Wonderland - A Origem escrita por Miss White


Capítulo 1
Em Cima da Cachoeira




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“A manhã estava cinzenta. Uma névoa pairava sobre os campos e as colinas, e Meggie teve a impressão de que as sombras da noite haviam se escondido entre as árvores.” — Cornelia Funke, Coração de Tinta.

 

I

Em Cima da Cachoeira

Minhas pernas queimavam com o esforço da caminhada. Três horas seguidas de constante subida. Pego a garrafa e bebo um pouco de água. Olho para o lado e vejo que minha prima fresca continuava reclamando de tudo, ela odeia a natureza e mesmo assim concordou em vir. Agora você me pergunta: por quê? Infelizmente, eu sei a resposta.

Esse acampamento foi ideia do meu irmão, e a minha prima, Larissa, é caidinha por ele. Antes que você pergunte, não, ele não é meu irmão de verdade. Meus pais se separaram antes mesmo de eu aprender a andar, a mãe dele morreu no mesmo ano. Fomos inseridos um na vida do outro, aos cinco anos e somos muito amigos. A propósito, o nome dele é Luke.

Voltando ao presente, estou em uma trilha com Larissa, que é o tipo de garota considerada bonita, com o corpo escultural; o Luke, meu irmão de cabelos sempre despenteados, seguia à frente, nos guiando. Logo à minha frente, o Derek, amigo de infância do Luke, seus músculos de surfista realçados pelo movimento.

— Megan! — ouço uma voz distante me despertando, estava tão cansada que entrei no modo automático — Megan!

Balanço a cabeça e olho para trás, os três estão sentados descansando, enquanto eu continuava andando.

— Resolvemos parar um pouco. — Luke falou, rindo. Reparei que Larissa estava sentada no chão, encostada na perna dele.

— Bom. — respondo.

Pego água e barrinhas de cereais dentro da mochila, sento encostada na pedra em que os meninos estão e começo a comer, alheia às conversas entre Luke e Lari. Sinto uma mão no meu ombro.

— O Luke te contou onde estamos indo? — Derek sussurra.

— Não. — respondo, também sussurrando — Você vai me contar?

Ele riu e bagunçou meu cabelo da mesma cor que a dele, só que lisos, que estavam soltos. Em troca, bagunço o dele, também rindo. Derek se inclina para perto de mim, e volta a falar, em voz baixa:

— Olha, eu não posso te contar o destino, pois seu irmão me mataria, ele está fazendo suspense de propósito.

Rio baixinho, para que o Luke não me ouça, e lanço um olhar de cumplicidade para o Derek: ambos já havíamos ­sofrido muito com esse lado dele.

— Mas vou te contar algo: — ele sussurrou novamente — tenho uma surpresa incrível para você no lugar para onde vamos.

— É? E o que é?

— Eu disse que era surpresa.

Ele dá uma piscadinha e me dá um sorriso maldoso. Cretino. Não tenho tempo para respondê-lo, pois o Luke levanta já nos chamando para continuar. Lari fica de pé também, totalmente contrariada.

Derek chegou à minha frente, com a mão estendida.

— Não se preocupe, An, já estamos chegando.

Aceitei sua mão e me levantei, segurando a mochila. Passei a segui-los. Minha mente voltou ao verdadeiro motivo de estarmos ali, seguindo o Luke sem saber pra onde. Meu pai, quero dizer, padrasto, só aceitou esse passeio por insistência da minha mãe, pois Luke e eu não fazemos o tipo “santinhos”.

Luke é apenas três meses mais velho que eu, portanto, estamos na mesma classe na escola, ou seja: somos um terror! Apesar desses problemas e algumas suspensões, nós dois somos gênios. Vivemos estudando e só tiramos notas altas, tanto que pulamos o segundo ano do colegial, por indicação dos professores (embora eu ache que o verdadeiro motivo disso seja eles quererem se livrar de nós mais rápido).

Agora é verão e nós já terminamos o colegial; eu passei na melhor universidade de arquitetura e matemática – que fica a 100 km de onde moro, e o Luke passou em uma de direito, que fica do outro lado do estado. Pela primeira vez vamos nos separar e eu acho que minha mãe queria nos compensar — e ficar sem nós dois por duas semanas.

Eu devo ter sorrido com esse último pensamento, pois meu irmão olhava para mim como se eu fosse louca. Prendo meu cabelo em um coque e adianto o passo para ficar ao lado dele.

— Falta muito? — Perguntei fazendo biquinho.

— Não, pequena. — ele tinha que mencionar a minha altura, ou a falta dela — Aliás, chegamos.

Eu olhei onde estávamos: um vale verde, salpicado de flores de verão, não muito longe se via uma cachoeira, que desaguava em uma grande piscina natural, seguindo para um rio, uma linha azul cortando a imensidão ver e colorida.

Eram quatro horas e o sol batia na água, causando um efeito magnifico. Não se ouvia nada além do canto da cachoeira e dos pássaros. Olhei pasma para Luke. Ele riu da minha expressão e gritou para Derek.

— Derek, chegamos! Estamos indo pra cachoeira! — e saiu correndo.

Eu corri atrás do Luke para alcançá-lo, o que era fácil, já que estávamos descendo uma ladeira. Chegamos ao final do barranco e ele faz uma pausa, observando.

— Luke, o que... — começo.

— Seja bem-vinda ao paraíso do Luke! — ele falou, abrindo os braços e girando em volta de si.

Derek chegou correndo e me pegou pela cintura, me levantando. Ao me pôr no chão, olhamos para a mesma direção, a tempo de vermos a Lari escorregar e descer a ladeira como se estivesse em um tobogã.

Larissa se levantou. Seus olhos ardendo em fúria. Eu não conseguia parar de rir, com certeza estava vermelha — sempre lamentei o fato de minha pele ser branca, nem o sol resolve. Olhei para o Derek, que estava ao meu lado, se segurando para não rir.

Parecia que ela ia explodir de raiva. Eu ia ajudá-la com as coisas quando o meu irmão passou na minha frente, em sua direção.

— Lari, acho que sua roupa está suja.

— É claro que está suja! Eu acabei de escorregar barranco abaixo, se você não viu!

— Mas é claro que eu vi, deixa eu te ajudar.

Eles tentam tirar a terra da roupa e da pele dela, sem muito sucesso. O Luke endireita a coluna, balança a cabeça em negação, com uma expressão fingida de negação, que eu conhecia tão bem.

— É, não tem jeito, vamos ter que lavar.

Antes que ela sequer entendesse o que isso significava, ele a carregou nos ombros e começou a correr em direção ao lago. Larissa gritava, batia nele e esperneava, mas o Luke é forte demais para ser vencido por uma simples adolescente histérica. Continuava firmemente em direção à agua.

Derek e eu corremos atrás deles, rindo, e meio que apostando corrida. Quando chegamos, Larissa já estava dentro d’água, encharcada, mas pelo menos, limpa. Olhei pro Luke e lancei um sorriso, mas ele estava olhando para o Derek, com um sorrisinho malicioso. Percebi tarde demais o que estava para acontecer.

Em um segundo eu estava em pé, no outro estava sendo carregada por eles: Derek me segurava pelos braços e Luke pelos pés; balançada como um saco de farinha e jogada na água. Logo, os dois também pularam.

Quando o sol começou a se pôr, eu lembrei que as barracas ainda estavam desarmadas. Então, completamente encharcados, começamos a organizar as coisas. Os meninos estavam quase terminando de montar as barracas e me pediram para buscar lenha num bosque ali perto.

Esse já era um trabalho comum para mim: andar, colher galhos grossos — mas nem tanto —, secos, para queimar bem... Luke havia me treinado para acampar anos antes, mas eu me sentia incomodada de andar em bosques sozinha. Sempre sinto como se mil olhos me observassem. Mesmo assim, entrei e saí do bosque, com a lenha em mãos.

Meia hora depois, já havia escurecido, e estávamos todos comendo marshmellow, bebendo chocolate, cantando e contando histórias em volta da fogueira. Queríamos acordar cedo, então logo fomos para as cabanas, dormir. Derek e Luke ficaram juntos em uma das barracas, eu e Lari, em outra.

Dormir em barraca de acampamento não é algo muito confortável, eu estou acostumada, mas a Lari não. Foi um inferno enquanto ela não pegou no sono, e já passava da uma da madrugada quando consegui dormir.

Como se não bastasse eu ter dificuldade pra dormir, algum tempo depois uma luz forte atinge meu rosto. Com a cabeça lenta de sono, me viro sem pensar no que pode ser. Algo puxa meu pé, e eu abro os olhos assustada, balançando meus pés e me preparando para gritar, quando uma mão firme simplesmente tapa minha boa.

Quando voltei à razão, vi o Derek. Ele tirou a mão da minha boca e levou à dele, em um sinal de silêncio, sem fazer barulho. Fez um gesto para que eu o seguisse e saiu da cabana.

Eu fiquei olhando o local por onde ele havia saído, piscando os olhos, confusa. Quando saí da cabana olhei confusa pra ele, esperando uma explicação digna de me acordar.

— O que você quer me acordando uma hora dessas? — sussurrei.

— Calma, bravinha. Eu disse que tinha uma surpresa, não disse? Vamos, você vai gostar.

Ele me tira da barraca às pressas para não acordar minha prima. Devem ser umas seis da manhã, o sol quase não se levantou ainda, a luz calma e fraca.

Desvio meu olhar para a cabana onde Lari dormia e em seguida para a dos meninos, onde o Luke provavelmente estaria roncando em alto sono. Como que lendo os meus pensamentos, ele disse:

— Eles vão ficar bem sem nós, e não vamos demorar muito. — ele olhou nos meus olhos — Por favor.

Desviei o olhar para os meus tênis — pelo menos eu havia os calçado — mordi o lábio inferior, pensativa. Por fim disse:

— Tudo bem, vamos logo.

Derek começou a andar em direção à cachoeira.

— Eu achei um lugar por aqui na ultima vez que vim com o Luke — ele falou, me guiando por uma trilha, até que parou em uma pedra, que dava pra ver o topo da cachoeira.

Eu olhei pra cima e perguntei:

— Eu vou ter que subir isso?! — Eu devia ter feito uma cara engraçada, pois ele começou a rir imediatamente.

— Sim, Maggs — ele piscou e minha mente voou para o passado. Quando eu tinha dez anos.

 Luke e Derek eram amigos há apenas dois meses e eu estava de penetra no passeio deles. Estávamos andando pela praça do bairro e eu vi uma placa que nunca esteve lá antes, eu não entendi o que estava escrito, as letras pareciam de um alfabeto estranho, e tinha um desenho de um coelho ao lado; apontei a placa para os meninos e perguntei se eles sabiam o que aquilo significava; eles olharam para mim como se eu fosse maluca, eu virei de volta para a placa, era apenas a placa da Magg’s, uma antiga doceria do bairro. Os meninos começaram a rir da minha expressão confusa e passaram a me chamar de Maggs, tanto para me provocar e me lembrar do meu momento de lerdeza e loucura, quanto pela semelhança que o nome da loja e o meu tinham.

Minha cabeça voltou ao presente — certo, eu preciso parar com esses flashbacks — eu olhei pra cima e vi o Derek me oferecendo a mão para subir a pedra, suspiro e aceito a ajuda. Subimos na pedra e chegamos ao lado da cachoeira. Derek fez um “tandam!” e eu fiquei lá olhando, confusa.

— O que era pra eu ver mesmo?

Ele suspirou cansado, e chegou mais perto de mim, me pegou pelos ombros e me virou, foi quando eu vi: uma brecha na cachoeira, que dava em uma gruta. Andei lentamente para dentro dela, seguida pelo Derek.

— Wow! — Olhei em volta e depois para ele, sorrindo. Era uma gruta simples, mas o efeito da luz na água era lindo, as paredes tinham um tom meio azulado, que se movimentava por conta da água.

— Lindo, não é? — Derek perguntou, sentando-se em uma rocha.

— Perfeito. — passei a mão na parede úmida da gruta, sentindo as rochas marcadas pelo tempo. Distraída, tropeço em algo, quando olho para baixo, descubro que quebrei um pedaço de rocha, revelando uma pedra com um brilho azul e pálido. Olho para o Derek, ele parecia distraído, olhando a água cair, metodicamente, do lado de fora.

Eu me abaixo e afasto as pedras, descobrindo aquela pequena pedra brilhante, pego-a, tirando a poeira. Ela era pequena o suficiente para que eu a envolvesse completamente com a mão, talvez o tamanho de um olho humano; tinha formato oval, mas não era apenas uma pedra, parecia uma safira e estava adornada de metal, talvez prata, enfeites elaborados e delicados com um lugar para pendurar em algo, uma corrente, talvez...

Girando aquele pequeno enfeite na mão, percebi algumas inscrições no metal: uma delas com certeza era um “M” e as outras eram símbolos. Antes que eu tentasse decifrá-los, o Derek chama:

— Meg, vamos?

Eu dei um pulo, assustada, e guardei a pedra no bolso da calça. Derek olhou, desconfiado:

— O que você está fazendo aí?

— Nada. — tentei parecer calma e verdadeira — Vamos, Luke e Lari já devem ter acordado. — desviei o olhar e torci para que ele engolisse a minha desculpa.

Derek fez uma expressão desconfiada, mas logo balançou a cabeça e sorriu, como se nada que ele estava pensando fizesse sentido. Ele se virou e saiu pela abertura na cachoeira. Fiquei olhando o local onde ele estava, coloquei a mão na calça, sobre o bolso, sentindo o pequeno volume que a pedra fazia. Suspirei. Sinceramente, não sei o porquê de eu não ter mostrado o enfeite, afinal, era apenas uma pedra! Mas eu, por algum motivo, queria guardá-la pra mim, dar uma olhada melhor primeiro.  Respirei fundo, fiz a minha melhor expressão inocente, e saí.

A volta foi silenciosa e irrelevante, quando chegamos ao acampamento, fomos comer algo e trocar de roupa pra nadar. Eu fiquei sozinha na cabana e tirei a pedra do bolso, mas decidi examiná-la somente quando voltasse para casa, então a coloquei em um fundo falso que tem na minha nécessaire.

Fomos todos nadar no lago, brincamos de briga de galo, competição de natação, saltos... A brincadeira preferida dos meninos era empurrar Lari e eu de volta para a água quando subíamos na borda para descansar, já que o lago era fundo. Ficamos nadando e fazendo jogos até o pôr do sol.

No dia seguinte fizemos trilha, investigando as cavernas e quedas d’água que haviam por perto. Aquela sensação de estar sendo observada me seguia a cada passo, mas eu nunca comentei nada com ninguém.

Em um piscar de olhos, uma semana inteira já havia passado, era aniversário da Lari, então ficamos acordados até tarde. Perto da madrugada, o Luke estava tocando violão, Lari estava cantando e eu estava com a cabeça encostada no ombro do Derek, morta de cansaço.

Acho que acabei cochilando, pois tive um pesadelo horrível e acordei com uma sensação estranha no peito. Os meninos me tranquilizaram, dizendo que era apenas um sonho. Mas aquele sentimento de que havia algo errado permaneceu comigo.

 


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