Era o último dia de aula antes das férias do meio do ano começarem,a turma toda deveria
fazer uma prova que valeria nota na média.
A sala de aula estava silenciosa,vez ou outra só era possível ouvir o barulho de grafite de
lapiseira quebrando ou algo caindo da carteira. Todos concentravam-se em fazer a prova
corretamente para ter uma boa nota. Quem ficasse com nota vermelha teria de ficar de
recuperação as férias inteiras,por isso o esforço.
Olhei para o papel em minha frente,nada escrito além de meu nome e data. Semana passada
estava tentando estudar para me dar bem,mas não conseguia me concentrar porque a única
coisa que ocupava minha cabeça era aquele planfeto de desaparecimento.
Não conseguia parar de lembrar a raiva que senti ao perceber o quanto Jack era irresponsável
a ponto de fazer Amanda chorar de preocupação.
—Droga...-sussurrei afundando o rosto nas mãos.
Sabia que Benson havia dito que falaria com a professora para que considerasse alguns fatos e
mudasse minha nota. Se isso é errado? Com toda certeza.
Mas era melhor não depositar toda confiança no treinador,o "plano" dele era cheio de falhas.
Por isso eu precisava tirar nota azul.
Os problemas pessoais normalmente são o maior motivo para os alunos se darem mal nas
provas. Por exemplo,digamos que sua avó querida está internada no hospital e corre risco de
morte,como você pode ficar calmo e relaxado enquanto faz a prova?
No meu caso,é Amanda. Odeio vê -la chorar por quem não merece.
Mas se ela quer,eu não posso fazer nada.
—Drew.-a professora chamou minha atenção quando passou por minha carteira.-Ainda não
respondeu nenhuma questão?-olhou para minha prova em branco depois para o relógio em
seu pulso e balançou a cabeça com desaprovação.
Suspirei vendo-a se afastar.
—Pensa...Pensa...-sussurrei apontando o lápis para que ficasse com a ponta bem afiada.
"—E isso aqui?-perguntei entregando o caderno para Amanda.
—Está tendo dificuldades com a lição de novo ?-ela sorriu.
—É muita coisa pra minha cabeça.-relaxei os ombros.
—Claro,sua cabeça é do tamanho de um amendoim,assim como seu cérebro!-Jack provocou.
—Cala a boca!-eu disse bravo.
—Estou só brincando,pirralho.-ele riu.-Deixa eu te ajudar!-pegou o caderno e em poucos
segundos resolveu o problema.-Pronto!
—Um dia eu serei mais inteligente que você!-sorri desafiador.
—Veremos então,baixinho!-Jack disse se levantando para me intimidar com sua altura.
—Vocês dois...-Amanda riu.-Já está tarde!-se espreguiçou.-Hora de dormir!-bocejou.

—Não somos mais crianças.-fiz cara de tédio.
—Pra mim são sim!-Amanda nos abraçou até nos sufocar.-Meus dois menininhos...
—Amanda!-eu e Jack a repreendemos.-Para!-pedimos envergonhados.
—São meus bebês!-ela provocou começando a nos fazer cócegas.
—A-Amanda!-eu disse controlando a risada,assim como Jack."
—Para de lembrar!-eu disse mais alto do que deveria,atraindo olhares curiosos.-Perderam
alguma coisa?!-cerrei os dentes vendo os alunos voltarem a fazer a prova.
—Quem terminar a prova,pode me entregar e ir embora.-a professora avisou,vários alunos se
levantaram já com as mochilas nas costas.-Quem não acabou ainda tem...-olhou novamente o
relógio.-Trinta minutos.
Entre os alunos que entregavam a prova,Bella era uma,antes de sair da sala ela me olhou e fez
sinal de positivo sorrindo logo em seguida.
Assenti com a cabeça e desviei o olhar para a janela. Gostava de sentar em uma das últimas
carteiras perto da janela que dava vista para o pátio.
Brady estava lá embaixo com seus amigos,estranhamente não estava acompanhado de
nenhuma garota,provavelmente ele já devia ter acabado a prova e estava lá só de bobeira.
Quer apostar quanto que ele tirou nota vermelha?
—Dreeeeew!-Gray gritou na porta,arregalei os olhos ao ver que ele estava indo embora.-Até
mais!-acenou.-Boa sorte!-deu uma piscadela.
A sala estava ficando cada vez mais vazia e eu continuava ali sem saber o que fazer.
Respirei fundo. Não importava mais nada,só terminar a prova.
☆☆☆
Mais tarde,após o término da prova,fui até a sala de Benson que por algum motivo queria me
ver.
—Precisamos conversar.-eu e ele dissemos ao mesmo tempo.
Aprendi que quando uma mulher diz "Precisamos conversar" é algo sério e quando homens
dizem é algo mais sério ainda.
—Você prometeu dar um jeito nas minhas notas.-eu disse sério.-Tenho certeza que tirei nota
baixa nessa prova. Então faça sua mágica pra me ajudar.
—Vá com calma,garoto!-Benson disse.-Não é bem assim...
—Não é bem assim como? -arqueei uma sobrancelha.
—Quando te fiz a proposta,pensei que poderia modificar suas notas falando com minha
namo...-pigarreou e olhou para o lado.-Ex-namorada, sua professora.
—Vocês terminaram?-cruzei os braços e franzi a testa.
—Sim.-Benson pareceu estar se derretendo por dentro.-Infelizmente não tem jeito.

—Então eu não sou mais seu ajudante.-dei as costas indo em direção a porta.
—Espera!-ele disse, o olhei por cima do ombro.-Me dê mais uma chance,prometo que você vai
voltar ao topo.
—O certo seria você me ajudar a estudar e não falsificar minhas notas.-o olhei com desprezo.
O coitado estava tão desesperado por um ajudante que ia até se arriscar.
—Bom...-ele alisou o bigode.-Sabe como é, né...
—Escuta. Se eu ficar de recuperação,vou fazer da sua vida um inferno.-ameacei. Aquilo não
era verdade,eu só queria deixa -lo com medo.-Então faz o favor de levantar dessa cadeira e ir
reatar o namoro!
—Como?-suplicou.
—Sei lá. Se vira!-eu abri a porta.-Dá chocolate,urso de pelúcia ou serenata...-revirei os olhos.
Como se presentes baratos fossem capazes de reatar uma relação.
☆☆☆
Na hora de voltar para casa, tive a péssima companhia de Brady que estava indo para a casa
dos tios.
Eu em uma calçada e ele na outra.
—Sabe,Drew.-ele disse alto para que eu ouvisse.-Fico feliz que vamos nos ver nas férias!-
sorriu.
—Eu não.-disse sério.-Por você quer tanto puxar assunto?-o encarei irritado.
—Por você me pareceu interessante.
—Você não tem mais nada pra fazer?-arqueei uma sobrancelha.-Tipo sair com seus amigos ou
namorar?
—Enjoei de fazer isso!-se espreguiçou.-Acho que sua amizade tem mais a me oferecer.-me
olhou.
—Me deixa em paz.-eu disse pausadamente e apressei o passo.
Tenho muitas razões para desconfiar de Brady.
—Você apostou com seus amigos ou algo assim?-perguntei o olhando de soslaio.
—Por que não acredita em mim?-se fez de vítima.
—Porque você não é o tipo de pessoa que me passa confiança.-eu disse e suspirei.
—Se eu for confiável, seremos amigos?-sorriu.
—Eu não disse isso.
Eu teria de descobrir porque Brady insistia tanto em me ter como amigo.
☆☆☆

—Cheguei.-eu disse com tédio abrindo a porta de casa.-Não que isso importe.-joguei a mochila
no sofá.-Amanda?-olhei para os lados.-Deve ter ido para o trabalho mais cedo.-dei de ombros.
A sala estava uma bagunça e isso era estranhamente raro. Andei silenciosamente até a cozinha
e levei um susto ao ver uma mulher que nunca havia visto na vida com uma criança.
Sem dizer nada peguei uma colher de madeira,a mulher já havia me visto e me olhava como se
eu fosse maluco.
—Quem é você?-perguntei largando a colher,certamente não ia precisar apelar para o lado
violento.
—Você deve ser Drew,certo?-disse desconfiada.
—Por que?-arqueei uma sobrancelha e me aproximei lentamente.
—Porque...-pareceu pensar.-Porque Jack e você eram bem amigos,não é mesmo?
Arregalei os olhos e abri a boca,mas nenhuma palavra saiu.
—Amanda me contou.-suspirou.-Meu nome é Cassandra.
—Você por acaso...-pensei e encarei a garotinha que abraçava uma boneca de pano.-É a garota
que ele...Engravidou?
Cassandra pareceu surpresa,depois riu e disse:
—Não. Eu sou a irmã dele. E essa é a filha dele.-olhou para a criança.
—Irmã?-me apoiei na bancada e a encarei desconfiado.
—Longa história.-Cassandra revirou os olhos.
☆☆☆
—Jack nunca permaneceu em um lugar por muito tempo. Estava sempre fugindo das casas
que ficava.-Cassandra explicava.-Ele fugiu de casa com dez anos,desde então deve ter vivido
em muitos lugares até vir parar aqui.-suspirou.-Papai está louco atrás dele faz anos,ainda tem
esperanças...-olhou para o chão meio triste.-Quando eu vi aquele anúncio de
desaparecido,entrei em contato com a namorada dele.-me olhou.-Ela não para em casa,todo
dia sai bem cedo para procurar Jack. Então temporariamente eu estou cuidando da pequena
Lilian.-sorriu ao ver a menina com uma expressão fofa.
Olhei para Lilian,ela parecia assustada,mas escondia isso. Aparentava ter mais de seis anos de
idade.
Para ela ter essa idade,Jack já devia ser pai quando ainda morava aqui.
—E?-perguntei sem interesse.
—Vim até aqui pensando que poderia conseguir informações de Jack para saber sobre seu
paradeiro.-Cassandra explicou.
—Nem eu,nem Amanda sabemos de algo.-eu disse sério.-Afinal,como você entrou aqui?!-
perguntei impaciente.
—Amanda.-Cassandra sorriu.

Revirei os olhos.
☆☆☆
Cassandra foi até a cozinha preparar algo para Lilian comer.
—V-Você é meu tio?-Lilian sorriu me encarando.
Se eu ainda considerasse Jack como um irmão,tecnicamente Lilian era minha sobrinha.
—Sou Lilian. Mas me chamam de L-Lily!-apertou a boneca com mais força entre os braços.
—Drew.-suspirei sentando-me na frente da criança.-Qual a sua com essa boneca?
—F-Foi o papai que m-me deu...-Lily tinha o rosto redondinho e corado. Ela tinha os olhos
castanhos e cabelos louros iguais ao de Jack. Cassandra também tinha olhos castanhos,porém
tinha os cabelos longos e escuros.
Jack,como você pode não aparecer em um momento desses? Sério,você tem uma filha para
cuidar!
—O que te incomoda?-perguntei vendo Lily com um olhar sem brilho.-Você é criança,devia
estar brincando.
—Estou preocupada...-Lilian suspirou.-Faz dias que não vejo papai e mamãe,sinto falta d-
deles.-sorriu minimamente,um sorriso forçado que ainda assim era bonito.-Sei que mais cedo
ou mais tarde vamos voltar a nos ver e viver como uma família!-seus olhos encheram-se de
lágrimas,porém ela não permitiu que elas caíssem.-Eu sei disso...-sussurrou.
—Você me lembra a alguém...-soltei sem pensar,parecia aliviado ao dizer aquilo. Vendo a
maneira de pensar de Lily,eu lembrei que também era cheio de esperanças e mesmo triste eu
não chorei enquanto meus pais não voltavam para me buscar.
—Q-Quem?-os olhos de Lilian ganharam um leve brilho.
—Ninguém...-coçei a nuca sem graça.
Tenho que admitir,acho que talvez crianças sejam meu ponto fraco.
—Você tem jeito com crianças.-Cassandra disse aparecendo de repente.
—Hum...-murmurei.-Como Lily fala tão bem para a idade dela?
—Eu sou professora.-Cassandra riu.-No meu tempo livre ensino ela.
—Jack foi pai bem cedo,né...-eu disse incomodado.
—Na verdade,ele sempre mentiu sobre a idade dele.-Cassandra sorriu.-Jack é bem mais velho
que você,então tinha noção do que estava fazendo...-olhou Lilian de soslaio.
—Por que ele mentia?-perguntei surpreso. Todo esse tempo eu via Jack como se tivesse 13
anos,quando ele tinha muito mais...Por isso ele era bem maior que eu.
—Quem sabe...-Cassandra deu de ombros.
Lilian começou a devorar um pote de cereal,enquanto isso Cassandra voltou a falar sobre Jack:

—Sabe...-olhou para o teto sorrindo.-Sinto como se Jack fosse um anjo.-deu um riso abafado.
Aquele demônio?!-Um anjo que vai de casa em casa para alegrar a vida das pessoas...Amanda
me contou os bons momentos que vocês tiveram. Ele é um anjo. Esse é o trabalho dele.
Mesmo estando desaparecido, sei que ele está bem,pois está ajudando os outros.
Como pode falar tanta besteira?
—Um anjo se importaria com suas "famílias".-eu disse fechando os olhos para evitar que raiva
que percorria meu corpo se tornasse externa.