tivesse visto o sorriso maldoso que cresceu tão naturalmente no rosto sereno daquela que lhe dizia ser Idunna, e tivesse desconfiado, mas Hoder era tão cego e desesperado que apenas colocou todas suas esperanças naquele galho de visco.

— Balder! Irmão!

Os deuses gargalharam com a visão do velho levantando tão selvagemente o galho fino.

Pobre e velho Hoder, pensaram. Mas Balder, sempre bom e gentil, teve o coração aquecido ao ver seu irmão.

— Estou imóvel, bem diante de você. Se guie pela minha voz, irmão, mire nela.

E Hoder, que outrora fora vigoroso e robusto e que agora sonhava em ser novamente, Hoder, que em tempos dourados poderia atirar uma lança com a precisão de Odin e a força de Thor, o pobre e velho Hoder arremessou o galho de visco com toda sua força.

E Balder riu, riu até o segundo em que Loki voltou de dentro do bosque sem ser notado e parou de rir quando notou o olhar aterrorizado de sua mãe. Sentiu a dor aguda no peito e seu corpo repentinamente perdeu as forças. Mas não estava entendendo. Ninguém estava. Apenas Loki, que se guardava no canto com um discreto sorriso vitorioso.

Benditas sejam as Nornes, pensou, enquanto Thor empurrava a multidão gritando o nome do irmão, Frigga paralisava com um olhar horrorizado e Odin fazia o mesmo caminho do filho mais velho.

No fim, esta lenda em particular era verdadeira. Quando os deuses morrem, as valquírias realmente vem buscar suas almas, montadas em garanhões de nuvens. Quando se aproximou de Valhala, Balder, o bom, pôs-se a chorar. Porque, no fundo de seu coração, ele sabia que seria feliz.

Frigga agora chorava, agarrada ao corpo do filho morto, o sangue antes divino ensopava suas roupas e as tingia de um vermelho que nem mesmo a abundância de lágrimas que chorava poderia dispersar. E Hoder, este estava confuso.

Ouvia os murmúrios, ouvia os gritos, ouvia o choro desesperado e, agora, ouvia a voz grave de Odin, lhe exigindo uma explicação. Mas, antes, que qualquer deus pudesse dizer qualquer coisa, Loki, o maldito, tomou a espada de Heimdall e desferiu um golpe mortal contra o velho deus.

— Ele matou Balder, Pai, o mais amado e gentil dos deuses, e sangue sempre derrama sangue...

Mas Loki não tinha idéia de quanto sangue seria derramado. Ele não tinha idéia de que seria ele, Loki, o culpado de tingir toda a árvore da vida de rubro com o sangue abençoado dos deuses.

Naquela noite, Frigga passou a noite em claro, chorando sozinha em seus aposentos. Os deuses se recolheram em um luto sincero, o corpo de Hoder foi deixado para apodrecer em um canto qualquer e Odin começou a juntar seus exércitos.

Porque, por mais que ele sentisse uma grande vontade de descobrir quem era o bastardo que havia planejado a morte de seu filho, era sábio e sabia o que estava por vir.

O Ragnarok havia começado. E os deuses iriam cair. Um por um.

FIM


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Os Deuses Caem" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.