Caçadora da Meia-Noite escrita por Ginger Bones


Capítulo 8
O Honorável Capitão-exílio


Notas iniciais do capítulo

Segundo capitulo da semana como presente atrasado de Páscoa ;)



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— Quem é você?-pergunto, tentando mascarar minha emoções. Não era tão difícil assim para mim. Eu esperava que minhas antigas missões já tivessem me ajudado a manter a expressão neutra o tempo inteiro, mas lidar com esses faes eram completamente diferente de qualquer outro tipo de discussão entre espécies do submundo e humanos. Eles eram ótimos em ler as pessoas, e eu não queria arriscar.

O fae caminha na minha direção, fechando um cofre metálico parcialmente escondido atrás de um armário com uma única mão. Sim, ele estava começando uma pequena exibição aqui.

— Por que você não me diz?-pergunta o homem.- Você é quem está invadindo o meu estabelecimento.

 Olhando-o de perto, tenho a certeza de que é um feérico. O fae é alto e musculoso, usa uma armadura de ferro por cima de suas roupas simples. O cabelo é roxo e vai até os seus ombros, seus olhos azuis se destacam nas sombras que ele tentava se esconder. Poderia funcionar com outras pessoas ficar no escuro e esconder parcialmente o rosto como os elfos costumam fazer, mas não para mim. Minha visão sempre foi boa e a sua tática não funcionava para mim. Eu não o temia e ele sabia disso.

— Como sabe o que eu sou?-pergunto.- Digo, não estou com o meu uniforme.

—Você cheira como eles.-o macho continua a falar ao ver que eu não o responderia.

— Cheiro como quem, exatamente?-pergunto fingindo interesse.

Já que ele está segurando minha missão nas suas mãos, preciso pensar em uma maneira de pegar. E tem que ser rápido.

— Como uma humana.- ele explica e vejo seu olhar me analisar de cima a baixo.- Mas não é isso que você é, certo Caçadora?

Dou de ombros.

— Não sei nem a que você se refere.

— Temos um acordo, eu me lembro.- o fae muda de assunto. Nossa, como eles gostam de falar. Meu pensamento me dá uma ideia.- Tem permissão de matar esses membros do submundo arruaceiros, desde que não invadissem nosso território. Eu tenho pessoal para garantir que vocês não tenham motivo para estar aqui, então você está violando nosso acordo.

— Você sabe porque estou aqui.-aponto para o pequeno vidro com um líquido transparente em suas mãos. 

Vejo que ele entende o que quero dizer, e dá um sorriso convencido.

— Tenho ouvidos em todos os lugares, os planos dessa sua laia da Caçada da Meia-Noite não é um completo mistério para mim.- Sinto que ele insinua alguma coisa, mas pensar em um de nós trabalhando para a espécie que a maioria dos Caçadores costuma desprezar tanto soa quase como uma piada para mim. Não, não é possível.

— Ainda não me disse como sabe tanto de mim.-insisto no assunto anterior.

— Ah, seu disfarce ridículo não funciona para mim. Tenho idade suficiente para reconhecer impostores em um único olhar, e você é uma.-ele diz fazendo pouco caso da minha pergunta.- Fantasia bem feita, mas não o bastante. Você não me engana.

— Eu tenho conhecimentos dos acordos de Mestre Romckpay.-falo convicta.

— Você não sabe de nada, menina.- o fae diz.

— Ah, eu tenho!-exclamo.- Meu chefe confia em mim. Eu fico surpresa de que você deixe eu fazer meu trabalho assim tão fácil.

O macho sorri com malícia.

— Primeiro você precisa tirar da minha mão.- ele esconde o vidro no bolso de sua roupa, encostado da sua cintura e sei que ele nem se esforçou para fingir.

— Que tipo de título você acha que tem para ser tão convencido assim?- o provoco na intenção de irritá-lo.- Se fosse mesmo importante, estaria com sua espécie e não se escondendo em um bar do submundo na Terra, no meio de uma cidade humana.

Vejo um traço de fúria em seu rosto. Bom.

— Você não sabe o que fala, caçadorazinha-o fae parece aborrecido, mas preciso faze-lo me atacar para arrancar o vidro da sua roupa.- Sou um dos herdeiros da Rainha atual, estou aqui por opção. 

— Tem certeza?-provoco.- Isso aqui me parece mais um exílio.

— Isso não da sua conta.- ele responde irritado.- Mas meu nome é Sheadae, Capitão Sheadae.

— Certo, Capitão- exílio Sheadae. Me dê o frasco e eu vou embora.-digo direta estendendo minha mão.- Eu juro. 

— Ah, eu acho que não.-ele me responde.- Você nem ao menos sabe para o que isso serve. 

— Sei o suficiente.-dou de ombros. -Estou fazendo meu trabalho, pode me julgar? 

— Você sabe o suficiente?-ele exclama com tom sarcástico. Sua risada estridente me irrita.- Duvido que diriam alguma coisa relevante para você! Uma mera subordinada, em um trabalho para roubar algo tão importante! 

—Não sou uma subordinada.-falo.-Eu sou uma oficial, sabia? E já que supostamente você também é um capitão, devia saber que tipo de informação eu tenho acesso.

— A Capitã!-ele volta a gargalhar.- Você, a capitã! É quase uma criança. Eles ao menos sabem quem você realmente é? 

— Tecnicamente, quando eu me formei na academia da Caçada, eu me tornei oficialmente uma adulta com todos os direitos legais que todos os caçadores tem, então você não pode me chamar de criança.- explico e torno a estender a mão.- Vamos acabar logo com isso, me de esse vidro e eu vou embora. Não precisamos brigar por tão pouco, Capitão-exílio.

Ele parece ter chegado ao seu limite da minha provocação, porque puxa sua espada curta da bainha na cintura em um movimento rápido e a aponta direto no meu coração.

— Cuidado com o jeito que se dirige a mim, mortal.- o tal Shaedae diz com uma fúria que ele nem tenta esconder. Com esse comportamento, não me surpreende que ele tenha sido posto para fora do reino fae de onde ele veio. As fadas não costumam suportar acessos de raiva ou temperamento maleável como o dele, mas suponho que existam os que são diferentes em todas as espécies.- Eu sou um servo da Rainha Gwienever, você está errada. Eu nunca fui exilado. E pode ter certeza de que não vou te deixar sair daqui com vida, menininha.

— E com que autoridade você pensa que tem permissão de me matar.- eu o respondo, porque me lembro das leis do acordo.- Invadi seu bar do submundo, mas você também estará infringindo o acordo entre a Caçada e sua espécie se matar um de nós. Isso é considerado um ato de guerra para a minha laia, como você mesmo diz.

— Você luta pelo lado errado, menina.- ele diz com um sorriso malicioso.- Se essa guerra continuar do jeito que está, sugiro que reveja se pretende continuar lutando com o inimigo.

— Eu não sei do que você está falando.- digo. Infelizmente, essa frase tem se tornado frequente ultimamente, eu espero que não por muito mais tempo. Por mais que eu tome cuidado, nem sempre passo despercebida com a minha vida.- Não existe guerra.

— Nem tente mentir para mim.-ele diz dando tapinhas no bolso em que eu sei que ele tinha guardado o que eu precisava.- O que eu tenho aqui é precioso demais para eu deixar chegar até as mãos daquele seu mestre humano, o tal de Stewart Romckpay. Você tem seu trabalho, mas eu também tenho o meu. E não gosto de falhar

Se ele não tirasse aquele vidro do bolso, eu mesma teria que terminar o serviço. E já que ele não abaixar a espada apontada para o meu coração, suponho que tenha que ser o jeito difícil.

— Ouça, é a última vez que eu vou pedir.- começo a falar.- Podemos fazer do jeito fácil e você me dá o que esconde no bolso da sua calça e terminamos por aqui, ou teremos que fazer do jeito difícil e brigar sem necessidade. Você escolhe.

Shaedae solta um longo suspiro e desiste de sua atual abordagem, dá alguns passos para trás ainda sem tirar os olhos de mim e larga a espada sobre a mesa da sala, que pensando bem, me lembra um tipo de escritório comercial, mas cheio de livros de magia e a decoração macabra dos fae dissidentes, com o que parecem crânios de demônios vertebrados e mais uma variedade de objetos que eu nem sei o que são. 

Parecendo cansado, o capitão se senta na cadeira de couro em frente à uma mesa de trabalho na sala. Ele tira uma garrafa de vinho de uma das gavetas e serve em um cálice que ele mesmo convoca com sua magia. Depois, ele me oferece com uma das sobrancelhas arqueadas. Eu recuso. Não seria tão idiota a esse ponto.

— Você pode tentar mentir para aqueles seus amigos caçadores idiotas.-ele fala depois de beber um gole de seu vinho e largar o cálice sobre a mesa.- Mas assim como soube que você é uma caçadora no momento em que a vi, também sei que você não é o que diz ser.
— Eu sou uma Caçadora da Meia-Noite.-digo como um mantra.- Sou a Capitã. Sou importante. E só isso.
— Não, você não é.-ele suspira mais uma vez.- É bem mais do que isso. Pode continuar se recusando a aceitar quem você é, mas você não é muito diferente de nós.
— Vocês são baixos e matam milhares de  inocentes todos os anos!-afirmo.- Meu trabalho é livrar o mundo de criaturas como vocês, jamais me compare com o seu tipo. 
— E vocês matam milhares de nós todas as noites!-o feérico responde irritado.- Pare de negar quem é! A lua não te chama? Deixe-se levar por seus instintos.
— Meus instintos são defender os mortais e matar vocês, seus amigos e familiares assassinos!
— Porque foi o que te ensinaram.-fala e se levanta de sua cadeira, se aproximando lentamente de mim.- A influencia da Caçada é tentadora, eu sei, mas você ainda é jovem, ainda pode se livrar dessa instituição estúpida e falida. Você sabe que nada é tão simples assim, posso sentir isso em você. 

— Não se aproxime de mim, feérico.-tiro meu punhal da bainha, mantendo-o longe de mim quando ele se aproxima mais do que deveria. 

— Você não sabe mesmo com quem esta falando.-ri o macho desaparecendo e aparecendo logo atrás de mim segundos depois. 

Me viro em um movimento rápido, a arma em punho. Tento golpeá-lo no estômago, mas ele desvia com facilidade e quase arranca minha peruca em um puxão. Com habilidade ensaiada em mais de três anos de missões para a Caçada, puxo sua mão e faço um movimento para baixo, impedindo que ele destruísse meu disfarce e levasse parte do meu cabelo junto. Em seguida, eu o empurro com força com os punhos fechados em suas costelas. Na maioria das minhas lutas, isso o derrubaria no chão arfante, mas ele é um feérico e eles são tão fortes quanto bonitos. Nem sequer o fez perder o ar. Ele ruge irritado por ter tentado derrubá-lo, agarra meus braços e torce até me forçar a largar a arma. Eu sufoco um grito com a dor pulsante em meu braço. Distraído em torcer meu braço, aproveito a oportunidade para tentar chutar seu tronco. O atinjo em cheio no estômago com toda a força que consegui reunir. Sua armadura de ferro agora serviu a meu favor, embora meu joelho agora doa pelo impacto. Ele me larga com as mãos na barriga. De alguma forma, consegui machucá-lo, mesmo que pouco. Isso não irá pará-lo tão fácil, mesmo que deva tirá-lo do sério o bastante por conseguir fazer com que sentisse dor. 

Ele solta um grito furioso antes de investir com suas espadas, retomando a prateada de cima da mesa e puxando uma dourada como o sol do outro lado de sua cintura. Shaedae mira na direção do meu rosto. Arranco minhas lâminas gêmeas de onde as escondi embaixo das roupas nas minhas costas e por pouco impeço que ele corte minha cabeça defendendo seu golpe com a guarda alta. A força que ele usou me fez arrastar os pés com força no chão de pedra e cascalhos. Por pouco não me desequilibro, mas ele volta a golpear com as espadas e tento ao máximo parar seus golpes rápidos com as minhas próprias armas, mas ele é um feérico e deve ter centenas de anos, enquanto eu sou uma caçadora mortal. Sou forte, mas nunca poderia lutar com ele tão despreparada como hoje. Eu não esperava encontrar um feérico aqui. Realmente pensei que seria mais fácil, mas o dono desse lugar mais parece um guardião, e sei que sua imortalidade o deixa com décadas de vantagem contra mim. Vou precisar de sorte para vencer essa noite.

Ele me empurra com força com seu pé direito quando vê que começo a me exaurir e quando ameaço tropeçar, ele crava uma de suas espadas na minha barriga, a tirando em seguida. Não o suficiente para atingir algum órgão vital, mas o bastante para sangrar muito. Caio no chão com a dor inimaginável que sinto e largo minhas armas na hora. Ele brande sua espada perto da minha cabeça, prestes a me matar. Não fecho os olhos, esperando pela morte como uma guerreira, sabendo que não iria viver por muito mais tempo. No entanto, não sinto a morte certa vindo me buscar, mas quando vejo que ele iria abaixar a arma sobre mim, sua garganta esguicha sangue em um corte relativamente profundo, o fazendo cair com um baque surdo no chão. Ao olhar para o lado, vejo Adam com suas roupas chamuscadas e um olhar selvagem com um bumerangue de metal com cerdas como a de uma faca, com o sangue esverdeado do feérico escorrendo em uma das mãos.

 Sem uma palavra, ele se aproxima de mim e estende sua mão em minha direção. O olhar selvagem some de seu rosto ao olhar para mim e me ajudar a levantar. Ele vê meu ferimento ainda sangrando na minha barriga e um lampejo de preocupação passa em seu rosto antes de me soltar. Acho que consigo caminhar sozinha, por enquanto. 

O feérico no chão ainda sangra, mas logo irá parar. Sabemos muito bem que o corte irá se curar em breve e não se pode matar um imortal assim tão fácil, mas aproveitamos a chance de vulnerabilidade rara que temos para obter vantagem. 

Ele se dirige a porta pronto para fugir, mas antes de segui-lo, caminho com dificuldade e mancando até o feérico e me abaixo apesar da dor. Ignoro a pontada que sinto e puxo o vidro que Romckpay tanto quer do bolso dele. Apesar da dor, me levanto com uma mão na barriga, usando a outra para levantar o que parece um frasco de perfume delicado até próximo ao meu rosto, deixando que meu amigo também possa vê-lo. 

Me viro com dor e olho para Shaedae, não conseguindo conter a felicidade por estar viva, contrariando o que o macho me dizia.

— Obrigada por ter me deixado com o jeito difícil, Honorável Capitão-exílio.-digo com certo tom de convencimento.

O machucado na garganta do feérico já começou a se curar, e parece já ser o bastante para que ele se mexa, virando-se de lado e apoiando o peso do corpo sobre um dos braços. Ele levanta o olhar e mais uma vez me mede dos pés a cabeça, mas dessa vez, noto, com tanta dor quanto eu estou sentindo agora. 

— Você está cometendo o maior erro da sua vida, mestiça.


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