Atendimento #053: Cooperação

Muita gente não sabe, mas para um vendedor de telemarketing é muito bom quando o cliente desliga na cara. Sério! Pode acreditar. Existem inúmeros, uma cacetada mesmo, de indicadores de desempenho. Estes são meios de ver se o atendente está fazendo um bom serviço. Quando você desliga na cara de um atendente você está ajudando a baixar um índice chamado TMO, ou tempo médio de operação. Quanto menor este for melhor para o atendente. Então se não for comprar nada DESLIGUE!

— Canais de televisão não é? — Danilo, o cliente que tentava ser convencido por Ezequiel, era o tipo que não consegue simplesmente desligar, ele precisava de uma janela que proporcionasse isso. Talvez fosse educação de mais, ou mesmo falta de pulso firme.Mas ele não desligava... — Entendi.

— O preço está muito baixo comparado aos planos da concorrência senhor, cento e vinte canais, isso sem contar os em hd e os para adultos. Se o senhor estiver em algum plano de fidelidade podemos tentar baixar mais.  — Mas por mais que quisesse nosso herói não poderia largar o cliente. Tá, já vimos que ele poderia facilmente contar a verdade, porém algo o impedia de fazer aquilo naquele atendimento.

Em uma distância realmente incômoda o monitor de qualidade observava os argumentos que o atendente usava. O rapaz afetado mordiscava a ponta de um lápis. Amanda encarava a situação com bom humor, ao contrário de todos os demais o monitor não fazia ideia de seu relacionamento. Era engraçado vê-lo dando em cima de alguém que ela já tinha sobre seu domínio, literalmente.

— Vai, vai, confence esse fafado a comfrar o  facote flus. Fende fra mim. vai...

Enquanto o monitor sussurrava Ezequiel armava um soco com a mão esquerda. Teria golpeado o infeliz na fuça não fosse os dedos indicador e médio de Amanda que o confortavam de maneira sutil. Ela, mesmo zoando muito com ele, não deixava de ver o assédio na sua cara.

—  Olha eu entendo só que eu não estou muito interessado sabe, eu quero mudar a internet para uma mais potente. Então, — A frase foi o suficiente para o Atendente tentar emendar outra alternativa.

— Por que não disse antes senhor? — A voz nervosa adquiriu um sorriso artificial. — Podemos integrar um pacote de internet muito bom, basta a penas dizer qual a velocidade desejada!

— Ta quase fegando ele, mosfra quem é o macho aqui, mosfra quem é o alfa. — Incitou o avaliador tocando na mão de nosso herói.— Mosfra sua eficiência fra mim.

O cliente ficou em silêncio, pensava a respeito do que o atendente dizia e ponderava se a proposta valia a pena ou não. O atendente em seu âmago desejava com todas as forças que algo lhe livrasse daquele inferno, um cometa, um terremoto, a encarnação de satanás na terra qualquer coisa. Na melhor das hipóteses o cliente desligaria a chamada sem dar satisfação deixando claro que não deseja. Os arrepios de repulsa e ódio lhe fazia ranger os dentes.

— Olha eu queria que fosse pelo menos três vezes mais rápida que a minha atual, mas eu to vendo aqui eu to decidindo se é viável ou não, me dá um minuto?

— Não! — O atendente perdeu o controle, empurrou o monitor para o lado com toda a força criando uma distância de mais ou menos um metro e meio. — Danilo, coopera comigo. Eu to sendo assediado pelo meu superior! Se o senhor não tiver interesse nas proposta é só falar, eu sei que receber chamadas é uma bosta, eu to aqui tentando ganhar meu dinheiro, então na boa, você quer ou não?

Desolado, o monitor de qualidade tentou se aproximar, porém Amanda agarrou o colega e marido pelo torso e o puxou para sí. Seus olhos tinham seriedade, a brincadeira passara dos limites de tal forma que Ezequiel tinha vontade de quebrar a cara do superior.

— Calma, calma. Já chega. — Ela o acalmava beijando seus cabelos. Jailson apertava os lábios em surpresa, não entendia o afeto deles dois. — Calma amor, eu tô com você, termina  ligação. — Naquele instante Jailson se atentou as alianças nas mãos dos dois.

— Alo? — O cliente chamava pelo atendente.

A ligação estava no MUDO! O esbravejar de Ezequiel não foi ouvido!

— Só um momento. — Falou Amanda apertando o mute rapidamente e depois retornando a chamada em espera.

— Não, é que eu gostei da proposta, se quiser me transferir para o setor de compra…— A decisão do cliente foi surpreendente, todos os três que ouviam travaram e passaram a observar o telefone. O pobre infeliz indeciso estava completamente alheio ao que acontecera, porém suas palavras conseguiram acalmar os ânimos e dar um desfecho a situação.

— Está bem senhor. — A atendente respondeu pressionando os botões da transferência. Uma lucidez súbita surgiu em nosso heroi ao perceber que tinha finalmente se livrado daquela situação horrível.

Com o atendimento finalizado Jailson terminou de fazer seus apontamentos. O atendente em ultima instância tinha conseguido completar a venda, além disso o telefone estava no mudo e portanto o desabafo em nada interferiu na chamada. Terminou de escrever no papel e entregou o relatório para Ezequiel com lágrimas nos olhos.

— Parabéns felo atendimento. — Olhou para Amanda que o encarava com a visão de uma tigresa. — Desculfa, eu não fabia...— Completou cabisbaixo enquanto ia para a mesa de Ancelmo.