Atendimento #051: Boa ideia

Clientes estressados são geralmente uma bomba relógio, não importa se você é a pessoa mais doce do mundo, ou mesmo se você é um urso de gelatina, eles vão tentar te matar pelo telefone. Quando se liga para alguém invariavelmente se invade a privacidade da mesma, ou seja, é inevitável não encher o saco do cliente. Você já deve ter recebido alguma ligação de telemarketing e sabe o quão irritante é, mas já parou para pensar o quão chato isso é para o atendente?

Ezequiel sabia, por isso orava a todos os deuses nórdicos, indígenas, romanos e acreanos para que o cliente não lhe atendesse a ligação. Infelizmente as entidades estavam todas de folga e por isso o cliente retirou o telefone do gancho.

— E ai como é que tá lá? — O cliente atendeu com a pergunta sem sentido.

— Perdão senhor, meu nome é Ezequiel eu falo do suporte e vim tratar da sua geladeira, eu falo com o senhor Germano?

— Ger-mano. — Corrigiu o cliente. — Minha cocotinha deve ter feito o registro errado ai. Mas tudo bem, cê ligou na hora certa meu camarada. — O atendente ouviu o som de vidros sendo batidos. — Eu tenho de por umas garrafas de cachaça pra congelar e tá embaçado aqui.

— Eu constatei pelos registros que muitos técnicos foram designados para ir até a residência do senhor. Porém de tempos em tempos os senhor entra em contato conosco.

O caso do cliente parecia ser grave, já perdurara uns três meses sem solução. Cada vez

que uma técnico ia a residência do mesmo voltava com um laudo dizendo que tudo estava resolvido. Na tela do atendente apareciam mais de quinze ordens de serviço abertas e com status “resolvido”

— Eles não conseguiram arrumar a geladeira do senhor? São outros problemas? O que acontece?

— Eles até chegam a concertar, mas não dá uma semana e os problemas voltam a acontecer. Eu fico meio triste sabe, por que sempre que vem um camarada aqui eu faço uma puta festa saca? Tomamos umas brejas e trocamos mó ideia enquanto ele ajeita a parada, mas eu queria que resolvesse. Se você puder fazer uma solicitação pra um técnico colar aqui...

O atendente leu um dos laudos passados por um técnico e notou algo estranho.

“Todas as peças disponíveis foram utilizadas no reparo”

Um fato curioso sobre os técnicos que vão até a residência do cliente é que eles sempre carregam consigo uma grande mochila cheia de materiais, peças, chaves, soldas e vários outros instrumentos. E aparentemente os prestadores de serviço utilizavam todos os recursos e voltavam só com ferramentas.

— Só um momento por gentileza senhor. — O atendente deixou o cliente em espera e foi verificar as ordens de serviço em seu registro. — Essa coisa tá cheirando a calcinha cagada.

Os relatos dos técnicos eram todos semelhantes, primeiro chegavam por volta das dez da manhã com previsão de saída até à uma da tarde, entretanto, depois de uma hora mais ou menos os técnicos ligavam para suas respectivas autorizadas e informavam que o serviço demoraria mais. Após isso as previsões de saídas iam para as seis da tarde. Isso não se encaixava, pois aparentemente o problema era de fácil resolução.

— Oxe. Como assim o serviço fica tão complicado de uma hora para outra? — Questionou-se nosso herói passando a mão no queixo. — É só trocar as peças, não precisa montar o cubo mágico para isso. Se bem que eu resolvo o cubo mais rápido do que troco uma peça.

Amanda que estava de backup percebeu a expressão de seu colega, ajudava Kauã com um cliente que tinha colocado um celular no microondas, mas seu marido era muito mais importante e portanto foi verificar o que se passava. O rival de nosso herói iniciou uma manifestação de raiva, mas Amanda o conteve erguendo os dois dedos médio em sua direção.

— Que que foi piranha? — Indagou a garota de cabelo raspado na lateral. Chegou apertando os ombros de nosso herói em uma massagem. — Tá tenso com o que? Quer se abrir pra mim?

— Sai dessa ô. — Ele se desvencilhou com os ombros. —  Olha essa coisa aqui. — Apontou para os registros alinhados na tela. Todos tinham o mesmo padrão. Técnico chega com uma previsão, demora mais que o previsto, volta sem peças para o serviço e no dia seguinte falta ao trabalho.

A garota coçava a virilha simulando um homem largado, um vagabundo de bar. Ela tomou o mouse das mão de Ezequiel e passou a analizar os registros.

— Nossa, faz tempo que não vejo uma boa ideia como essa… — Percebendo a expressão de interrogação do atendente ela se encostou a mesa e tomou-lhe o head. Com um pressionar de botões tirou do mute.— Boa tarde senhor Germano.

— Ger-Mano. — Corrigiu ele.

— É isso aí. — Emendou ela. — O senhor fala com a supervisora Amanda. Eu verifiquei aqui nos nossos registros queria primeiramente lhe dar os parabéns pelo seu trambique inteligentíssimo.

O cliente ficou em silêncio, estático, travado igual ao internet explorer. Ao fundo de seu telefone soou o barulho da campanhia da casa.

— Técnico! — O grito era de um prestador de serviço que fora encaminhado até a casa dele.

— Eu já te saquei seu malandrão. — acusou sarcástica. — Você enche os técnicos com cachaça e faz eles virarem seus brothers, depois quando eles estão tri-locassos você molha a mão deles com uma graninha e fica com todas as peças que eles têm nas mochilas. — As peças começaram a encaixar para nosso herói.

— Depois vende para alguma loja… — Constatou Ezequiel boquiaberto.

— Ou vende na sua própria loja.  — Amanda verificou que o cliente tinha uma loja em seu nome, curiosamente a mesma vendia peças para geladeiras.— Foi uma boa ideia, mas precisamos conversar sobre ela...

O cliente desligou a chamada.

Amanda correu para a mesa da supervisão tentando alertar a autorizada da armadilha.

— Esse cara não vai mais levar os técnicos na cachaça, não sem dividir esse lucro comigo...