A realidade era dura para nós, assim como era mil vezes pior do que era para a Kory. Ray parecia que iria cuspir fogo a qualquer momento. Fiquei estagnada quando ela pegou uma vassoura e começou a agarrá-la enquanto andava de um lado para o outro. Se Xavier aparecesse ali sofreria com a cólera de Ray e sua vassoura – que teria o cabo partido em alguma parte do corpo do moleque idiota.

            Kory estava parada, suando e parecia que poderia surtar a qualquer momento. Ela encarava a porta e parecia estar morrendo de medo do ex aparecer e tentar lhe fazer algum mal. O trauma pelo qual ela estava passando era demais para qualquer um, mas parecia afetar a garota de uma forma inacreditável.

            Quando a campainha tocou a ruiva se encolheu abraçando as pernas e lágrimas saiam sem sua permissão, ela estava em pânico. Eu fui até a porta e olhei pelo olho-mágico dando de cara com o rosto distorcido de John. Abri a porta e Ray levantou a vassoura.

— Somos nós Ray. Abaixa isso! – John foi curto e entrou para ver a amiga, seguido de Michael e um Richard desesperado.

— Como você está? – Michael perguntou ao se sentar ao lado da ruiva.

— A-... Apavorada. – Sua voz era baixa e rouca.

— O que faremos? – Richard perguntou.

— Eu vou ligar para um táxi, vamos para a delegacia. – Ray disse digitando um número qualquer no celular.

            Não demorou em que o táxi chegasse. Enquanto Ray, Michael, Richard e Kory iam de táxi, eu e John seguimos o caminho em minha moto. Era estranho sentir suas mãos em minha cintura, me segurando com firmeza. Admito que foi difícil me concentrar, mas eu não quero morrer em um acidente feio, então... Vamos concentrar.

***

            Talvez o delegado tenha ficado meio desnorteado ao ver seis adolescentes entrando ruidosamente. Ray segurava Kory como se essa fosse cair no chão e se quebrar em mil e um pedaços. Eu observava de longe todos em volta de minhas duas melhores amigas, também estava preocupada com Kory.

— Calma aí! – A voz do delegado explodiu. – Um por vez.

— Queremos fazer uma denuncia de agressão. Violência doméstica e tentativa de estupro. – Ray foi direta ao ponto.

            Enquanto o delegado preparava tudo, fomos obrigados a esperar ele do lado de fora enquanto Michael ligava para as mães pedindo auxilio de um advogado de confiança das mesmas. Acreditem ou não, recebemos o tal advogado em quarenta minutos e Ray tomou a frente explicando tudo.

            O delegado junto a Kory e ao advogado seguiram para uma sala para fazerem a denúncia, e nós fomos juntos.

            Kory precisou relatar tudo desde o início, mas infelizmente não podíamos provar ameaças que ele fez a Kory sobre Richard. Mas os seus hematomas podíamos provar, após uma breve discussão o delegado pediu para que levasse ela até uma ala especifica do prédio para fazerem os exames de corpo e delito.

            Eu e Ray acompanhamos a ruiva que estava muito sensível e chorava por qualquer coisa, enquanto o delegado resolveu fazer mais algumas perguntas a eles e o advogado. Eu sabia como essas coisas sucediam já que dei caronas várias vezes para mulheres de meu bairro que sofriam de agressão, e muitas vezes estupros.

            O exame foi coisa de quase uma hora e meia, a mulher ficou horrorizada com a idade de Kory e fez questão de analisar ela completamente e bem detalhadamente. Ela parecia determinada a mostrar que essa garota havia sofrido e que queria que quem tivesse feito, pagaria caro pelas provas.

            Após terminarmos, o advogado avisou que o delegado queria conversar com todos nós em sua sala. Acompanhamos Kory até a sala do homem e nos sentamos.

— Recebi os dados do exame, realmente você foi agredida.

— E você duvidou? – Ray se intrometeu nervosa.

— Cala boca Ray. – Repreendi minha amiga. – Muita gente vem com falsas acusações, por isso é necessário os exames.

— Precisamente. – Ele suspirou. – Eu conheço Xavier, já foi detido algumas vezes. Mas sempre tem um advogado pronto para tirá-lo de minhas mãos, e vítimas que procuram não seguir o processo por inteiro.

— E agora? – Kory falou pela primeira vez aquela noite.

— Agora senhorita Anders podemos prendê-lo, mas ele não fica mais do que um ano na cadeia.

— Merecia era apodrecer. – Michael comentou e o homem apenas assentiu.

— Podem ir para casa, eu irei prosseguir com os procedimentos necessários. A senhorita não será mais incomodada.

— Obrigada. – Agradeci e todos me seguiram para fora da sala.

            Kory parecia estar exausta com tudo aquilo, os depoimentos sempre são bem invasivos; assim como os exames. Richard avisou que a levaria em casa e ficaria por lá. Michael disse que pegaria um táxi e Ray perguntou se poderia rachar com ele. John disse que ia comer alguma coisa e me chamou, apenas dei de ombros e disse que podia ser.

***

            Assim que eu e Richard chegamos a casa, entrei exausta querendo apenas o meu sofá. Deitei-me e inconscientemente comecei a chorar de medo, pavor, alívio e tudo mais. Richard se sentou no tapete e comecei a acariciar meus cabelos que deviam estar horríveis e com mau cheiro.

— Você sofreu muito ruivinha. – Ele murmurou. – Porque não vai tomar um banho e tirar todo esse peso de seu ombro? – Assenti bem de leve e seu sorriso mostrava toda a dor que sentia. – Quer ver um filme?

— Sim.— Minha voz mal saiu.

— O que acha de um da Disney? – Sua voz era tão suave que me fazia sentir bem. Um pequeno sorriso se formou em meus lábios. – Vamos, estou com saudades do seu cabelo cheirando a morango e camomila. – Dei uma breve risada e tive forças para levantar do sofá.

            Com a empolgação de Richard fui empurrada até o meu quarto onde peguei um pijama bem quente e confortável, sentia muito frio e vergonha das marcas. Depois de tomar banho e, finalmente, lavar meus cabelos eu precisei da ajuda de Richard para passar a pomada de hematomas em minhas costas.

            Dei uma muda de roupas limpas para tomar banho, e ele foi extremamente rápido para assistirmos um filme. Enquanto eu estourava a pipoca ele fazia um suco de poupa de fruta que estava na geladeira. Richard me fazia sentir bem e a vontade mesmo com toda a situação.

            Sua atenção foi desviada de nossa conversa sobre qual animação clássica da Disney era melhor: Rei Leão ou Pocahontas. O seu celular havia recebido uma mensagem e pude ouvir ele murmurar o nome de John.

“Não sei se gostaria de saber, mas a Argenta realmente estava no meio. Ela planejou tudo com Xavier.”

— O que?! – A voz de Richard ficou alta e grave e ele começou a pressionar as teclas do seu telefone com força e depois colocou na orelha e esperou algum tempo.

— Oi Rich-... – Ouvi uma voz do outro lado da linha.

— Como você pôde? – Ele estava bravo. – Kory poderia ter morrido e você ajudou Xavier a armar para nós dois?

— Foi para nosso bem-...

— Não, foi para o SEU bem. NUNCA mais olhe na minha cara Argenta, NUNCA mais fale comigo ou pense em mim. – Ele parou um pouco. – Não somos mais amigos, não quero a amizade de uma psicótica maluca.

            Ele não esperou resposta e apenas desligou o telefone. Vi seus olhos ficarem úmidos e tentei me aproximar puxando seu braço bem de leve. Quando seus olhos encontraram os meus, tudo o que ele fez foi me puxar para um abraço apertado.

— Eu não sei o que seria de mim se algo de pior tivesse lhe acontecido. Graças a Deus ou ao Universo, você está bem! – Eu me aconcheguei em seu abraço e ficamos assim por alguns momentos.

            Depois nos soltamos e pegamos o que queríamos para ver nosso filme. No fim das contas, foi Toy Story 2 e ele dormiu em meu colo quando começou o terceiro filme. Desliguei a TV e fui buscar um cobertor para ele, já que fazia frio. Não sei por que, mas deitei de frente para ele e dormi ali mesmo. Eu estava com medo e confusa e queria me sentir protegida. Me sentir bem...

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