Tudo de Mim escrita por Mi Freire


Capítulo 22
Feliz aniversário!




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Eu não conseguia parar de olhar para o celular e verificar as horas.

Toc. Toc. Toc.

— Vim resgatar a minha princesa desse calabouço.

Eu abri um sorriso largo antes de jogar minhas coisas dentro da mochila de qualquer jeito e me levantar depressa do carpete.

Fabi e Chris nos olharam intrigados.

— Posso saber o porquê dessas caras? Nós não estamos juntos, tá?

— É isso aí. – Lorenzo disse com um sorriso. — Amigos. Apenas amigos.

E saímos, sem mais explicações.

Depois do climão que aconteceu entre nós naquela noite, Lorenzo e eu não tocamos mais no assunto. O que foi um tremendo alivio. Pois não havia muito o que ser dito.

E o melhor de tudo: as coisas continuam ótimas entre nós. Continuamos fazendo dancinhas ridículas no carro, saímos para comer, passamos o tempo juntos e telefonamos um para o outro e trocamos mensagens sempre que possível.

E isso é tudo. Simples. Natural. E sem complicações.

Vou até o quarto temporário do Lorenzo, onde seu cenário improvisado para fotografia ainda está montado e começamos a praticar pelo resto do tempo.

Fotografar com ele se tornou uma das partes favoritas dos meus dias.

Christian bateu na porta do quarto algum tempo depois e enfiou a cabeça para dentro.

— Vamos descer e ver um filme? Ideia da Fabi.

Nos acomodamos os quatro nos espaçosos sofás da sala de estar que mais pareciam camas de tão enormes e confortáveis.

Estava tão entrosada na história do filme que a Fabi escolheu que nem reparei no que estava acontecendo ali.

Só quando notei que a Fabi não tirava os olhos de mim com um grande ponto de interrogação foi que me liguei: eu estava com as pernas jogadas sobre o colo do Lorenzo e ele estava massageando meus pés como se fosse a coisa mais natural do mundo. E de fato era. A convivência fez com que nós atingíssemos esse nível de intimidade.

Então qual é o problema?

Amigos não fazem massagens uns nos outros?

— Luci, me ajuda a reabastecer os baldes de pipoca?

Olhei para a Fabi e depois para o filme.

— Mas...

Eu ia dizer que o filme não estava nem na metade e que eu já estava muito satisfeita de pipoca, mas ela me interrompeu.

— Por favor.

Uau.

Nunca vi a minha amiga tão durona. De repente, fiquei curiosa para saber o motivo de ela querer me arrastar para longe dali tão urgentemente.

Pausamos o filme e fomos até a cozinha, onde a Dani já estava preparado mais pipoca para a gente.

— Tem certeza de que vocês não estão juntos?

— Fabi, que tipo de pergunta é essa?! – Suspiro, cansada dessa situação. Porque é tão difícil assim as pessoas acreditarem na amizade entre um homem e uma mulher? — Lorenzo e eu estamos sim juntos, mas não do jeito que vocês imaginam.

Ela franze o cenho, sem tirar os olhos de mim.

— Não é o que está parecendo. Vocês parecem super apaixonados e entrosados. Qualquer um confundiria vocês com um casal. Vocês agem como um casal!

— Mas nós não somos um casal. Eu já disse.

Eu estava começando a ficar levemente furiosa.

— Ele faz massagem nos seus pés e te chama de minha princesa!

— Meu Deus do céu! E qual é o problema nisso?

Minha pergunta pareceu deixa-la desconfortável.

— Nenhum. É só que... Só que você pode até estar levando isso tudo numa boa, como se não fosse nada de mais. Mas você já se colocou no lugar dele? – Ela quis saber, bancando minha mãezona. — Você já perguntou como ele se sente em relação a tudo isso? Já se perguntou se para ele isso é tudo é mesmo tão simples?

Foi a minha vez de ficar desconfortável.

— Que bobagem!

— Não, Luci. Não é bobagem. Os sentimentos dele importam também, sabia? Eu vejo como ele olha para você, como ele te trata, como se preocupa. Olha, eu não queria bancar a chata nem nada, mas eu só queria te dar esse alerta. Acho que você deveria ser mais sincera com ele e deixar suas intenções mais claras.

Eu sempre encorajei a Fabi a fazer o certo. Ou o que eu pelo menos considerava certo. Eu sempre incentivei-a ir pelo caminho da verdade. Se abrir, se expressar, dizer o que sente, sem medo de se esconder e sem sentir vergonha de si mesma por ser quem é.

Pode ser que nem sempre eu tenha sido a melhor das conselheiras. Mas eu tentei.

E foi por isso que passei um bom tempo pensando em tudo que ela me disse. Sabia que ela estava certa. Pelo menos em parte. Tanto é que me afastei um pouco do Lorenzo nos últimos três dias para refletir melhor a respeito.

Tudo que eu mais queria era não ter complicações, mas parece que quanto mais eu tento fugir delas, mas elas correm atrás de mim.

Me senti muito mal por estar o tratando como tanta frieza depois de tudo que ele estava fazendo por mim ultimamente. Lorenzo não tinha nada a ver com os meus dramas.

 Ele que não é bobo nem nada, achou tudo isso muito estranho e me ligou várias vezes para perguntar o que estava acontecendo comigo e eu, por medo de contar a verdade e por ainda não estar preparada para conta-la, disse que eu estava apenas atolada nos estudos e trabalhos do colégio.

O que era meio verdade, já que agora eu tinha deixado de ser a garota desleixada para ser uma garotinha mais esforçada e com novos objetivos.

~*~

— Parabéns, Docinho. – Mamãe me puxou para um abraço apertado assim que coloquei meus pés dentro da cozinha na manhã seguinte. Na intenção de comer algo rápido antes de ir para a aula.

— Parabéns, querida. – Meu pai se juntou a nós logo em seguida. E me abraçou também, dando-me um beijinho na testa. — Eu ainda estou tentando processar o quanto o tempo passa rápido. Ontem você era um bebê e hoje já é uma adulta.

Minha mente estava tão distante ultimamente que eu quase me esqueci que estava prestes a completar dezoito anos.

E sabe o que é pior do que esquecer o próprio aniversário? Não estar nem um pouco animada por ele.

— Vou te levar para o colégio hoje, tá?

Assim que meu pai me deixa em frente ao colégio, Fabi que já estava por ali vem correndo na minha direção e se atira nos meus braços.

Estão todos olhando para nós.

— Parabéns, velhinha.

Quando ela me solta é a vez do Christian de me cobrir de afeto.

Tento parecer feliz e agradeço o carinho.

Quando entro na sala de aula minutos depois, dou de cara com algo esperando por mim sobre a mesa onde eu costumo me sentar.

Olhos para os lados intrigada e não vejo nada de suspeito. Ali só estão meus colegas de classe conversando sobre assuntos paralelos até começar a aula.

É só mais um dia comum.

O presente é uma caixinha transparente cheia de chocolates confeitados, uma rosa e uma bilhetinho vermelho em formato de coração.

Começo a sorrir imediatamente.

Lorenzo. Só pode ter sido ele.

Mas quando abro o bilhete vem a decepção.

“Deixar você não significa que eu não sentirei a sua falta.

Parabéns pelo seu dia!

Com amor, Alex."

 Isso me desestabiliza completamente.

Não sei se choro na frente de todo igual a uma pateta ou se faço uma caridade e saio distribuindo os chocolates para todo mundo e jogo a rosa no lixo e rasgo o bilhete e ajo como se nada disso nunca tivesse acontecido.

Com que direito o Alex acha que pode me enviar mimos justamente no dia do meu aniversário acompanhado de um bilhete estupido mesmo depois de ter dado o pé na minha bunda?

Eu o odeio tanto por isso.

Eu estava tão bem até então. Ainda não cem por centro recuperada. Mas já estava me conformando com o fim da nossa história. Já não pensava mais tanto assim nele e nem chorava ou me lamentava. Estava levando a vida numa boa como se fosse a pessoa mais forte do mundo e aí vem ele e destrói tudo em questão de segundos.

Ele destrói cada pedacinho que eu tinha reerguido com tanto esforço.

Me sinto péssima pelo resto do dia. Mais do que achei que fosse capaz de me sentir. Por mais que meus amigos tentassem me animar, não funcionava.

Eu só sabia fingir muito bem.

Guardei o presente do Alex na mochila, ainda sem saber o que fazer com ele.

— Vocês não precisam me levar até em casa. – Eu disse já a caminho de casa. — Eu não vou fazer uma grande loucura como me jogar de uma ponte ou coisa do tipo.

— Não dá para confiar em você. – Brincou o Chris com um sorriso.

Quando chego em casa vem a surpresa.

Preparam uma festinha para mim: mamãe, papai, Fabi, Chris e Lorenzo são todos cumplices. Eles me engaram direitinho! Eu nem desconfiei de nada a manhã inteira.

Como se minha mãe fosse deixar um dia assim passar batido.

A festinha foi simples e intima, mas foi muito boa. Serviu ao menos para me distrair e mostrar o quanto eu era significativa na vida daquelas pessoas que estavam ao meu lado em todos os momentos. E eu comi bastante! Doces, salgados. Dei risada, relembrei os velhos tempos, e mostrei minhas poucas fotos de quando pequena.

Fabi me deu de presente um vestidinho escuro que segundo ela era a minha cara apesar de ela saber que eu não sou muito fã desse tipo de coisa. Chris me deu um All Star novo. Mais um para a minha coleção. Ele acertou em cheio! Mamãe me deu um colarzinho delicado com a palavra AMOR. E papai me deu um box da série Grey’s Anatomy.

Eu amei tudo.

— Tenho duas coisas para você. – Sussurrou Lorenzo no meu ouvido.

Era primeira em vez em dias que estávamos nos encontrando e agora na minha casa, onde até então ele nunca tinha entrado e com a presença dos meus pais!

Lorenzo foi no carro e pegou dois embrulhos.

— Abra esse primeiro. – Ele me entregou o embrulho menor.

Nós estávamos ali fora, parados em frente à minha porta, enquanto os outros terminavam de curtir a festinha lá dentro.

Dentro do embrulho havia um álbum preto em relevo de capa dura e dentro do álbum estavam as minhas fotos. Aquelas que ele tirou em seu quarto naquele dia.

Eu nunca tinha feito um ensaio fotográfico antes. Nem um book de fotos nem nada do tipo. Mas aquilo ali em minhas mãos pareciam algo realmente profissional.

— Gostou? – Perguntou ele, animado.

— É lindo!

— Abra esse agora. – Ele me entregou o embrulho maior.

Ao abrir eu quase caí para trás.

— Não acredito!

Era uma câmera fotográfica novinha em folha e igualzinha a que ele tinha e comprou na Europa e que parecia custar a minha casa inteira mais o carro do papai.

— Eu não posso aceitar isso, Lorenzo.

— Você pode sim. E você vai aceitar. Afinal, é o meu presente para você.

Eu estava me sentindo como uma garotinha que acaba de ganhar uma bicicleta diretamente das mãos do Papai do Noel depois de ter se comportado bem o ano inteiro.

— Obrigada! Obrigada! Obrigada!

Lhe dei um abraço e vários beijinhos pelo rosto.

Fiz questão de exibir meu novo bebê a todo mundo.

Ficaram todos tão impressionados quanto eu na hora em que ganhei.

— Foi muito legal da parte desse garoto te dar um presentão desses. – Comentou a minha mãe mais tarde, quando eu a ajudava a limpar as coisas.

Já era noite e todos tinham ido embora.

— Ele é um amor. – Eu só conseguia sorrir desde então.

— Você parece gostar muito dele. E ele de você.

Minha mãe estava me olhando como se... Como se... Ah, não. Não posso admitir que ela dê uma de Fabi agora. Estou farta disso! As pessoas precisam parar de me encher o saco com isso. Somos amigos. Não preciso provar nada para ninguém. Somos só bons amigos.

— Mãe. Não. Para. Por favor.

— Mas eu nem disse nada!

— Mas eu sei exatamente o que você está pensando.

Penso seriamente em largar o pano de prato ali e subir para o meu quarto e fugir dessa conversa.

— Eu não ia dizer nada. Bom, na verdade eu só ia dizer uma coisa. Só uma coisa. – Ela prometeu com um gesto. — Eu e seu pai sempre gostamos do Alex. E você ainda mais. Você parece ter superado essa história, então a gente achou que estava na hora da gente superar também. E quer saber? Nós superamos. Depois de conhecer o Lorenzo hoje nós compreendemos e vimos que você merece o melhor. E se ele é o melhor para você agora então achamos que você deve ficar com ele e se dar essa chance.

— É só isso? – Pergunto, agora com um sorriso.

— Por enquanto, sim. – Ela sorri de volta.

Terminamos de limpar tudo por ali caladas.

No meu quarto fico pensando no que a mamãe disse e acho fofo essa preocupação que ela tem comigo. Não só ela como meu pai também. Mas também acho esquisito que eles sintam que de alguma forma eles decidem as coisas por mim. Com quem eu devo ou não ficar. Ou o que certo e errado.

Eu sei que é só preocupação. Algo natural deles. Mas não deixa de ser bem esquisito e até mesmo preocupante. Porque isso não tem nada a ver com eles afinal de contas. Tem a ver comigo. Com o que eu quero. Com o que eu sinto. Com o que eu decido para mim. O que eu acho melhor e certo.

E o que eu quero agora é ser feliz, viver tranquila e ficar bem.

Sem o Alex ou com o Lorenzo.

Antes de dormir, passo um tempo mexendo nas configurações da minha nova câmera fotográfica ao mesmo tempo em que converso com o Lorenzo pelo Skype e ele me ensina tudo que eu preciso saber sobre ela. Mais tarde, abro minha mochila e tiro lá de dentro as coisinhas que o Alex me deixou hoje mais cedo na sala de aula.

Resolvo guardar o bilhete e a rosa. Com um lembrete de que, apesar de tudo, ele significou muito para mim e sempre será uma parte da minha história e de quem eu sou. Mas guardo tudo isso num lugar bem fundo e distante, onde eu não possa ver o tempo todo. Junto de todas as fotos que eu tinha dele e nossas nas minhas paredes.

Por fim, como todos os chocolates. Um atrás do outro. Sem parar.

E durmo com um sorriso no rosto por pensar que nem sempre está tudo perdido como eu acho que as coisas estão. Há sempre uma pequena esperança, dentro de um pequeno detalhe. E que na maioria das vezes, não são as complicações que bagunçam a nossa vida. Somos nós que criamos as complicações e permitimos que elas baguncem tudo.

Coisa que eu, Luciana, a partir de hoje não vou permitir mais.


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