Calmaria escrita por daddysaidno


Capítulo 1
Quando o mar canta


Notas iniciais do capítulo

Olá!
Essa oneshot foi escrita com muito carinho porque é um cenário e uma história que eu idealizo há bastante tempo e que pretendo, talvez, transformar em uma fic inteirinha no futuro, caso agrade. Mas como não tenho tempo ultimamente, criei essa one pra não perdê-la no limbo da minha cabeça.
Espero que gostem ♥



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Me agarrei à amurada quando o balançar do convés sob meus pés quase me jogou ao chão. Os homens corriam ao meu redor lutando para manter as cordas bem presas, mas o vento fazia com que as gordas gotas de chuva acertassem nossos rostos com força e dificultassem a visão. O navio Cálido estava sendo açoitado pelas enormes ondas como se estivesse pronto para ser engolido pelos deuses do mar. 

Com um barulho abafado e alto de batida contra a madeira, me virei a tempo de ver o corpo de um homem amassado contra o piso, o sangue que escorria se misturava à água em nossos pés e aos gritos da tripulação aterrorizada. Olhei pro alto do mastro de onde ele caíra e notei que o vento havia arrebentado algumas das cordas que seguravam as velas, e agora uma delas debatia convulsivamente ameaçando se libertar.

O estrondo dos consecutivos trovões estavam nos deixando à beira da loucura e quanto mais forte a tempestade nos chicoteava, mais desesperados ficávamos.

— Para dentro! - gritei numa tentativa de sobrepor minha voz ao som ensurdecedor dos gritos do mar. - Deixem as cordas e corram todos para baixo!

— Que os deuses nos tenham, Capitão, vamos todos morrer! - um dos homens gritou para mim enquanto corria em direção às escadas, agarrando suas roupas como se elas fossem protegê-lo da situação. Quis chamá-lo de louco e açoitá-lo até que deixasse de covardia, mas no momento não havia argumento para isso.

Posso escrever e assinar: nenhuma tempestade da história poderia se equiparar a essa. O mar revoltoso parecia pronto para varrer qualquer resquício humano das suas águas. 

Assim que o último homem abandonou seu lugar e entrou, fechei a porta atrás de mim e os acompanhei para o andar inferior.

Se meus pés não houvessem permanecido no piso, poderia jurar que o navio havia virado de ponta-cabeça mais de uma vez, pelo tanto que nos chacoalhou lá dentro. O som das ondas contra a madeira mais parecia com pedras acertando o casco e os trovões rangiam no fundo de nossas gargantas. E então aconteceu.

Por um momento, o barco pareceu estático no meio daquela tempestade, e logo se pôs em queda. Não houve tempo suficiente para sentir o frio na barriga pois a sensação de leveza foi prontamente destroçada pelo impacto de volta à água, dentro de um gole do mar que nos levou bem fundo e nos regurgitou para boiarmos novamente, mas não exatamente em pé dessa vez. Cálido parecia estar inclinado, boiando de lado e pronto para afundar. 

Os gritos dos meus homens me jogaram em desespero e, enquanto me agarrava com força ao chão sob meu corpo, totalmente impotente, rezava por misericórdia a quem quer que pudesse me ouvir. Qualquer um, qualquer deus serviria.

O navio deu outra chacoalhada que nos lançou de encontro à parede lateral, dando a certeza de que estava emborcando. Em meio ao caos de homens se agarrando ao que pudessem alcançar, chorando e implorando, um agudo som de rasgo parecia estar partindo Cálido ao meio, e eu só pude soluçar. Mas então parou.

O barco voltou ao eixo e o balanço cessou. Fora das paredes de madeira já não se ouvia a fúria da água que nos molestava antes. 

Ergui meu rosto incrédulo e observei os homens ao meu lado. Aos poucos, eles ficavam de pé boquiabertos e não demorou para que o choro retornasse, mas dessa vez acompanhado de gargalhadas e abraços. Escancarei a porta, corri pela escada e alcancei o convés o mais rápido que pude para ter a certeza de que era verdade.

As ameaçadoras nuvens haviam ficado para trás. O céu que antes estava blindado se abrira em infinitas estrelas e uma lua coroava a noite intensamente iluminada, mas o que me surpreendeu foi o som. 

O mar parecia chiar baixinho e suas ondas batucavam contra o casco do navio, cantando uma canção que não deveríamos ouvir. Os homens aos poucos emergiam no convés, abismados pelo som excepcionalmente convidativo. O embalo das ondas calmas havia transformado Cálido em um imenso berço para nós.

Me virei em resposta a um movimento na proa e não acreditei no que vi.

Como uma estrela brilhando por conta própria, ele estava de pé na figura de proa, descalço e coberto por nada além de algas douradas e búzios pendurados como miçangas. Seu corpo esbelto à mostra não negava a masculinidade, mas ainda assim era libidinoso e guardava em si uma expressão divina.

Todos os marujos permaneceram em transe enquanto a música cantada pelo mar emoldurava os passos daquela criatura descendo por entre os homens que o observavam. Os pés descalços tocaram a madeira molhada com cautela, mas pareciam pertencer àquele convés muito mais que os duros marinheiros.

Com o levantar de um braço inicial, logo ele estava dançando entre nós. Seus cabelos dourados e compridos serpenteavam enquanto seus pés nus rodavam pelo piso, sorrindo com uma leveza demoníaca. Ninguém se moveu ou proferiu um som enquanto a noite se tornava clara como o dia.

Ele rodopiou entre os homens como se o navio fosse seu, até que se aproximou com os olhos fixos no meu. Dentro deles havia um mundo inteiro, e não havia nada. Nada pra mim. Eu estava me observando do outro lado como se fosse o telespectador da história de algum personagem e ela estivesse chegando ao fim. 

Pela forma como todos os homens permaneciam estáticos sem nos prestar um olhar, admiti que estavam vendo coisas diferentes de mim, então entendi. Estávamos todos acabados e aquele era o barqueiro que me levaria ao meu destino.

Observei-o esticar para mim uma mão alva e comprida, macia quando a segurei. Dentro dos meus dedos duros e calejados, era como um pequeno pássaro quente e aquela sensação aqueceu até o meu peito. Os braços esguios laçaram o meu pescoço e pude sentir seu hipnotizante cheiro de sal, sobreposto apenas pela sensação do seu corpo de encontro ao meu.

— Você é a personificação dos meus desejos, não é? - perguntei, e ele apenas sorriu. - Morrer não é ruim, afinal. ''Homens do mar ganham recompensas do mar’’ - proferi as palavras tão comuns entre marinheiros.

Fechei os olhos, deixei que meus braços enlaçassem sua cintura pequena e seu rosto se aproximasse do meu. Com calma e graça, seus lábios me tomaram em um beijo aconchegante que me embalou devagar pelos caminhos da calmaria.

Enquanto sua língua me entorpecia, meu corpo adormecia e minha cabeça se libertava para segui-lo ao fim.


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Notas finais do capítulo

Eu sei que é curtinho, e que é muito mais uma ideia do que uma história, mas está cheia de carinho.
Espero que tenham gostado e quem sabe futuramente vire uma grande história, não deixem de comentar ♥



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