A Vida de uma Anônima escrita por Pauliny Nunes


Capítulo 2
A pior de todas as verdades




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 De cara ele preferiu mentir. Negou veemente que conhecia aquela mulher. E segundo ele, nem sequer já havia ouvido falar no nome dela. Mas eu o conheço tão bem, ou melhor, conhecia. Esse homem sentado à minha frente nada lembra o rapaz por quem me apaixonei. O mesmo cara que pediu minha mão em namoro a meus pais e que me pediu em casamento há um ano. Não é a mesma pessoa.

          Mas lá estava aquele que dizia me amar para sempre, se engasgando nas palavras, suando, agitando freneticamente a perna e desviando o olhar.

— Eu não sei de onde você tira essas coisas sabia? - disse ele finalizando com um sorriso nervoso.

—Ela bateu na porta da sua casa hoje de manhã… disse o seu nome… e que está grávida de você. - Eu disse bem devagar enquanto o encarava, sabia que estava mentindo e aquilo me dava vontade de afundar a cara dele na mesa. 

   Então ele me encarou, sabia que não podia escapar daquilo. Eu a vi, ela falou comigo e finalmente eu soube que ela era real.

***

   Enquanto estava no avião, percebi que a maior parte do nosso relacionamento era à distância e sempre revezávamos a cada quatro meses para um ir à cidade do outro. Mas nos últimos meses, quando era a vez dele vir, sempre acontecia algo e ele não podia. No começo eu não via nada demais, já que o destino não conspirava ao nosso favor, depois de um tempo eu comecei a suspeitar e a interrogá-lo. As conversas online se tornaram raras e mal o encontrava no celular. Quando eu estava na casa dele, ele mantinha o aparelho sempre guardado consigo. Afastava-se para atender e não me deixava usar notebook dele, alegando que o mesmo estava com vírus.

   Assim que cheguei à cidade fui direto para a casa dele. A quitinete estava arrumada, o que me deixou intrigada. “Será que ele contratou alguém para limpar a casa?” pensei. Coloquei minha mala no quarto em cima da cama, tirei meu relógio e o coloquei em cima do criado – mudo, onde deveria ter um retrato meu com o Arthur de noivado. Procurei a foto, até encontrar em uma das gavetas do guarda roupa, coloquei de volta no criado e fui para cozinha. Com a geladeira e a dispensa cheias, tinha tudo o que eu precisava para fazer um belo capeleti ao molho de tomate. Afinal, nada melhor que só abrir a embalagem, jogar na água fervente e depois jogar um sachê de molho pronto.

   Enquanto fervia a água para o capeleti, comecei a escrever um cartão surpresa com o extrato da poupança, onde mostrava que eu havia conseguido a minha parte para fazer o casamento. Arthur já tinha a outra metade, agora teríamos de correr atrás dos preparativos. Finalmente podia sentir que as coisas estavam se encaminhando. Pelo menos até alguém abrir a porta da quitinete.

   Faltava muito tempo ainda para o Arthur chegar, então fui até a sala ver quem era. Uma garota estava guardando a chave em sua bolsa sorrindo, mas quando me viu seu sorriso desapareceu na hora e uma expressão de dúvida tomou conta. Cheguei mais perto para observá-la, tinha cabelos castanhos encaracolados, sua pele estava bronzeada, olhos cor de mel, muito maquiada e com um tubinho preto assim como os sapatos, não parecia que tinha ido à quitinete para faxinar ou qualquer coisa do tipo.

 

— Olá. - Comecei dizendo à garota – hã... Tudo bem? Quem é você?

   Ela colocou a bolsa na mesa de centro e estendeu a mão enquanto dava um sorriso amarelo. Eu só tentava imaginar em que a garota estava pensando.

—Oie! – respondeu. Como eu não a cumprimentei de volta, colocou a mão ao lado do corpo - Me chamo Nicole, sou namorada do Arthur... Quer dizer... Quase noiva – então deu um largo sorriso enquanto passava a mão na barriga – Espero que seja antes que alguém dê as caras. E você é...?

“Nicole... namorada... noiva... e grávida... grávida do Arthur... do Arthur... meu noivo...” eram essas palavras que fervilhavam em minha cabeça. Enquanto Nicole continuava falando, me perguntava como ela não me reconheceu, já que a casa era cheia de retratos meus com ele. Como ela ousava dizer aquelas coisas para mim.

— Então, você está grávida? – foi tudo o que consegui perguntar. Fiquei tonta a ponto de sentar em um dos sofás da sala. Ela parecia preocupada comigo e sentou no mesmo sofá.

— Você está bem? Está pálida... Vou buscar uma água – disse preocupada olhando para mim. Ela foi até a cozinha e quando voltou estava com uma cara de surpresa – Então você é a cozinheira?

— Não. - respirei fundo e bebi um pouco d’agua - Eu sou a noiva dele.

   Ela se levantou com um pulo, seu rosto estava incrédulo. Então levantei também, sempre imaginei esse momento, só que eu estaria batendo na amante dele, no mínimo. Agora sentia pena, ela não sabia de mim e eu muito menos dela. Éramos duas enganadas e o Arthur era o verdadeiro canalha.

— Noiva dele? Impossível! Eu saberia se ele tivesse alguém! – esbravejou Nicole. Cruzou os braços e me encarava com raiva – Olha só, não sei o que vai ganhar com isso, mas ele só tem uma mulher na vida dele e sou eu.

— Você não percebeu os retratos espalhados pela casa? Estou em todos eles! No quarto tem um do nosso noivado. – disse apontando para o quarto de Arthur.

— Que retratos? Você está vendo algum retrato por aqui? – E apontou para sala - Hello! O Tutu não tem retratos em casa, ele odeia tirar fotos. Se fosse mesmo noiva dele, ou algo do tipo, saberia.

   Olhei ao redor, ela estava certa, não tinha mais nenhuma foto nossa ali. Sem falar, fui para o quarto e peguei a foto do criado mudo. Antes de sair fui até a gaveta onde a tinha encontrado e todas as fotos estavam lá. Ele as escondeu e eu não tinha percebido. Voltei para a sala com todas elas.

— Estava falando dessas fotos – disse jogando todas as fotos na mesa de centro – Aí estão todos os nossos aniversários de namoro, nossa primeira foto, fotos aleatórias e a de noivado.

   Ela pegou uma foto, sentou novamente, olhou para mim e começou a chorar, assim que leu o verso. Era a do nosso primeiro dia dos namorados e estávamos nos beijando e atrás tinha uma dedicatória dele: “Para sempre seu, nessa e em todas as vidas. Arthur”. Infelizmente, eu estava certa sobre tudo.

— Ele me enganou – disse chorosa apertando a foto contra o peito – Como ele pôde? E o nosso filho?

— Ele enganou a nós duas, mas não se preocupe, eu vou tirar essa história a limpo agora.

   Liguei para um táxi, desliguei a água e peguei minha bolsa que estava no quarto. Quando voltei à sala, Nicole não estava mais.

   Cheguei à empresa, liguei para Arthur. Ele desceu o elevador e me encontrou no hall. Estava com uma cara surpresa, com um sorriso aberto no rosto que logo sumiu ao ver a minha cara demonstrando toda a minha vontade de matá-lo.

— Oi Amor, Nossa... Não acredito que está aqui... Achei que fosse vir mês que vem. – então veio em minha direção para me beijar. Virei o rosto, o deixando beijar minha bochecha, contrariado – Tudo bem? Aconteceu algo?

— Eu prefiro conversar com você em outro lugar... De preferência sem testemunhas, fica mais fácil para esconder seu corpo – disse secamente.

— Você sempre fazendo piada, amor. Espera só um minuto que eu vou avisar meu chefe e podemos ir à cafeteria. – sorrindo nervoso. Eu estava falando sério. Arthur veio em minha direção, mas parou no meio do caminho. Talvez estivesse com receio de novamente acabar beijando a minha bochecha.

   Menos de meia hora depois estávamos na cafeteria, onde as nossas vidas deixariam de se cruzar.

***

   Arthur me encarava enquanto eu tomava meu suco. Então suspirou: sabia que agora ele ia dizer a verdade.

— Eu a conheci em uma festa da empresa - encostou-se à cadeira e afrouxou sua gravata, como se ela estivesse prendendo todas as suas palavras - Uma, das muitas festas na qual você não compareceu. Começamos a conversar trivialidades e quando dei por mim estava acordando com ela do meu lado no meu quarto. No começo eu me assustei, senti um lixo e... Nossa, passou tanta coisa na minha cabeça! O que mais me preocupava era como você reagiria se soubesse. Quando ela acordou não saiu correndo da cama, não me disse que tinha que ir para casa antes que os pais soubessem, ou tinha de pegar o avião, ou tinha trabalho da faculdade para fazer, procurar emprego... Todas as desculpas que você dava quando estava comigo. Ela só acordou e olhou para mim e fico conversando na cama. Perdi a coragem de contar para ela que você existia, pois... Como posso dizer... Eu podia levá-la a todas as festas da empresa e sair a qualquer hora sem ter de ficar ligando para seus pais, como se ela fosse uma adolescente e não uma mulher... Eu podia acordar com ela todos os dias. Eu podia conversar com ela pessoalmente e viver os bons e maus momentos ,  sem computador, celular e cidades, entre nós. Ela se tornou a minha companhia na sua ausência. Quando ela contou que estava grávida, a realidade bateu. Seria pai de uma criança e não era com a mulher que eu amo... Eu percebi que precisava consertar isso antes que você descobrisse. Por isso sempre desmarcava os encontros. Precisava de tempo para desfazer tudo que fiz.

— Você está querendo dizer que a culpa por ter me traído, é minha?- gritei batendo na mesa.

   Todos os clientes do local olharam para a nossa mesa. Ele abaixou a cabeça e ficou mexendo na aliança. Decidi voltar a tomar meu suco de maracujá, pois não só minhas palavras queriam sair, minhas lágrimas também.

— Amor, cada um tem sua parcela de culpa nessa situação, seja realista. Se você tivesse agido de acordo com os nossos planos, não estaríamos discutindo a respeito . Se não colocasse a sua família, sua vida lá na tua cidade, sempre na frente do nosso relacionamento... Eu não ia precisar ficar procurando atenção em outro lugar. É como dizem: Se não tem comida em casa, a gente encontra na rua - segurou a minha mão enquanto fazia cara de cachorro abandonado- Olha, acredite em mim, isso tudo não significou nada... Foi só um tropeço. Garanto que não vai mais se repetir. Se preferir, até prometo.

— Não significou nada? E como vai resolver a questão do filho que vocês estão prestes a ter? - ri sarcasticamente - vai embalar e devolver para a cegonha dizendo que foi um mal entendido?

— Eu tenho algumas ideias... Mas não quero que se envolva nisso. Deixe tudo comigo. A única coisa que tem de se preocupar agora é ir para minha casa, tomar um banho e me esperar. Quando eu chegar a casa, não tenha dúvidas de que essa situação será apenas uma história para contar aos amigos quando estivermos casados.

Debrucei-me sobre a mesa e cheguei bem perto de seu rosto. Olhei cada detalhe, segurei levemente em seu queixo, desci a mão até sua gravata e sussurrei:

—É uma boa ideia, Arthur. Mas tenho uma melhor: Eu vou até a sua casa, arrumarei as minhas malas e quando você chegar, nada do que é meu estará lá. E tenha certeza de que nunca mais terá. 

— Eu não acho essa uma ideia melhor... Eu... Qual é... Olha daqui... - olhou para o relógio enquanto eu me levantava- Daqui uma hora eu saio do serviço e aí a gente pode conversar melhor sobre tudo.

— Só tem um problema: EU não quero! Acabou, Arthur!- gritei. Não suportava mais olhar para sua cara. Então me levantei. Olhei para minha aliança, que naquele momento pesava uma tonelada. Retirei-a do meu dedo - Pega a droga dessa aliança e dê para ela. Espero que sejam muito felizes.

   Quando percebi tinha jogado a aliança nele, que agora me olhava surpreso. Enquanto saía da cafeteria pude escutar algumas pessoas batendo palmas. Eu não me senti melhor... Na verdade estava perdida. O que eu faria agora?


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