—Até mais tarde, Agostinho! - Bianca diz, fazendo um rápido cafuné em minha cabeça e saindo porta afora antes que eu pudesse dizer qualquer coisa. 

Era assim que ela se despedia todos os dias antes de sair para aquele mundo barulhento e perigoso que ela chamava de rua. Ainda não entendo o motivo de todos os dias ela sair quando temos tudo o que precisamos aqui dentro: comida, brinquedos e caixa de areia. Humanos realmente são seres incompreensíveis. 

Desço do braço do sofá para o assento do mesmo e depois pulo para o chão. Hoje eu estava com uma preguiça daquelas, mas não queria dormir ainda. Tinha o dia todo livre e podia fazer tudo o que quisesse sem que Bianca me repreendesse. Essa humana tem que descobrir o prazer de esfregar as unhas no sofá. Aquele tecido é simplesmente perfeito! 

Fui até a cozinha. Tive um pouco de dificuldade para subir no balcão, mas eu tinha meus macetes. Subi no banco, do banco pulei para o balcão e lá estava eu, de pé no topo mais alto que qualquer um poderia chegar, de frente para aquela maravilha. Sim, Bianca havia almoçado hoje uma coisa que ela chama de xuxi, xusi... Sei lá! Basicamente é peixe cru com arroz e definitivamente é a ração mais gostosa que os humanos comem. 

Caminhei até o prato como um vencedor caminha para seu troféu. Com certeza eu era o felino mais feliz do mundo. Me aproximando daquele manjar, o cheirei primeiro – claro, eu sou um Gato Inglês puro, e não esses vira-latas esfomeados – e logo depois abocanhei aquele pedaço de paraíso de uma vez só. O sabor era indescritível!  

Mas claro, tudo que é bom dura pouco. Fiquei tão extasiado com a comida que acabei esbarrando em um copo que estava sobre o balcão perto do prato. Meu Deus! Bianca vai me matar! 

Foi um total acidente. Eu simplesmente fiquei lá parado vendo o copo caindo do balcão e se espatifando em centenas de pedaços no chão. Era isso que eu iria tentar dizer para Bianca, mas ela nunca me ouvia. 

Desci do balcão e sai da cozinha, deixando a culpa pelo copo quebrado lá mesmo. Eu não fui o culpado. Definitivamente não! 

Fui para a sala novamente. Subi no sofá, achando o controle de TV que estava jogado em cima do mesmo e ligando o aparelho. Estava passando um filme. Um homem e duas mulheres conversavam entre si quando de repente dezenas de cachorrinhos apareceram na cena. Desliguei a TV imediatamente. Acho um absurdo um filme tão assustador estar sendo transmitido a essa hora da tarde. Pode haver crianças assistindo. 

Ok. Definitivamente agora eu estava entediado. 

Pulei novamente do sofá, dessa vez indo para a janela. Subi no parapeito e me sentei, olhando para a rua abaixo do prédio. Realmente de longe a rua parecia um lugar legal, mas eu já tinha tudo o que precisava aqui. 

De repente ouvi um som. Um ronronar. Me chamou bastante atenção por que eu era o único gato andar, não tinha como... Olhei para o lado e meu mundo caiu! 

Uma fêmea. Pelo branco, rosto escuro, olhos azuis. Uma Ragdoll pura! Eu simplesmente não conseguia me mexer com tamanha beleza. Ela olhava para a rua também e parecia séria, mas isso não a deixava menos bonita. 

Ela se virou para mim e eu pulei. Estava sendo um idiota por ficar daquele jeito. Era apenas uma fêmea, não tinha motivos para tanto espanto. Engoli em seco, me preparando para dizer um "olá" ou pelo menos me mostrar menos imbecil na frente dela, mas tudo o que ela fez foi dar as costas e pular do parapeito da janela para dentro de seu próprio apartamento. 

Não pode ser! Eu perdi minha única oportunidade de conhecer uma fêmea descente – a única fêmea que eu conheci até agora foi Barbie, que conheci no veterinário e jamais acasalaria com ela por causa de sua famigerada compulsão por caçar ratos – e provavelmente iria morrer sem nunca ter procriado!  

Pulei do parapeito, correndo para cima do sofá e me escondendo embaixo da almofada. Eu era uma vergonha para minha espécie e iria aceitar o castigo de nunca sair debaixo desse almofada! 

Fiquei lá embaixo até que peguei no sono sem nem ter percebido e acordei com o barulho de chaves na porta. Bianca estava em casa! Ela podia me consolar! 

—Cheguei, Agostinho! - Ela disse fechando a porta. - Onde você está? 

Eu sai de meu esconderijo, a olhando com a maior cara de piedade que conseguia fazer. Eu estava arrasado. 

—Ah, você está aí! - Ela se sentou no sofá e eu pulei em seu colo para que ela pudesse fazer carinho em mim. Estava precisando disso mais que urgentemente. 

Retiro o que disse mais cedo. Bianca poderia não entender o que eu falava, mas eu não precisava de palavras para que ela soubesse o que eu precisava. Ela era o ser vivo mais importante na minha vida. 

—Eu preciso beber água. - Ela disse me tirando de seu colo. 

Eu me espojei no sofá. Quem se importava com uma fêmea quando se tem uma humana tão dedicada e amorosa assim. Eu não precisava de mais nada em minha vida! 

—Agostinho! - Bianca praticamente berrou da cozinha e só agora eu lembrei do copo que eu quebrei acidentalmente hoje mais cedo. 

Suspirei. Eu era o gato mais feliz do mundo, apesar de tudo.