Runaway

“Kanra (vulgo pulga maldita)

Você sabe bem que fui eu quem escreveu essa carta. E eu sei bem como você provavelmente está murmurando algo sobre como “a Shizuko-tan é impaciente”, mas bom nos conhecemos a sete anos, você já deveria ter se acostumado, pulga.

Mas, bom vamos ao que eu realmente quero falar. No começo nós simplesmente brigávamos como gato e rato, ou melhor como monstro e pulga, e então eu achei aquele diário, e conheci uma Orihara Kanra que eu nunca havia visto antes. E naquele dia dos namorados, eu te encontrei exatamente onde o diário declarava que você ficava em todos os dias dos namorados, uma das poucas datas que eu me via longe de você.

Eu lembro exatamente do modo como você parecia surpresa quando escutou passos, como você parecia frágil ali, com lagrimas nos olhos e os lábios avermelhados pelo modo como você os mordia (na verdade, posso jurar que senti cheiro de sangue.), e como você sendo malditamente orgulhosa como sempre foi tentou sorrir daquele modo, tentou camuflar a dor em seus olhos quando percebeu que era eu ali.

Eu lembro como você pareceu chocada quando eu te abracei. Lembro de como você tentou se afastar de mim, de como você chegou a puxar seu inseparável canivete, mas como nem chegou a usá-lo, você simplesmente soltou-o, e depois de mais um minuto você me abraçou de volta. Pela primeira vez eu fui capaz de ver lagrimas verdadeiras em seus olhos.

Foram inúmeros minutos, apenas te vendo chorar, num choro tão desesperado que eu senti meu coração quebrar a cada palavra desconexa que você proferia. Então uma hora você parou de chorar, e eu perguntei o porquê de tudo aquilo, e você mentiu. Mentiu para mim e para você mesma talvez pelo seu orgulho, talvez para continuar se sentindo superior aos humanos (uma deusa como você mesma se nomeia), ou talvez por que era eu. A pessoa que você citou no Diário, a pessoa que quebrou seu coração mais de uma vez, que fez com que você se tornasse a frieza e acidez em pessoa que você tentou ser até hoje.

Eu não te exigi a verdade naquele momento, mas falei tudo que sabia que você precisava saber, eu lembro bem minhas palavras exatas foram “você pode ser honesta comigo, Kanra.”. Então você saiu, e de alguma maneira eu soube que você desabou assim que chegou em seu apartamento. Talvez o fato que você tenha passado exatos dois meses longe de Ikebukuro, tenha me dado alguma dica também...

Então eu ignorei tudo que me dizia para fazer o contrário e fui até sua casa. Invadia-a e te vendo ali, com um olhar tão vazo, tão sozinha, eu simplesmente senti que não havia mais nada para fazer senão te puxar para perto de mim, eu apenas queria tentar te acalmar, e eu tenho que admitir, acalmar a mim mesma. Então você olhou para mim, e eu senti novamente aquele aperto no peito que quase me fez gritar de fúria, quase me fez destruir seu apartamento e todo o resto do prédio, apenas para saber quem ou o que causara aquele olhar tão quebrado e perdido que tomava aquele tom perfeitamente rubro de seus olhos.

Então ao invés de descontar minha raiva em todo o mundo, eu fiz o que julguei certo naquele momento. Eu te beijei, e nossa como eu poderia descrever aquela sensação. De que pela primeira vez tudo estava completamente certo. Talvez tenha sido naquele momento que eu percebi. Que você era a certa, que você com seu orgulho, com sua acidez, com sua fragilidade...  com tudo, era a... como as pessoas chamam mesmo, “alma gêmea”? Pois bem você era a única coisa que me parecia realmente bela no mundo naquele momento. E o modo como estávamos juntas, era a única coisa realmente certa que eu já havia feito.

Então nós embarcamos no mais estranho relacionamento que qualquer um jamais poderia imaginar. E nós duas fomos mais felizes do que jamais havíamos sido, de algum modo nos completávamos, você era a personificação da graça e da agilidade e eu, mesmo que contra minha vontade e você bem sabe disso, da violência e da força.

Então eu percebi que mesmo com tudo você começava a agir de modo estranho de novo, e o medo impregnou-se em mim, tal como seu cheiro está impregnado em toda Ikebukuro, em todo meu apartamento, em tudo. Eu tentei acreditar no que falava, mesmo quando nem mesmo você acreditava. Eu juro que tentei acreditar em você, mas era impossível, e eu me pergunto se você sabe como dói tentar acreditar que sua namorada é honesta com você, quando nem mesmo ela tenta acreditar em tal mentira.

Mas, mesmo assim eu espero ter deixado uma coisa clara. Eu estou aqui por você, e sempre estarei. Quando você sentir que precisa desabafar, quando você finalmente decidir realmente se abrir sobre todos os demônios que te consomem por dentro, eu estarei aqui, com toda a paciência que reservo só para você e só nos momentos necessários (por que eu imagino que se eu não acrescentasse isso, você ia se aproveitar desse trecho pelo resto da sua vida?). Eu estou aqui para te ajudar a carregar o peso de cada uma das suas escolhas, estou aqui para enxugar cada lagrimas, para afagar seus cabelos negros toda vez que você acordar de um daqueles pesadelos, para simplesmente estar com você, por que afinal palavras nunca foram necessárias para nós duas.

Você sempre comentou sobre minha força, mas você tem saber de algo. Que tudo para que eu preciso dela é para te proteger. Eu preciso de uma palavra, de um sorriso ou um simples aceno de cabeça e eu saberei que posso usa-la para derrubar cada uma das suas muralhas, para esmagar cada uma dessas vozes, para matar cada um dos seus medos, por que Kanra eu espero que você tenha isso nessa sua linda cabeça dura, eu estou aqui, para o que você precisar. Seja um simples abraço, ou simplesmente ouvidos atentos para cada palavra que você queira falar.

Você entende não é mesmo, o que eu quis dizer com todas essas palavras, mesmo que eu não tenha realmente pronunciado ou escrito. Eu te amo, pulga, com cada uma das suas qualidades e defeitos, com cada misero sorriso ou lagrima, amo tudo em você desde seus murmúrios irritados pela existência do sol quase toda manhã, ou seus sorrisos furtivos quase todas as noites

E exatamente por te amar, eu te ofereço isso, eu te peço isso. Fuja comigo, Kanra. Me deixe te ter apenas para mim, dessa vez por completo, sem nenhuma parte de fora, sem nenhum segredo ou mentira. Vamos para onde você quiser, seja para Tokyo ou para outro continente, tudo que eu preciso é te ter ao meu lado, ter cada parte de você, desde a orgulhosa marrenta até a sonhadora doce comigo.

Por que você se tornou meu tudo a tempo demais. Se tornou meus pulmões, meu ar e o oxigênio. Você tornou o mundo monocromático com suas lagrimas e o coloriu com seus sorriso, você pintou-o do modo que quis, você literalmente sempre fez o que quis, principalmente comigo, principalmente com meu coração, você o roubou para si, do modo que quis e supreendentemente eu não o quero de volta, contanto que você esteja feliz e bem nada mais importa.

Então eu lhe proponho novamente, fuja comigo. Para que você saiba que não está mais sozinha, para que sinta que eu estou aqui, para que saiba que você é tudo que eu preciso, para que saiba que eu quero ser tudo de que você precisa. Por que você não precisa fugir sozinha, não precisa se abrigar na escuridão, agora eu estou aqui por você, e nada mudará isso.

Heiwajima Shizuko (Ou Shizuko-tan, como você adora me chamar, sendo a pulga irritante que é.)