Um furacão; Um monge; Uma missão. escrita por Curupira


Capítulo 1
O meu primeiro passo




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"Quantos dias demoram para se iluminar?", perguntou o discípulo.
"Setenta vezes sete.", respondeu o mestre.


           Não tenho paciência, já estou aqui há muito mais tempo, tem sido ineficiente ficar nesse monastério decaído. Nada acontece, o meu mestre só fala por metáforas e os outros monges meditam sem intervalos. Essa é a vida que sonhei em ter? Foi por isso que abandonei tudo? E se não existir vida pós-morte? 


Desisto.

—Mestre, o que aconteceu com aqueles que abandonaram o monastério? – perguntei receoso.

—Flor da juventude adormecida, fora desse monastério nada há, aqueles, caíram no inexorável penhasco da ignorância. Como o sapo que pula entre as orquídeas no lago. – respondeu o mestre com sua paciência desconcertante.

—Obrigado mestre, claras são suas palavras.


           Eu não entendo o que esse velho diz mas não quero enfrenta-lo, acho que ninguém o quer, por isso todos aqueles que abandonam esse monastério fogem para floresta durante a noite.

Decidido.


           Esperei todos dormirem, caminhei levemente através da caminhada meditativa, talvez por isso consiga andar sem causar uma única perturbação a minha volta.

...


           Hesitei um pouco, acho que no final das contas aprendi algo aqui, enfim, não vou voltar.


Decidido.


           Eu sei que tem uma passagem para o além muros... Achei! Subi uma escada que dava até uma parede de pedras, escalei pedra a pedra, agora do topo o caminho era claro e a solução era única. Me atirei, consegui me equilibrar e corri até a cidade mais próxima. O caminho era por onde mesmo? Pelo menos dizem que os monges são bem tratados.


Amanheceu.


           A cidade era pequena, mas tinha uma ambientação agradável, ficava dentro de um bambuzal. Do Sul, uma brisa agradável se encontrava com meu rosto. Como pode ventar dentro de um local tão fechado?


—Com licença, senhor monge?


—Sim!?


—Bom, eu sou um dos responsáveis pelo conselho desse lugar, você é do monastério ao lado, imagino.


— Sim, eu, eu... recebi permissão para dar uma volta por aqui.


— Ótimo, acho que finalmente nos ouviram, por favor, me siga.


—...Fui levado para dentro de uma das casas, deixei meus pertences na entrada, sentei em sua mesa baixa e aguardei que me servisse chá.


—Algumas semanas atrás pessoas da vila ao lado começaram a desaparecer. Recentemente chegaram aqui para investigarem o ocorrido, até mesmo gente da capital compareceu. 


— Entendo, e ...


— E ontem à noite, um dos nossos também sumiu – engoliu em seco - Nós tomamos alguns cuidados, as casas têm deixado as velas queimando por toda a noite, é um hábito não recomendável, porém queremos ter certeza que nossos guardas sejam... – contou até perder o fôlego.

—Sejam capazes de ver qualquer coisa anormal, certo? Isso que ia dizer?

—Exato.


           A expressão do conselheiro era séria, olhava fixamente a porta só variando para um olhar fixo em meus próprios olhos.

—E você quer minha ajuda exatamente como?

—Veja – apontou para uma trilha pela janela - tem um monastério abandonado na direção contrária a qual você veio. Dizem que é possível ouvir rangidos daquela direção. Talvez possa ser um trabalho para um monge.

—Bom, é verdade que eu sou um monge, mas...

—Então está combinado, por hoje pode descansar em minha casa, mas amanhã partirá assim que possível. Muito obrigado, muito obrigado – repetia em um aperto de mãos agitado.

Seu olhar fixo finalmente dispersou e em seu lugar um aspecto gentil surgiu. Eu não posso recusar, acho que é uma maneira de pagar pelo o tempo que comi e bebi no monastério. Não é como se eu tivesse que ajudar de fato, se não me sentir bem, sigo viagem para outro lugar e eles nunca mais saberão de mim. Fiz como o pedido, o conselheiro era um sujeito agradável, de baixa estatura e cabelos brancos. Eu não quis saber sobre sua vida e fui dormir.

Decidido.

Tomei um banho pela manhã, peguei meus pertences e parti.
"Boa sorte", disse o conselheiro sorrindo. Andar pelo bambuzal é um saco. Acho que não é só o monastério que está abandonado, os traços da trilha já sumiram completamente. É improvável que um dos desaparecidos tenham sido raptados para esse local. Eu nunca mais vou reclamar do meu antigo monastério.

O monastério estava despedaçado, não haviam portas corretamente alocadas, e plantas diversas se espreitavam pelas paredes da construção. Da entrada eu ouvi um assovio que se formava no corredor lateral direito. Esse estranho vento parecia vir do alto e em um rebuliço acabava se espiralando por toda construção, virei então minha atenção para o céu. Enquanto que meus olhos percorriam o edifício verticalmente, eu via uma serpente. Ela possuía 3 metros de comprimento e conforme meus olhos continuaram seu natural trajeto até alcançar o topo, ela se esticou constantemente juntamente com o prédio, de maneira com que, seu fim se tornara inalcançável. Por fim, o monastério parecia possuir uma centena de metros. Atravessei o segundo portão, a serpente ficara para trás, longas escadas eram visíveis. Uma ilusão? Meu santo Budha, me ajude.


Respirei fundo:
“Om mani padme me hum”— recitava.


Decidido.


           Comecei a dar um passo pós o outro, não parecia ter fim. Descansei um pouco. As paredes deterioradas formavam pequenas janelas que clareavam suficientemente para eu conseguir enxergar cada degrau. O assovio crescia em intensidade e duração, vultos coloridos começaram a ficar visíveis. Eu me apoiava em meu cajado com meu braço direito, enquanto que com esquerdo carregava comigo uma japamala, comecei a recitar meus mantras em voz alta. Aos poucos o assovio começou a tomar forma sólida. Um furacão. Um monge. Uma missão.


           Quando retomei minha consciência, havia alcançado o topo. Estava ajoelhado e minhas mãos cobriam meu rosto. Quando finalmente tomei coragem de olhar a volta, estava no meio das nuvens e olhando para o solo estranhamente sólido vi estar sobre um terreno verde brilhante, como esmeraldas. À minha frente uma cidade muito maior que a nossa capital se estendia por todas direções.

           Verdadeiros arranha-céus de diamantes, jardins de lótus e um grande palácio. Me dirigi ao final da estrada principal. As pequenas nuvens que cruzavam minha visão, carregavam monges em pleno estado contemplativo. Recitações diversas ressoavam. Entre uma ave Maria, um mantra e o Vedas, eu tentava perguntar onde estava, sem respostas, continuei para o palácio.

Decidido.

 

Minha perspectiva me enganou. Tudo se arrastava pelo horizonte, não importava quantas horas caminhasse, ainda tudo estava a minha frente. Alguns seres começaram a se enfileirar, todos observavam os meus passos, aguardando a minha chegada para algum lugar que eu não sabia qual. O portão que parecia pequeno anteriormente crescia de muitos metros, chegara.

A abertura foi automática. Entre a fonte da eterna juventude e o néctar de todos os deuses, um grande ser estava sentado em seu trono me olhava desconfiado.

—Jovem monge, por que me visita antes da hora? – trovejava uma intensa voz por todo o céu.

— Eu vim a pedidos de um vilarejo – disse com sentimentos mistos de desespero e admiração.

— E qual é o pedido?

— Preciso retornar as pessoas raptadas para suas casas – respondi com um medo crescente.

— Pois aqueles que foram encaminhados para nosso aposentos não poderão ser devolvidos. Os escolhidos são legítimos.

— Se não há o que fazer, melhor eu voltar para casa, não gostaria de questionar sua suprema ordem.

Fiz uma saudação respeitosa, andava por onde vim sem virar minhas costas para o venerável mestre. Cada passo era um alívio.

— Pare! Eu repensei nas possibilidades. Você deverá ajudar sete pessoas por cada pessoa que eu lhe devolver.

— Tem certeza? – questionei.

— Está questionando minha certeza?

— Ó grande rei de todo Dharma, suas ordens são absolutas. – proclamei ajoelhado.

Ajoelhei não por respeito, simplesmente minhas pernas não mais suportavam meu próprio peso. Setenta pessoas começaram a sair dos quartos reais, uma longa escada se abriu no chão e todos se encaminharam a improvisada saída.

— Desça a escada, essa o levará para casa, porém, sua parte do contrato deve ser realizada em absoluto.

Essas palavras foram lentamente proferidas durante minha descida. Depois dos degraus, chegamos na entrada do monastério abandonado. O meu primeiro passo como monge havia sido dado, mas setenta vezes sete ainda seriam necessários.


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