Voe escrita por Mariii


Capítulo 1
Um dia, talvez, eu possa voar ao seu lado


Notas iniciais do capítulo

Oie!

Leiam ouvindo Coldplay - O (Fly on): https://www.youtube.com/watch?v=Ap-HeMIKi-c



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Era difícil vê-lo partir. Mycroft chegou tarde da noite naquela sexta-feira chuvosa para buscá-lo. De alguma forma não convencional, eu e Sherlock tínhamos tido uma aproximação nessa semana em que ele passou no meu apartamento após a morte de Moriarty.

Não era algum comum, como nunca poderia ser quando se tratava de Sherlock, mas eu me acostumei de forma rápida demais a tê-lo ali. Era como se morássemos juntos há muito tempo. E, pelo brilho estranho que vejo em seus olhos quando ele me olha pela última vez, parado à porta de saída, sei que ele sente algo parecido.

Ao fundo, ouço Coldplay tocando no rádio que eu havia deixado ligado. Acompanho a voz de Chris Martin falando sobre pássaros e partidas, uma singela homenagem do destino ao meu sofrimento iminente. Movo meus lábios, acompanhando a música "então voe, vá", e sinto que algumas lágrimas atrevidas querendo se formar. Sherlock assente de forma quase imperceptível e, dando as costas para mim, parte. 

So fly on, ride through

Não deveria estar acontecendo, mas sinto que algo dentro de mim se quebrar. Eu sabia que ele partiria e, além disso, nós não tínhamos nenhum tipo de ligação emocional. A parte difícil era explicar isso para a dor que sentia e as lágrimas que escorriam enquanto eu me encolhia no sofá, ansiando para que as coisas fossem diferentes mesmo sabendo que elas nunca poderiam ser.

Maybe one day I'll fly next to you

Com essa certeza eu tive que seguir minha vida. No início tive esperanças de ter alguma notícia de Sherlock, mas elas foram se desfazendo ao longo do tempo. Portanto, foi com surpresa que peguei meu celular em meio a um dia corrido no St. Barts e meu mundo paralisou ao ler "SH" assinando uma nova mensagem.  

"Seria mais fácil com uma xícara de chá. SH"

"Sherlock?"

"Você conhece mais alguém que assina SH?"

Foi como se o mundo parasse em volta de mim. Esqueci onde estava. Todos os exames e relatórios que precisava fazer sumiram de minha mente. Tudo que existia era a pequena tela iluminada do meu celular.

"Como meu gato se chama?"

"Isso não é segredo para ninguém, Molly. Se tem dúvidas de quem eu sou, faça uma pergunta mais íntima."

Íntima? Uma pergunta íntima? O segundo dia de Sherlock em minha casa passa por minha cabeça. Uma cena que levaria para o túmulo comigo. 

O aviso de nova mensagem soou e percebi que olhava para o celular por alguns minutos, pensando em como fazer essa pergunta.

"Estou esperando, Molly."

"Que cor era a roupa que eu usava quando você discretamente invadiu meu quarto?"

"Você chama aquilo de roupa?"

Consigo vê-lo sorrir com o canto dos lábios ao digitar isso. No segundo dia em minha casa, Sherlock invadiu meu quarto enquanto eu me trocava e me viu em trajes inapropriados. Observo o aplicativo me avisando que ele está digitando uma nova mensagem.

"Azul. Sua lingerie era azul escuro. Acredita agora que sou eu? E eu realmente precisava de ajuda com aquele experimento."

"Existia uma porta onde você poderia ter batido. E sim, insuportável desse jeito só poderia ser você."

Nós realmente iríamos discutir sobre isso agora? Não, porque ele desapareceu sem ao menos ter visualizado a minha última mensagem. 

Eu ainda não sabia, mas essa curta conversa se tornaria parte diária de nossas vidas pelos próximos dois anos.

—-- --- ---

So fly on, ride through

"Então voe, vá."

Foi com essa frase ressoando entre nós que eu a deixei. Não sei explicar porque isso fora tão difícil quanto deveria ter sido o passo mais fácil de toda essa história. E eu nunca imaginei que ficar isolado de todos em países distantes me faria questionar o que realmente importava para mim. Descobri que só havia uma resposta para essa pergunta quando o nome dela vinha a toda hora em meus pensamentos. Molly, Molly, Molly.

A solidão nunca me incomodou, afinal, eu sou uma pessoa solitária. Ou era. Quando me distraio ao voltar para o pequeno apartamento onde estou escondido, após um dia de investigações, espero inconscientemente encontrar Molly ou até mesmo seu insuportável gato. O mesmo aperto acontece todas as vezes em que vejo que eles não estão lá.

Resisti o quanto pude, mas após finalizar um caso confuso percebi que não estava satisfeito com isso e o frio que parecia congelar meus ossos trazia recordações demais do aconchegante apartamento de Molly. O celular girava em minhas mãos e antes que pudesse perceber já havia enviado uma mensagem a ela, quebrando todas as regras impostas por Mycroft. 

Invasores inesperados fizeram com que eu tivesse que sair antes de poder ler a última mensagem que Molly havia me enviado, mas eu sabia que nossa conversa não acabaria ali. Só não imaginava que tomaria as proporções que tomou.

—-- --- ---

MH: "Sherlock, são 3 horas da manhã aqui."

SH: "Aqui não é um horário muito diferente. Eu acho."

MH: "O que está havendo?"

SH: "Eu não sei."

MH: "?"
        MH: "Sherlock, eu preciso dormir."

SH: "Só mais uns minutos, Molly."

MH: "Mais uns minutos para o que? zzzzz"

Como eu poderia explicar que tudo que precisava no momento era ficar com ela? Que nós mantivéssemos uma conversa normal, como se eu estivesse em Baker Street ainda.

Fazia alguns meses que estávamos trocando mensagens e eu tinha desenvolvido uma dependência estranha. O dia parecia ainda mais vazio quando não chegavam mensagens dela. 

Especialmente hoje, eu acabara de falhar em um caso e agora estava em um esconderijo ruim. Eu não contava para ela esses detalhes sobre mim, não queria que ela se assustasse, mas no fundo ela sabia. Molly sempre me enxergou.

Suspiro profundamente enquanto encaro o celular, imaginando Molly com sono e ansiosa por uma resposta minha. Fecho os olhos e quase consigo senti-la, ainda que nunca a houvesse tocado.

SH: "Sinto sua falta."

Digito quase sem perceber e me arrependo assim que envio. Ela visualiza imediatamente, mas a resposta demora a chegar.

MH: "Você sente?"

Entendo a surpresa dela, já que eu nunca demonstrei ser capaz de sentir alguma coisa e um sorriso escapa de mim. De alguma forma tinha me trazido alívio dizer isso, como uma porta que se abria. 

SH: "É surpreendente para mim também."

MH: "Queria você aqui."

A mensagem é uma surpresa para mim e traz um calor que não sei definir a origem. Não sei o que responder e sinto-me paralisado.

SH: "Vá dormir, Molly. Você irá acordar cedo amanhã."

Eu espero que ela rebata minha mensagem, mas Molly não o faz e me retribui apenas com uma mensagem de boa noite. Sinto-me incomodado com isso, acho que no fundo eu queria que ela continuasse a conversa. Eu queria ser adulado e desconfio que ela sabia disso.

Percebo que estou cantando a música que tocava quando eu parti, em algum lugar meu subconsciente a gravou. 

Sinto um impulso de enviar para ela algo como "Queria desesperadamente estar com você.", mas não faço. A minha situação é incerta e eu não sei dizer nem se um dia voltarei para casa, não posso prendê-la a mim. Quais garantias eu poderia dar a ela? Tudo que eu faria seria machucá-la.

Isso tudo estava claro para mim e eu consegui manter nossa conversa em áreas seguras por meses. Estava no norte da Rússia e sabia que corria cada vez mais riscos com a investigação que estava fazendo.

Por vezes tentei deixá-la. Alegava que não era seguro, que o inimigo podia rastrear meu celular e até mesmo ir atrás dela. Meu recorde foram dois dias. 

MH: "Posso fazer uma pergunta?"

Olhei desconfiado para o celular, receoso pela pergunta que viria.

SH: "Sim."

MH: "Você vai voltar?"

Era a primeira vez durante esse ano que ela me perguntava algo sobre isso. Quero prometer que sim, que voltarei bem e que nós passaremos horas juntos no laboratório. 

SH: "Não sei."

SH: "Você vai me esperar?"

Envio a última mensagem num ato impulsivo e egoísta. Eu não tinha direito de pedir isso, e sabia o que ela responderia.

MH: "O tempo que for preciso."

Começo a digitar uma mensagem me desculpando por pedir isso quando a porta do meu quarto é aberta com violência. Homens entram e percebo com ironia que tudo está acabado no momento em que fui mais egoísta. Só tenho tempo de olhar uma vez mais para o celular antes de ser rendido e jogado ao chão. 

Leio a última mensagem de Molly e a música flutua em minha mente.

MH: "Um dia, talvez, eu possa voar ao seu lado."

Maybe one day I could fly with you

—-- --- ---

Eu sabia o tempo todo que isso uma hora iria acontecer. Isso não impediu meu desespero quando Sherlock parou de responder as mensagens. E também não impediu que a sensação crescesse a cada dia que passava. 

A cada semana.

A cada mês.

Tentar entrar em contato com Mycroft pioraria tudo ainda mais. Minhas mensagens nem sequer chegavam mais para Sherlock. Algo terrível havia acontecido e ainda assim, eu só conseguia pensar em esperá-lo. A cada dia que passava olhava meu celular com a esperança de que ele houvesse respondido. De que o monstro que nos separava houvesse finalmente sido derrotado.

Acordei assustada e sem saber onde estava quando meu celular começou a tocar de madrugada. Agarrei-o com rapidez e o pânico tomou conta de mim ao pensar que poderia estar prestes a receber a notícia que destroçaria minha vida. 

— Alô... - Disse temerosa, quase reticente. Minhas mãos tremiam.

— Sei que você precisa dormir, mas eu preciso de alguém para me buscar no aeroporto. - Podia visualizar o sorriso dele enquanto a frase era dita. A voz que eu tanto quis ouvir nos últimos dois anos fez uma fagulha percorrer meu corpo, aquecendo tudo por onde passava.

— Me espere onde está.

Não consegui dizer mais nada e em poucos minutos me vi dirigindo de forma imprudente para o aeroporto. 

SH: "Estou entediado aqui."

MH: "Nem pense em mover um dedo."

SH: "Você está dirigindo, não deveria responder."

—-- --- ---

Os quase três meses passados sob tortura na Rússia me fizeram reavaliar o que eu devia valorizar em minha vida. Era por isso que agora eu sorria feito bobo para o pequeno aparelho em minhas mãos. 

MH: "E você deveria olhar para frente. Aproveite, e sorria para mim."

Levanto a cabeça devagar para encontrá-la para à minha frente, alguns metros distante de mim. Nossos olhares se encontram e é como se todos desaparecessem ao meu redor.

Volto a digitar uma mensagem no celular.

SH: "Terei que ir até você e demonstrar o quanto senti sua falta?"

MH: "Preciso repetir que quero você AQUI?"

Balanço a cabeça em negação e sorrio quando leio a última mensagem dela. Então, eu me levanto e vou ao seu encontro.

Fly on


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Notas finais do capítulo

Gostaram??? *-*



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