Garoto escrita por Ophelia
Notas iniciais do capítulo
Eu achava que seria fácil escrever sobre esse assunto depois de tanto tempo, mas não é. Às vezes me pego olhando pro quintal e me pergunto onde ele está, e outras vezes sinto vontade de chorar quando me lembro dele deitado no meu colo, sabendo para onde ia. E sinto um nó na garganta ao escrever essas notas.
Perdoem qualquer erro.
Eu o vi correndo no meio da rua. Perdido, magro e cansado, embora seus olhos se enchessem de esperança e alegria cada vez que um carro se aproximava. Ele se sentava na estrada, abanava o rabo e seu semblante tornava-se esperançoso por um breve instante, somente para ser massacrado e despedaçado pela realidade.
Não era seu dono quem vinha.
Uma noite ele deitou na estrada quando eu estava saindo do trabalho. Grande, de pelagem curta e clara, mas tão magro e sujo que era digno de pena. Ele comeu os restos na lixeira naquele dia, apanhou do dono do restaurante e foi cutucado por algumas crianças pentelhas antes de sair correndo, desengonçado para longe delas.
A tudo isso, assisti sem me importar. Não era meu problema. Era só um cachorro de rua e o meu estava em casa, seguro e de barriga cheia, obviamente as pessoas da rua deveriam se sensibilizar, mas não eu.
Quando sacrifiquei meu cachorro, quando.... O escovei horas antes de ir até o veterinário e lhe dei água na seringa, lembrei-me do cachorro magro do meu serviço. Da dor em seus olhos.... Do medo.... Aquele mesmo medo que vi nos olhos do meu quando a veterinária e a enfermeira o carregaram até uma salinha onde ele receberia um remédio que acabaria com sua dor.
Ocupei a cadeira na sala de espera, encarei o chão e aquele peso nos meus ombros era tão visível que um homem que passou por mim me olhou, fez um gesto suave com a cabeça como se lamentasse e se afastou. Uma mulher veio em seguida e dela senti um julgamento que eu mesma fazia.
“Eu acho errado. Se ele não estava com tanta dor assim... ”
Eu concordei com a cabeça e ela se afastou com indiferença. Pedi a veterinária que cuidassem bem dele, levei sua coleira e entrei no carro.
Quando passei perto do meu trabalho naquele mesmo dia, o cachorro magro esperançoso estava sentado na rua, abanando o rabo e usando o resto de forças que tinha para latir na esperança de que eu fosse sua dona.
Saí do carro e o encarei. Vi a decepção em seus olhos e me aproximei mais, embora ele tivesse recuado com medo de mim.
Eu me ajoelhei diante dele e o encarei. Não se parecia com meu garoto e não era ele.
E eu também não era quem ele esperava, seus donos que o deixaram à própria sorte.
Mas ali estávamos.
O cachorro magro se aproximou de mim e eu afaguei com insegurança sua cabeça.
— Vamos, garoto. — Disse a ele.
O cachorro magro me seguiu e entrou no carro comigo. Hoje, somos melhores amigos, mesmo que ainda estivéssemos carregando a esperança de ver quem realmente queríamos ver. Mas até lá, teríamos a companhia um do outro.
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