Preciso deixar bem claro antes de tudo que eu era uma boa pessoa. Eu gostava de sorrir e de distribuir abraços, de andar nas ruas com meus amigos e beijar minha mãe ao chegar em casa. Eu costumava ser uma pessoa feliz.

As coisas mudaram no verão passado. Minha vida mudou. Eu mudei.

Eu já não sei mais o que é dar um sorriso verdadeiro. Não gosto mais de abraços, pois sei que por trás as pessoas estão fazendo caretas de desgosto. Não gosto mais de andar nas ruas e não tenho mais amigos. Não beijo minha mãe, mal nos falamos. Eu não sou uma pessoa feliz.

Não sei em que momento da vida ela se tornou essa nuvem negra que paira sobre minha cabeça, mas sei que aconteceu aos poucos, não foi de repente.

Acho que chamam o que eu estou passando de fase ou depressão, eu chamo de vazio existencial.

Posso enumerar as fases que passei para chegar neste exato momento:

A 1º fase foi onde aconteceu o afastamento das pessoas que eu conhecia. Parei de ir às festas, de passear na rua, de ir ao cinema, e aos poucos fui esquecida por todos.

A 2º fase foi quando me deixei de lado. Deixei de ligar se meus cabelos estavam embaraçados ou não, deixei as roupas bonitas de lado e acabei pegando as camisetas confortáveis. Fiz isso até que aquela garota que usava vestidos e saltos desaparecesse por completo.

A 3º fase acho que foi quando me afastei dos meus familiares. Não conseguia mais suportar me reunir com minha família sem me sentir chateada com suas conversas ou observações sobre minha aparência. “Coloque uma roupa mais feminina.” “Você precisa parar de comer, está engordando.” Mal sabiam que isso só fazia com que eu comesse ainda mais.

A 4º fase foi quando me dei conta do que do que estava acontecendo comigo. Percebi eu estava me destruindo, que havia deixado meus demônios, meus medos, me dominarem. Também foi quando achei que poderia expulsá-los sozinha, que eu não precisava de ajuda.

A 5º fase foi a qual eu me dei conta de que não sabia mais o que era ter um dia feliz. Minha rotina havia tomado conta de mim, as séries que eu assistia já não eram mais o bastante, a comida já não ajudava mais. Tudo havia perdido a graça, o que antes era colorido havia virado cinza.

Então vem a 6º fase, e essa é quando parei de lutar contra meus demônios e os deixei entrar e mexer com a minha cabeça. Com a minha alma. É nessa fase que percebi que não há salvação para alguém que não quer ser salvo, mas que ao mesmo tempo se agarra a cada fio de esperança de mudar.

Enfim chegamos a 7º fase, é nessa em que solto o fio de esperança ao qual me agarrava com todas minhas forças.

Então é isso?

O fim de tudo é o meu sangue escorrendo pelo chão do banheiro?

Droga, droga, droga.

Mamãe e papai estão muito entretidos vendo novela e cuidando da minha irmã mais nova que nem perceberão como estou demorando? Acho que eles nem lembram mais que eu existo. Acho que ninguém mais se lembra, e isso é ainda mais dolorido do que ver a minha vida se esvaindo sem poder reparar meu próprio erro.

Já não importa mais, não há mais nada a ser feito ou refeito. Encosto minha cabeça na parede fria e fecho meus olhos, sentindo após muito tempo, que meus demônios deixam meu corpo e a paz o preenche. Não é exatamente a felicidade que encontro, mas é melhor do que tudo que venho vivendo.