Caçadora da Meia-Noite escrita por Ginger Bones


Capítulo 12
O Corredor da Inquisição


Notas iniciais do capítulo

Segundo capitulo da semana!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/678080/chapter/12

Eu não treinei durante o resto do dia, não porque eu não queria, mas sim porque eu não podia forçar os pontos recém-feitos. Isso, porém, não me impediu de colocar meu uniforme e prender minha insígnia de capitã e ficar na sala de treinamento, supervisionando os outros soldados. 

Normalmente, eu treino junto com eles como iguais, mas com a presença inesperada dos Inquisidores, todos os oficiais foram intimados a ficar na sala de treinamento observando e mantendo as formalidades enquanto os Inquisidores estivessem dentro das terras de Romckpay. E é claro que isso me incluía devido ao meu cargo, embora eu apenas me limitasse a escutar a conversa entre os meus superiores em silêncio, como sempre.

É claro que a palavra "intimar" não foi a usada na carta que eu encontrei em meu quarto quando voltei da enfermaria de manhã, mas eu já tinha aprendido a ler nas entrelinhas dessas cartas formais há muito tempo. Por sorte, não voltei a encontrar Courtney Morris enquanto estive junto com os outros Inquisidores e meus colegas oficiais. Tudo que eu menos queria agora era voltar a vê-lo para me tirar do sério mais uma vez, meu humor não estava dos melhores e meu dia já tinha começado da pior forma. No entanto, não consigo parar de me sentir com sorte, mesmo com meu machucado. Eu não o vi mais e tinha conseguido mais uma vez fazer o que Mestre Romckpay havia pedido. Quanto mais sucesso eu tinha, mais perto da minha insígnia de major eu me sentia. E isso para mim, era a melhor coisa que eu podia esperar. Ter um objetivo a alcançar, me motivava a levantar cedo todos os dias.

O jantar transcorreu como eu esperava, barulhento e movimentado, mas estranhamente normal considerando os nervos à flor da pele que a presença dos Inquisidores despertava, mesmo os Caçadores mais calmos e sérios se mostravam animados com a elite dos assassinos sobrenaturais da Rainha comendo em mesas ao lado das nossas. Quanto a mim, não estava tão animada assim.

Adam me acusa de me forçar a ser do contra em todas as situações possíveis, mas eu apenas nunca me impressionei tanto com eles. Apenas alguns Caçadores mais bem vestidos e com a proteção da Coroa, é isso que eles são. 

Meu interesse por eles sempre foi mínimo, no entanto, depois que meu antigo inimigo de infância arrogante, Courtney Morris, se tornou um deles, perdi todo o pouco interesse que ainda me restava por eles. Não tive muito tempo para conservar memórias da minha mãe, mas algo que ela sempre me dizia era que nem sempre as pessoas eram quem realmente pareciam, principalmente se essas pessoas eram importantes na nossa sociedade e usavam o símbolo da dinastia de nossa atual Rainha. Nunca é uma boa ideia confiar nos políticos e seus subordinados. Afinal, toda forma de governo se mostrava corrupta, mais cedo ou mais tarde.

****************
Os dias se passam de forma quase normal apesar dos novos inquilinos vivendo temporariamente no Instituto Millenium. Felizmente, aos poucos as pessoas vão perdendo a animação com os convidados e vão voltando às suas rotinas. Afinal, com o fim da fase da novidade que são os Inquisidores, toda a magia em cima deles desaparece.
Aparentemente, não tenho autorização expressa para saber quanto tempo os Inquisidores irão ficar conosco, e quando pergunto o motivo real de estarem aqui, Romckpay se mostra na defensiva e tenta mudar de assunto, o que me soou muito suspeito. No entanto, duvido que teria alguma chance de insistir em respostas caso ele não queira divulgá-las.
Pelo que me parece, vou ser obrigada a descobrir as coisas por minha própria conta. Por sorte, já sei exatamente como fazer isso. 

Acho que preciso ter uma conversa, não tão desejada por mim, com um antigo colega de treinamento que costumava conviver comigo na época em que cheguei aqui.

Demoro algum tempo até descobrir onde ele estava, mas consigo convencer um dos guardas de Romckpay a me dizer onde os Inquisidores haviam se instalado na mansão.

 Eu tinha certeza absoluta que ele não se afastaria por tempo demais dos outros, considerando que pessoas arrogantes como ele sempre buscam a companhia de outros com a mesma personalidade para que influenciem ainda mais para se tornarem cada vez mais babacas. A verdade é que ele sempre me pareceu um tipo muito previsível, então não seria difícil saber onde ele estaria sem procurar por tanto tempo. 

Não estava muito animada para continuar com esse plano, mas teria que ir até o andar inteiro que desocuparam para os nossos convidados da elite. Ao subir mais dois andares pela escada principal, chego ao andar que lhes deram. Antes mesmo de sequer terminar de subir o último degrau das escadas, preciso me abaixar para não ser atingida por algo vindo em minha direção. Olho para trás quando me levanto, e vejo uma faca presa à parede no mesmo ângulo que estava segundos atrás. 

Eles poderiam ter me decapitado! 

Um jovem com aparência de ter cerca de 20 anos usando as roupas dos Inquisidores e vários centímetros mais do que eu vem até mim, e me olha como se pedisse desculpa quando retira a faca da parede, deixando um pequeno buraco aberto no gesso atrás de mim. Faço questão de esbarrar em seu ombro quando passo por ele seguindo pelo corredor, não me importando em respondê-lo, e reviro os olhos ao perceber que não importa quão longe eles estejam da casa deles, continuam agindo como se mandassem no mundo. Tudo para esse tipinho gira em torno de brincadeira, o que não deveria me surpreender, visto que é basicamente esse o método deles. 

E a forma despreocupada com que estão jogados sobre os sofás, os pés sobre os bancos de camurça da mais cara e o barulho das conversas, indicam que eles não dão a mínima para as formalidades de estarem em algum lugar temporariamente. Provavelmente, eu não deveria estar aqui, mas agora é muito tarde para mudar de ideia.

— Tudo bem aí, Capitã?-grita um dos Inquisidores que estavam jogando uma bola contra a parede e a pegando quando voltava quicando para perto deles.- Está perdida? Sabe que esse não é seu lugar? 

Eu quase posso sentir o desprezo por mim em sua voz, e eu sei exatamente o o incomoda, mas não vou me rebaixar para responder o que eu realmente penso sobre ele. Isso me tornaria igual a ele, e eu sou melhor, então apenas o deixo falando sozinho.

— Onde eu encontro o Inquisidor Morris?-pergunto para um Inquisidor mais novo, talvez um aprendiz, sentado ao lado dos mais velhos. Ele me olha com expressão assustada quando paro de caminhar pelo corredor para conversar com ele. Mais um aprendiz recém chegado, imagino, ainda muito assustado com esse mundo que ele ainda não compreende. 
— Não pode encontrá-lo fora das áreas comuns. Nós temos autorização de não dar satisfações à Caçada aqui. -o homem mais velho ao seu lado responde tentando agir como autoridade.- Você não pode nos obrigar a nada nesse andar. Ele é nosso.
— Não, esse andar não é de vocês.-afirmo com a voz calma enquanto me aproximo dele.- Esse lugar todo não é de vocês. O Instituto Millenium pertence à Romckpay e essa não é sua casa para pensar que um oficial dos Caçadores da Meia-Noite não pode forçá-los a me responder tudo que eu quiser.

— Se você quiser fazer coisas com um dos nossos, diria que esse não é o lugar apropriado.- ele me diz com frieza, me avaliando de cima a baixo. Não gosto disso.- Existe um lugar para garotas como você, e não é aqui, sua...

Não deixo ele terminar de falar, porque me abaixo até ficar olho no olho já que ele está sentado, e puxo-o pela gola da camisa escuro, enrolando o tecido em uma das mãos para impedir que ele se solte do meu aperto. Aproximo-o do meu rosto, perto o bastante para que ele me escute sem precisar levantar a voz e conseguindo passar a autoridade que eu pretendo. A posição com certeza não é confortável para ele, tendo que se apoiar com as palmas da mão no chão, porque certamente ele iria se desequilibrar se não fizesse isso.

— Tome cuidado com o jeito que fala comigo.- eu o alerto.- Eu não me tornei a porcaria da Capitã da Caçada sendo boazinha. E você logo vai perceber porque as pessoas não me desafiam nessa cidade se não pensar bem nos termos que usa para falar se dirigir a mim, seu imbecil. Eu não sou uma das garotas idiotas que você costuma se envolver, então cuidado. Entendeu bem ou quer que eu desenhe? 

Termino de falar e vejo sua expressão passar de divertida e sarcástica à completamente irritada em poucos segundos. Claramente, eles não devem ser acostumados a serem repreendidos. Bom. Eu adoro mostrar à esses idiotas quem realmente está no comando. 

Ele parece bastante perturbado com a minha reação, mas não ousa responder.

— Vocês são só convidados aqui.-completo sorrindo diante da sua expressão de ódio.-  Agora, onde está Courtney Morris? 

— Terceira porta à direita.-o inquisidor finalmente fala.- Só que ele não gosta de ser incomodado quando está em seu próprio quarto. 

Finalmente solto sua camisa, o movimento brusco fazendo-o perder o equilíbrio e bater a cabeça na parede.

— Ah, não tem problema!-falo fingindo tranquilizá-lo.- Nós já nos conhecemos há algum tempo.

Ele parece pensar a respeito do que eu falei por algum tempo, e, por fim, dá de ombros, rejeitando qualquer coisa que iria falar. Ele sabe que não vale a pena testar minha paciência.

Sorrio com a minha pequena vitória e passo por ele a tempo de vê-lo voltar a jogar a pequena bola contra a parede. Assim que chego ao quarto de Courtney, bato com os punhos fechados contra a madeira da porta, tentando chamá-lo para que a abra. Eu não costumo esperar.

— Courtney! Sou eu!-chamo quando paro de bater na porta.-Você sabe quem eu sou, não adianta tentar enrolar! Abra a porta. Preciso falar com você. 

— Acalme-se, por favor!-diz Courtney com a voz abafada pela porta fechada.- Eu já vou.

Ouço algumas reclamações de Courtney seguido de sons de passos se aproximando da porta, e suponho que ele devia estar dormindo ou fazendo qualquer outra coisa que não gostaria de ter sido interrompido, embora eu não me importe com a vida alheia, principalmente, não a dele.

Ele abre a porta com mais força do que o necessário, apoiando o cotovelo do lado da porta e me olha irritado.

— O que está fazendo aqui?-ele me pergunta. Pelas suas roupas, diria que ele estava dormindo mesmo, ou pelo menos quase isso. Não duvidaria, já que na noite passada o observei no pátio em frente ao Instituto, e ele estava cercado de Caçadores e garotas, em uma alta falação mesmo tão tarde da noite.- Você não devia estar gritando com algum recruta como os outros oficiais devem estar fazendo agora?
— Eu poderia.-dou de ombros.- Mas eu prefiro respostas e acho que você pode ser o único disposto a respondê-las.

— Só eu?-ele me pergunta e sei que é retórica, mudando de posição e dando um meio sorriso convencido.- O que é assim tão importante que você não conseguiu convencer Romckpay a te falar? 

— O que vocês Inquisidores estão fazendo aqui?-questiono direto ao ponto. Quanto mais rápido ele me responder, mais rápido eu vou embora desse andar contaminado com esses idiotas. Ele franze as sobrancelhas confuso com a pergunta.- Digo, por que Romckpay os chamou aqui? Qual é o motivo de vocês terem vindo para cá? Eu não vejo Inquisidores há quase 4 anos.
— Não sei se entendi o que você quer dizer.-ele diz ainda sorrindo. O olho séria levantando uma das minhas sobrancelhas. Como se ele pensasse que eu vou acreditar que ele não sabe exatamente do que eu estou falando. Courtney é um babaca, mas não é burro e eu também não.

 Ele parece entender meu olhar, pelo menos.

— Não tenho autoridade para responder a esse tipo de coisa.

— Eu acho que você tem sim.-começo a dizer.- Só não quer me falar. 

Courtney olha de um lado para o outro, inclinando-se para fora da porta como se inspecionasse o lugar antes de fazer algo comprometedor. Ele parece relaxar e volta seu olhar para mim. O que ele esconde?

— Talvez seja isso.-ele me responde. Dá de ombros como se não fosse nada.- Mas suas respostas terão um preço. 

Maravilha! Agora ele vai querer me chantagear. 

— Eu não tenho tempo para suas tentativas de me chantagear, Courtney!-exclamo descrente.

— Então, sinto muito.-fala se afastando e fazendo menção de fechar a porta.- Não posso falar nada.

Não acredito que vou ter que insistir. Odeio ter que fazer isso. Principalmente orque é Courtney.

— Espera!-peço antes que ele feche a porta. Definitivamente, eu me odeio agora.- O que você quer em troca?

— Que bom que você está sendo sensata, Saphira!-ele diz feliz por estar conseguindo o que quiser. 

— Eu já não tenho tanta certeza assim.-retruco. 

— Ah, não é nada demais!-ele me assegura. Por que não estou gostando nada do rumo dessa conversa?- Só quero que você fique comigo. 

— O quê?-seguro uma risada. Ele falou mesmo o que eu pensei ter ouvido?- Ficar com você? Como... Eu, tocando em você? Isso nunca vai acontecer! Eu prefiro morrer antes que isso aconteça.

— Você é bonita, parece interessante agora.-ele comenta.- Tenho curiosidade. 

— Não vai acontecer!-repito. 

— Então, tudo bem!-ele diz dando de ombros.- Tenha um bom dia. 

— Não!-grito. Impeço que ele feche a porta com uma mão no portal de madeira quando a porta já se fechava completamente.- Não tem nenhuma outra opção?

— Como você mesmo disse, você prefere morrer a ter alguma coisa comigo.-ele começa a explicar. Ele teve outra ideia. Não acho que eu vá gostar de ouví-la.- Mas eu gosto de um desafio tanto quanto você. Tenho outra proposta: você luta comigo, se você perder, vai ter que fazer tudo que eu mandar até irmos embora do Instituto Millenium. Quando partirmos, você pode voltar para a sua vida de Capitãzinha dos Caçadores da Meia-Noite.

— E se eu vencer?-pergunto.

— Respondo todas as suas perguntas.- ele completa dando de ombros.- Com sinceridade. Embora eu não ache que chegaremos a esse ponto, então tanto faz.

Dou mais um passo em sua direção, olhando firme em seus olhos.

— Na próxima sexta-feira.-afirmo.- Ao por do sol, na sala de armas. 

— Fechado!-decide estendendo a mão em minha direção. 

Eu a aperto com gosto, lutar contra ele é meu desejo há anos. E eu não gosto de perder. 

— Te vejo no ringue!-afirmo sorrindo.

— Sim, e já vai preparando um uniforme de empregada, porque você vai lavar todas as minhas roupas.- ele debocha.

— Não subestime seus adversários, Morris.- eu o alerto.

Não deixo que ele responda, apenas cruzo as mãos atrás do coro e viro-me de costas para ele, seguindo o mesmo caminho que fiz para chegar até seu quarto.

Ouço-o dar uma risada debochada antes de fechar a porta do seu quarto sem mais uma palavra, não era necessário, afinal. Sorrio enquanto refaço o meu caminho entre os Inquisidores jogando a mesma bola amarela de antes e desvio dos pés esticados no chão, saindo de perto deles e andando até o andar do meu dormitório.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Caçadora da Meia-Noite" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.