Cada pessoa tem seu jeito, cada um é único e nesse mundo complexo não existe melhor ou pior. Certo que tem umas pessoas que lutam pela causa errada ou simplesmente gostam de causar o mal, mas eu acredito que eles não são piores que ninguém.

Na minha sala de aula, maioria dos garotos eram errados. Uns pecavam no quesito babaca, já outros eram simplesmente irritantes com seus papos preconceituosos, se bem que eles estão incluídos nos babacas. Você sabe, coisa de escola. Mas em minha sala tem um garoto em especial. Caso não tenha percebido, eu sou um garoto que presta atenção em outros garotos. Um choque para os conservadores.

Uma das coisas que eu mais amo no mundo é a variedade de combinações. Homem com mulher, mulher com mulher, homem com mulher, e claro, os não-binários, relacionamento a três, é tanta coisa que me confunde. Acho que vocês perceberam que eu tenho mania de enrolar os assuntos.

Voltando ao garoto, seu nome é Thiago. Ele tem minha idade, 17. Ele faz o meu tipo. Bem, o Thiago é bem nerd, usa óculos e fala umas coisas que eu me perco só de tentar assimilar. Umas conversas de estrelas, quasares, buracos negros, Mancha Vermelha. Ele é viciado em espaço. Já eu sou mais humanas, ficava na arte.

Eu não era o cara mais popular do colégio. Ok, eu tenho vários inimigos por apenas existir. Eles não lidam muito bem pelo fato de eu não abaixar minha cabeça e engolir o desaforo desses nojentos, mas eu tenho meus amigos. Porém, de amigo mesmo eu só tenho o Thiago para contar sempre. Ele sempre foi bem reservado em relação a sua vida, mas é quase explícito o carinho que ele tem por mim e o tanto que eu gosto dele. Acho que o nome disso é amizade, mas não nego que tenho uma queda por ele. Não é uma daquelas instantâneas, demorei quase um ano para perceber isso.

Um dia ele me convidou para ir na casa dele, fiquei preocupado pelo tom de voz. Thiago parecia tão triste, eu soube que ele tinha uma irmã mais nova. Ele não quis entrar em detalhes, só sei que chorava muito. Ele realmente estava mal. Sem nem me arrumar, fui até a rua dele. Ele estava com os olhos vermelhos de tanto chorar. Eu o abracei como nunca fiz antes, numa tentativa de acalmá-lo e ao mesmo tempo liberar a vontade de ter um contato tão próximo com ele. Me senti frustrado por não poder ajudá-lo direito, apenas confortá-lo não parecia ser o bastante, sequer parecia ser possível. Aquele abraço parecia durar horas, mas na verdade apenas alguns minutos estavam se passando. Minha jaqueta estava molhada de tanto tempo que ele estava chorando.

— Vai melhorar. Confia em mim. — Era a única coisa que eu podia falar, creio que não era o bastante, mas era o que eu tinha. Seus óculos caíram no chão, mas ele não ligou. Creio que ao apertar seu rosto em meu ombro os derrubou. Depois de uns minutos, ele me levou até a casa dele. Sua mãe não estava lá, nem seu pai. Eu nem quis perguntar o motivo, ele parecia arrasado e, talvez, isso só iria piorar.

— Quer suco? — Ele perguntou, quebrando um silêncio melancólico que durava uns minutos.

— Aceito. Obrigado. — Falei, percebendo que estava com sede. Thiago foi até a geladeira pegar.

— Thiago... Eu... — Gaguejei, percebendo que ia falar algo errado para o momento. — Conta comigo, tá? — Prossegui, vendo-o esboçar um sorriso. Eu percebi que era possível ajudá-lo a melhorar, e foi isso o que eu comecei a fazer. Minha meta foi ajudar Thiago a ficar feliz, sorrir. Voltar a ser o antigo Thiago.

Uns dias se passaram, Thiago não estava indo para o colégio, mas eu passava toda tarde em sua casa. O caminho até lá era simples e ainda ficava entre a minha casa e a escola. Ele não demostrava melhorar, mas eu não ia parar de tentar fazê-lo ser feliz novamente. Com o tempo indo até a casa dele, acabei conhecendo seus pais. Eles são legais, mas também estavam um pouco tristes. Não tanto quanto Thiago, o estado dele era assustador. Ele sequer chegava a comer direito. A perda de peso começou a me preocupar depois de umas semanas, mas ele ao menos voltou a ir para o colégio. Ver as pessoas se aproximando dele por pena me deixava enjoado, tenho certeza que o incomodava também. Ele me perguntou se, caso as coisas ficassem difíceis, ele poderia tentar do jeito dele. Acho que ele queria dizer que ia tentar fazer as coisas melhorarem, mas não soube como reagir. Eu sempre falava — Você é quem sabe.

Eu achei que era hora de finalmente revelar que gosto dele, tentar animá-lo com isso. Esqueci de dizer, Thiago não havia se descoberto ainda. Nós conversávamos muito e esse assunto acabou sendo abordado por nós. Resolvi fazer uma surpresa legal, achei um livro sobre os astros e o comprei. Coloquei um pedaço de papel dentro dele com tudo escrito, na primeira página das estrelas, seu assunto favorito. Fui até sua casa depois da aula, estava pronto para falar tudo.

Ele estava no banheiro, a porta estava aberta. Avisei para ele que tinha entrado no quarto.

— Gabriel, se lembra quando você disse que poderíamos fazer do meu jeito um dia? — Ele perguntou, chorando.

— Sim, lembro. — Respondi, folheando o livro e tendo certeza que a declaração estava lá.

— Me desculpa. — Ao ouvir Thiago falar isso, meu coração gelou. Demorei alguns segundos ligando os pontos e então corri até a porta, vendo-o apoiado na pia. Seus pulsos sangravam, estava tentando se matar. Ele não parecia feliz, eu nunca o vi tão arrasado.

Uns meses se passaram, o último ano letivo já ia se iniciar. Eu nunca mais vi Thiago, sua família se mudou. Até hoje me arrependo de não ter entregado aquele livro para ele. Do jeito que o mundo é sempre tão conectado, ainda tenho seu contato nas redes sociais. Espero um dia revê-lo. Quem sabe contá-lo que gosto dele ou ao menos ver seu sorriso mais uma vez. Eu soube que ele já está melhor. É bom poder saber que ele ainda é meu melhor amigo. Palavras dele.