Moonlight Lover escrita por Benihime


Capítulo 22
Herdeira




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Selene

Algo ou alguém segura minha mão, e sinto como se levasse um choque, tamanha é a onda de energia que invade meu corpo. Sinto o cheiro antes de abrir os olhos, de amêndoas e sálvia.

— Mãe? — Chamo, sentindo minha cabeça rodar mesmo de olhos fechados.

— Sim, querida, sou eu. — Mamãe acaricia meu cabelo, e sinto suas mechas, negras e cacheadas como as minhas, roçarem a pele de meu rosto quando ela se inclina para beijar minha testa. — Você está bem?

— Sim. — Respondo. — Mas acho que estou com uma gripe horrível. Me sinto um lixo.

— Selene ... — A voz de minha mãe é séria, cheia de preocupação. — Você não se lembra o que aconteceu?

Antes que eu possa responder, alguém bate de leve na porta, e ouço passos cautelosos se aproximarem. Continuo de olhos fechados, esperando a tontura passar.

— Como ela está? — Uma voz familiar pergunta.

— Ash. — Minha mão livre se move por conta própria, sem um comando consciente de meu cérebro. Ashlee a pega, apertando por um breve momento antes de entrelaçar nossos dedos. — Ash, o que você está fazendo aqui?

— Senhora McClary ... — Ashlee soa tensa, quase assustada. — Ela não se lembra de nada?

— Aparentemente não. — Minha mãe responde. — Mas pode ser que seja só o choque. Temos que esperar para ver.

— De que diabos vocês estão falando? — Meus olhos enfim se abrem, e estremeço ante a onda de náusea que isso causa. — Do que eu preciso me lembrar?

— De nada, meu amor. — Mamãe mais uma vez acaricia meus cabelos, como fazia quando eu ficava doente quando criança. — Agora, tudo o que você precisa fazer é descansar.

Assinto, agradecida pela desculpa para voltar a fechar os olhos. Isso alivia a náusea, e me deixo levar pelo cansaço.

— Ela vai ficar bem? — Ouço Ashlee perguntar, o que me faz prestar atenção à conversa, mesmo estando cansada demais até para me mover. — Tem certeza disso?

— Certeza absoluta. — Mamãe responde e, apesar da situação, posso jurar que ela está sorrindo. — Minha filha é forte, vai se recuperar rápido.

— Obrigada. — A loira declara fervorosamente. — Não sei o que teria feito se não tivesse conseguido chegar aqui a tempo.

— Não, Ashlee, sou eu quem deve lhe agradecer. — Ouço minha mãe dizer. — Você salvou não apenas Selene, mas Margareth também. Minhas duas filhas lhe devem a vida ... E eu, minha gratidão eterna.

— Não, senhora. — Ashlee gagueja de leve, e quase posso ver sua expressão constrangida. — Eu não fiz isso para obter nenhum favor seu.

— Eu sei. — Dessa vez, minha mãe ri. — Se importa realmente com ela, não é?

— Mais do que imaginei ser possível. — A loira admite. — Marie, o que aconteceu lá ...

— Não use esse nome. — Minha mãe interrompe. — Marie não passa de uma máscara que forjei quando viemos para cá. Chame-me de Stela.

A surpresa quase é o suficiente para ultrapassar o cansaço, mas ainda assim não consigo me forçar a emitir um único som. Cada molécula do meu corpo parece feita de chumbo puro.

— Stela. — Ashlee repente, sem parecer nem um pouco surpresa. — Está bem.

— Quanto ao que aconteceu naquela casa maldita ... Espere Selene acordar, e contarei tudo. — Mamãe corre os dedos por meu cabelo num gesto pensativo. — Deus, eu esperava que minha filha nunca precisasse saber disso!

As duas continuam conversando, mas estou cansada demais para ouvir o que quer que seja. Sem que eu tenha qualquer controle sobre isso, a escuridão me envolve.

Ashlee

Marie, ou melhor, Stela, me deixa a sós com Selene enquanto cuida de Margareth. Ao sair, apenas abre um sorriso cansado e recomenda que eu cuide bem de sua garotinha. Prometo que sim sem pensar duas vezes.

A morena ainda dorme, parece uma boneca de cera sobre a cama. Apenas o calor de sua mão na minha me dá a certeza de que ela ainda pertence ao mundo dos vivos.

 No silêncio, reflito sobre as revelações de hoje. Ficou claro, pelo que aconteceu quando resgatamos Margareth, que Selene tem algum tipo de poder. Sua mãe, obviamente, não é uma mulher comum, eu pude ver as marcas de uma caçadora nela logo no primeiro instante. Se eu não soubesse melhor, diria até que há sangue de bruxa envolvido, mas conheço bem a reputação purista da família Vulpe. Seria impossível.

Cansada do enigma e pelos ferimentos de hoje mais cedo, me acomodo ao lado de Selene e deixo meus olhos se fecharem.

 Selene

 Quando acordo novamente, me sinto revigorada. Abro os olhos para ver Ashlee enrodilhada como uma gatinha ao meu lado, e não consigo deixar de sorrir. Devagar, para não acordá-la, me desvencilho e saio da cama. Logo noto que não há sinal de qualquer ferimento obtido na luta contra Katerina, e minhas roupas foram trocadas por uma camisola de renda branca, sem dúvida escolhida por minha mãe.

Não me importo em vestir outra coisa, nem mesmo em calçar nada, apenas saio do quarto à procura de mamãe. Encontro-a em seu quarto, mas paro antes de entrar.

É a primeira vez que dou uma boa olhada em minha mãe, analisando-a como a uma estranha. Seu corpo é magro e delicado, porém surpreendentemente musculoso. Também é a primeira vez que a vejo em roupas que destaquem isso ao invés de esconder o fato. Seus cabelos, da mesma cor e textura dos meus, estão presos em uma trança que lhe cai pelas costas, e a expressão em seu rosto é de fria concentração.

— Mãe?

Ela se vira ao me ouvir chamar e sua expressão se abranda. Agora, o que parece ser um uniforme militar completamente preto está completamente deslocado em contraste com seu olhar suave, o mesmo com o qual cresci.

— Selene. — Mamãe estende uma das mãos, me chamando para perto de si. Obedeço hesitantemente. — Como se sente, meu amor?

— Estou bem agora. — Asseguro. — Mas ... O que diabos aconteceu lá, mamãe? E por que disse aquelas coisas à Ashlee? O que queria que eu nunca soubesse?

— Você ouviu nossa conversa, filha?

— Cada palavra.

— Ah, Selene. — Minha mãe solta um longo suspiro, me guiando gentilmente até que nós duas estamos sentadas em sua cama. — Quanto você sabe?

— Sei que isso ... — Toco o símbolo gravado no medalhão de prata que ela me deu horas antes. — É o símbolo de uma antiga família romena chamada Vulpe. Sei que nunca nos disse seu verdadeiro nome. E sei que posso fazer coisas que nenhuma pessoa normal poderia.

— Nós duas podemos, querida. — Ela revela. — Também tenho poderes, assim como você. Somos descendentes de um antigo coven romeno, as últimas da linhagem.

— Um coven?! — Meus olhos se arregalam de choque. — Quer dizer tipo ... Bruxas?!

— Exatamente, filha. — Os olhos dela, da mesma cor e formato dos meus, me encaram com seriedade mortal. — E agora, já é hora de você saber sua verdadeira história.

 Minha mãe se põe de pé e pega algo no alto do guarda-roupa antes de voltar a sentar ao meu lado. Quando me entrega o objeto, vejo que é um livro de couro extremamente antigo, com um pentagrama gravado no que parece ser prata na capa.

— Isso, Selene, é um Livro das Sombras. Um grimório de bruxa, para simplificar. Este em particular pertenceu à Elisabeta Vulpe, sua avó. — Minha mãe explica. — Eu cresci na Romênia, em uma família de caçadores de vampiro extremamente conservadora, que acreditava que todo não-humano era escória e merecia somente a morte. Meu pai, porém, era diferente. Ele se apaixonou por uma bruxa. 

 Minha mãe delicadamente abriu o Livro das Sombras, tirando da primeira página uma foto escondida ali, que mostrava um homem moreno de aparência severa com o braço ao redor de uma mulher pequena e elegante.

— Esses são meus avós? — Perguntei, apesar de não precisar. A semelhança de mamãe com a mulher da imagem seria óbvia até para um cego.

— Sim. — Minha mãe abriu um sorriso saudoso, seus dedos acariciando de leve a imagem já meio esmaecida pelo tempo. — Papai deveria tê-la matado, mas foi amor à primeira vista. Mamãe então decidiu esconder o que era, fingindo ser apenas uma mulher comum. Os dois viveram juntos por anos. Eu só soube da verdade no dia em que fugi com o seu pai.

— E o papai? — Perguntei. — Ele sabia?

— Sim, sabia. — Mamãe assentiu. — Seu pai e eu ... Bem, a convivência entre nossas famílias não era exatamente pacífica. Os Zugravescu, a família de seu pai, eram um clã ambicioso que não se importava em usar vampiros, ou qualquer outra criatura, para atingir seus meios. Stefan ... Seu pai ... E eu, nenhum de nós concordava com a doutrina de nossas famílias. Foi o que nos aproximou, e nos tornamos amigos.

— E então se apaixonaram?

— Isso mesmo, filha, nós nos apaixonamos. — A expressão de minha mãe é do mais puro amor. — Mantivemos nossa relação em segredo, é claro, por motivos óbvios, mas quando fiz quinze anos já sabia que ele era o homem com quem me casaria. Então, três anos depois, fugimos para começar nossa vida juntos.

— Mas minha avó sabia? — Pergunto, cada vez mais envolvida pela história, que até parece saída de um livro. — O que ela fez?

— Minha mãe me deu seu amuleto, o mesmo que agora dei a você, e seu Livro das Sombras. — Mamãe revela. — Foi quando ela me contou quem realmente éramos e do que somos capazes. Agora, faço o mesmo com você, minha filha. É sua escolha assumir ou não a herança.

— Se eu usar isso ... — Meus dedos correm devagar pela capa antiga de couro, com reverência. — Posso deter Katerina?

— Acredito que poderia detê-la mesmo sem isso, querida. — Minha mãe declara. — Mas, sim, talvez algum dos feitiços de sua avó possa ajudá-la.

— Nesse caso ... — Minhas mãos se fecham com firmeza ao redor do livro. — Eu aceito. 

— Sabia que diria isso. — Mamãe sorri e mais uma vez acaricia meus cabelos. — Há mais uma coisa, algo que seu pai queria que fosse seu quando chegasse o momento certo.

Minha mãe se inclina, tirando debaixo da cama uma pequena caixa de madeira escura. Tem formato alongado e parece ser de mogno, trabalhada com símbolos esculpidos em toda a sua extensão. Abro a tampa e encontro uma adaga.

A arma tem cabo negro, decorado com o que parecem ser pedras de ônix, e está guardada em uma bainha de prata esculpida com símbolos semelhantes aos da caixa. Encaixa-se em minha mão como se tivesse sido feita sob medida e, quando finalmente a revelo, a lâmina me faz ofegar.

Nunca pensei que veria beleza em uma arma, mas aquela lâmina é diferente de tudo o que já conheci. Ligeiramente mais larga perto da empunhadura, vai tornando-se sutilmente mais fina na ponta, como um espinho de metal. No centro, a cor da lâmina é mais escura, tornando-se de um prateado quase branco nas pontas. Um dos lados é ainda mais claro, numa tonalidade bege, e ao tocá-lo com a ponta de um dos dedos descubro tratar-se de um revestimento finíssimo de madeira.

Giro a adaga nas mãos, vendo meu próprio reflexo na pequena lâmina. Não deve ter mais de 12cm, perfeita para esconder e usar quando necessário. Bela, porém mortal.

— É linda. — Declaro finalmente. — Obrigada, mamãe.

— Use-a bem, filha, pois esta não é uma adaga comum. — Minha mãe declara. — É de prata, abençoada por um velho sacerdote e, como você viu, tem um fio de madeira. Pode matar qualquer criatura das sombras.

Assinto e me ponho de pé, com o Livro das Sombras debaixo do braço, a adaga de meu pai na mão livre e meu cérebro já delineando o esboço de um plano.

— Mãe. — Digo. — Quero que me treine, me ensine tudo o que aprendeu sobre matar vampiros.

— É claro que quer. — Minha mãe sorri, um sorriso afiado que eu nunca havia visto em seu rosto. Por um momento, tenho um vislumbre da jovem caçadora que ela deve ter sido. — Boa caçada, minha filha.

Dessa vez, as palavras em romeno me soam familiares, até reconfortantes. Já estou na porta, mas não consigo deixar de lançar um sorriso por sobre o ombro.

— Boa caçada, mamãe.

Assim que termino de falar, já estou no corredor. Tenho um plano, ou pelo menos o começo de um, mas sei que não vou conseguir sozinha. É hora de falar com Ashlee.


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