Paixões Gregas - Opostos(Em Degustação) escrita por moni


Capítulo 4
Capítulo 4


Notas iniciais do capítulo

Oiiieeeeeeeeee
GABI!!! Te adoro. Você é linda. Obrigada pela recomendação. A PRIMEIRA!!!! Nem sei como te agradeço. Depois de todo esse tempo acho que já sabe o quanto eu gosto de você. OBRIGADA AMIGAAAAAAAA



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Pov – Tyler

   Agora ela arrumou um jeito de passar as tardes aqui? Minha avó é mesmo muito inocente. Não imagina a confusão que vamos ter se algo acontecer a essa garota andando entre nós.

   Me lembro que quando a filha de um deles foi sequestrada, todo mundo ficou assustado, felizmente deu tudo certo. As gangues todas estariam em maus lençóis não fosse isso.

   Imagina se algum desavisado acha que pode brincar com a riquinha loira? As duas se sentam, a mesa é pequena, dois lugares, Dulce está um pouco deslocada com minha presença. July distraída com Bárbara no colo.

   Não posso negar que minha irmã gosta dela, adora brincar com seus cabelos e fica sempre sorridente em seus braços. Acho que um pouco é culpa minha e da minha avó, não somos muito alegres, não brincamos muito com ela.

   Vou para o quarto com Vó Manoela para não ter que ficar olhando para ela. Suspiro me sentando na beira da cama. Vovó está distraída assistindo a sua novela, ela ama os canais mexicanos. Mesmo todos esses anos aqui ainda mantem boa parte de seus antigos costumes.

   Penso no dia que avisei a Josh Stefanos sobre o galpão onde a garota estava, será que ele se lembra? Foi uma frase e sumi. Tive que ser bem corajoso, ninguém queria falar nada, mas sei o que aconteceu com minha mãe e não queria mais nenhuma moça passando por aquilo.

   Entre cochilos minha avó passa quase duas horas sentada ali. Depois desperta quando a novela acaba. Me olha interessada.

   ─Conseguiu a vaga Tyler. – Claro que não, foi tolice achar que Juan não cumpriria sua promessa de me impedir de trabalhar.

   ─Não vovó. Juan espalhou sua ordem. Ninguém me aceitou. Pensei em tentar Nova Jersey, acho que é longe o bastante.

   ─Me leva até ele? Aquele homem não pode te obrigar a servir aos seus interesses assim. – Eu me aproximo, não quero que July escute. Odeio ter essa menina aqui dentro da minha casa me tirando a liberdade de xingar em paz.

   ─Vó, a senhora não tem condições. Eu dou um jeito. Alguém vai ter coragem de me dar um trabalho e vou poder cuidar da senhora e da Bárbara. Se não conseguir. Então que se dane. Faço o que Juan quer. No fim todo mundo acaba sempre nas mãos deles.

   ─Não quero meu neto enfiado com esses homens. Minha cabeça está doendo.

   ─Com licença. – July surge com minha irmã adormecida no colo. – Eu... vou coloca-la na cama. – Só pelo constrangimento eu sei que nos ouviu e odeio mais uma vez tudo isso. – Ela me faz sentir pequeno.

   Ela deixa Bárbara e volta para sala. Bufo irritado. Fico de pé.

   ─Já está anoitecendo vovó. Vai ficar bem aqui?

   ─Onde vai Tyler?

   ─Sinto muito por tudo isso vovó. – Ela foi todo o amor que consegui receber na vida. Do jeito duro dela, tentando me impedir de cair no mesmo caminho que minha mãe. Não conseguiu muito. Queria que ela se orgulhasse, não vai ser nessa vida.

   Quando chego na sala as duas garotas tentavam resolver um exercício de matemática. July mordia a tampa da caneta pensativa.

   ─Não consigo me lembrar isso. Queria seu um gênio que nem meu irmão.  – Me aproximo. Não resisto a números. Olho para a equação simples. Dulce me ajuda tanto cuidando de Bárbara.

   ─Posso? – Pergunto a Dulce apontando o caderno, as duas trocam um olhar e July me entrega a caneta toda mordida. – É uma equação diferencial. Deixa eu te mostrar. – Vou resolvendo o exercício e mostrando a ela como se faz, quando termino as duas me olham surpresas. Não devia me ofender, mas os olhos surpresos de July me surpreendem sim. – Entendeu Dulce?

   ─Sim. Você explicou muito bem. Obrigada Tyler.

   ─Nunca vai ser capaz de construir um avião se não entender isso. – Ela me sorri. Acho que construir um avião não está nos seus planos.

   ─Você é bom nisso. – July me diz com cara de espanto.

   ─Acha que o cara pobre de uma gangue não pode saber resolver um simples exercício de matemática pura?

   ─Eu não disse isso. – Ela fica com um ar triste. Me sinto meio culpado. – É que acho tudo isso difícil. Não tem nada de simples.

   ─É tarde. Está escurecendo. – Ela fica de pé. Dulce começa a fechar os livros.

   ─Vou me despedir delas. – July diz caminhando para o quarto sem esperar autorização. Eu a sigo. Fico olhando da porta enquanto ela beija minha avó e Bárbara. Depois segue com sua mochila nas costas em direção a porta. Dulce a segue assim como eu. – Boa noite Tyler.

   ─Vou levar você. – Aviso. July não parece nem um pouco disposta a recusar a oferta e deixamos a casa. Tranco a porta e acompanho as duas até a casa de Dulce. Elas se despedem com um abraço e depois seguimos os dois em silencio.

   ─Eu vou para casa a pé. Então não precisa caminhar tudo isso. Pego a quinta avenida que é bem movimentada e atravesso o Central Park.

   ─Sozinha no parque? Isso é bem estúpido. Está escurecendo. Vamos pela avenida até seu prédio.

   Ela não retruca. Continuamos a caminhar. Acho que quer ir a pé só para me obrigar a caminhar com ela. Um taxi não deve ser nada para todo seu dinheiro.

   ─Desculpe te fazer andar assim. Eu estou sem dinheiro.

   ─Não estou reclamando. Isso é pela Dulce. Ela cuida da minha irmã todos os dias, não sei como seria sem... – Me calo, não quero conversar com ela sobre as minhas dificuldades.

   ─A associação aceita idosos e crianças. Pelo menos podiam passar o dia lá e sobraria mais tempo para você procurar emprego. Elas teriam médico, alimentação e atividades...

   ─Não preciso disso. – Nem posso aceitar. Não com essa droga de marca no braço que deixa claro quem eu sou. Está calor, mas uso mangas longas. Não quero mais que me vejam como um maldito membro de gangue.

   ─Quer um emprego? Acho que o meu pai...

   ─Ouvir conversa alheia é mesmo muito errado. Seu grande pai devia ter ensinado isso.

   ─Foi sem querer. Estava indo colocar a Bárbara na cama. – Ela se defende. Ajeita a mochila nas costas. Parece pesada. Não me ofereço para carregar. Não tenho porcaria de nada com isso.

   Duas quadras depois ela volta a falar.

   ─Meu pai te ajudaria.

   ─Vou dar um jeito na minha vida sem ajuda. Que merda você tem com isso?

   ─Penso na sua irmã.

   A respiração dela começa a ficar difícil e me lembro dos motivos por que ela passa o dia em casa. Essa doença que tem deve estar ficando forte.

   ─Se vai me acompanhar pode diminuir o passo? Estou cansada.

   Faço o que me pede e começo a caminhar mais lentamente. Isso é torturante. Ter essa garota bonita e cheirosa ao meu lado, ver seu rosto suave todos os dias e pensar como nunca vou chegar aos pés de um Stefanos.

   A irritação me dá vontade de sumir. Acendo um cigarro, assim que sopro a fumaça July tosse e toma distância de mim. Trago mais uma vez encarando as pessoas a minha volta. Todos apressados indo para suas casas depois de um longo dia de trabalho. Era tudo que eu queria.

   Uns metros depois July para de caminhar. Olho para ela e está pálida. Parece prestes a desmaiar, respira com dificuldade e fico um longo minuto sem entender. Ela aponta minha mão quando tento me aproximar. Atiro o cigarro longe.

   Era só ter dito. Como ia saber que ela é alérgica a fumaça? July remexe a mochila assustada, a mão dentro da mala caça algo e não encontrar a deixa de olhos arregalados. Gotas de suor surgem em sua testa enquanto ela fica brigando por mais oxigênio e eu ainda não sei o que fazer.

   ─Inalador. – Ela diz num fio de voz. Ainda desesperada na caçada pelo remédio. Tomo a mochila de suas mãos, abro mais o zíper e espalho seus pertences na calçada. As pessoas passam olhando. Agora ela está encostada num muro. Vasculho entre as coisas no chão e entrego a ela o inalador.

   July está com as mãos geladas. Pega a pequena bombinha e inala. Continua a me olhar assustada e fraca. Parece prestes a cair e eu a amparo.

   ─O que precisa? – Ela balança a cabeça negando. Depois aspira o inalador mais uma vez. A palidez vai desaparecendo enquanto a cor vai voltando assim como a respiração. Ela ainda aperta meu braço assustada.

   ─Nunca me acostumo. – Consegue dizer um minuto depois. – O papai e a mamãe ficam me acalmando. Quando estou sozinha acho que vou morrer. Desculpe.

   Me abaixo para pegar suas coisas espalhadas pelo chão e jogo tudo de volta na mochila. É um monte de coisa de menina. Maquiagem, escova de cabelo, perfume, tudo misturado a livros e canetas coloridas com desenhos de princesas e ursinhos.

   Quando me volto ela está sentada na calçada, as costas no muro. Estendo sua mochila ela abre mais uma vez, retira um espelho e sua maquiagem. A menina quase morreu e agora vai se maquiar?

   ─O que está fazendo? – Fico irritado.

   ─Eu não posso chegar pálida assim. Se não volto para o hospital. Se o papai me levar hoje de novo não vai mais me deixar ajudar a Dulce.

   ─Foi ao hospital ontem?

   ─Tive que ir. Agora chego assim e ele vai me obrigar a voltar. Não posso deixar de ajudar a Dulce, ela vai ser veterinária e salvar muitos bichinhos. Se só posso ajudar assim, então é como vai ser. Só sei disso.

   July me desperta algo diferente. Não consigo explicar. Olhando agora para ela sentada numa calçada suja com seu jeans caro retocando a maquiagem e falando em salvar animais ela parece tão ambígua. É tudo o tempo todo.

   Depois de fechar a mochila ela fica de pé. Ergue a mochila e tiro de sua mão sem muita vontade. Não quero que ela pense que sou gentil, mas a menina estava morrendo há pouco. O melhor é eu carregar.

   ─Isso que tem. Asma? – Ela balança a cabeça. – Não tem cura?

   ─Não. Eu vivo muito bem. É só ficar longe de fumaça, pelos, umidade, poeira. Essas coisas.

   É uma lista enorme de coisas, deve ser difícil, fico pensando o que vai fazer na casa de Dulce se não pode ficar perto de pelos. É só o que tem lá com todos aqueles cachorros e gatos.

   Vamos caminhando em silencio, eu tento conter meus passos largos para ela não ter que correr. Aos poucos ela vai ficando ainda melhor e quando estamos perto de sua casa a respiração já está normal.

   ─Não precisa ir encontrar esse cara. Pode se livrar deles. Meu pai...

   ─Olha você pode ir a minha casa estudar com sua amiga. Brincar com a minha irmã e fazer companhia a minha avó, mas não somos amigos, não quero você por perto e não me importo com sua opinião. Então me deixa fazer o que quiser com a minha vida.

   ─Eles acabam todos presos ou mortos. – Ela para de andar mais uma vez e fica me olhando. – É inteligente, pode ir mais longe.

   ─Você não sabe de nada mimadinha. Nem imagina. Eu não ligo a mínima, não me importo. – É mentira. Claro que me importo, que sonho ou sonhava. Acontece que sei bem do que me espera e não aguento mais relutar.

   ─Como vai criar sua irmã?

   ─Criar Bárbara? – Ando de um lado para outro na frente dela, os dois parados a um quarteirão de sua casa. – Garota esse seu mundo colorido é ficção. Como acha que vou fazer isso? Eu sei o fim dessa história. – Decido deixa-la ali e ir embora.

   Dou as costas e July segura meu braço me impedindo de continuar caminhando.

   ─Espera. – Olho para ela. Os dois ali, se encarando no meio da rua. Ela com a mão em meu braço e eu sentindo uma energia estranha nos rodear e me alertar para correr para longe enquanto é tempo.

   ─O que quer menina? – Minha voz sai muito mais dura do que realmente queria. Ela me provoca isso.

   ─Eu... minha mochila. – Sua voz sai fraca e assustada, só quando ela toca no assunto é que sinto o peso de sua mochila em minhas costas. Retiro entregando a ela. – Obrigada pelo cuidado comigo. Desculpe te fazer caminhar tanto.

   Fico mudo, não sei bem como continuar, não quero brigar com ela, nem ser legal, só quero que ela saia da minha vida antes que eu faça uma tolice como beija-la. Porque pensei isso?

   ─Melhor você ir logo. – Olho em direção ao elegante edifício em que os Stefanos vivem como os reis da cidade.

   Começo a caminhar de volta. Sozinho faço o percurso em metade do tempo. Paro em uma farmácia. Me lembro do ataque da menina em busca de seu inalador e penso que se ela estivesse sem aquilo seria bem assustador. Vou deixar um em minha casa já que ela não parece disposta a parar de frequentar meu claustrofóbico apartamento.

   Compro um inalador e enfio no bolso, me sinto bem idiota fazendo isso. Ela não precisa saber que fiz. Pode ficar pensando que apenas tinha um lá por acaso.

   Miguel cruza meu caminho quando me aproximo de casa. Esses merdas não vão me deixar em paz. Ele me aperta a mão. Tem um riso fácil, parece estar feliz.

   ─Estava te caçando. – Diz ele me dando um tapa no ombro. – Vamos. Está todo mundo se reunindo.

   ─Depois eu passo, agora vou...

   ─Para de achar que tem liberdade. Isso irrita. Vem logo. Juan chamou. Não fica assustadinho não. Só vamos beber um pouco, é só diversão. Ele quer que se misture com o pessoal.

   Caminho pelas ruas agora escurar e mais calmas ao lado de Miguel com um frio na barriga. Não tem nada que a polícia goste mais do que de parar mexicanos nas ruas. E Miguel não esconde sua descendência. Está na aparência e no modo como se veste.

   A casa velha de esquina tem três carros estacionados na porta, dá para ouvir a música alta antes mesmo de avistá-la. Ninguém se atreveria a reclamar do barulho. Juan sabe disso.

   Quando entro estão bebendo, dançando com garotas do bairro, se drogando, tem de tudo, basta se servir. É assim que ele seduz todos os seus homens, com a ilusão de uma vida de luxo com tudo que importa.

   Eu me misturo a todos, um cara me oferece uma garrafa de cerveja, aceito me encostando em uma parede, dou uns goles na cerveja que desce gelada, estão tão distraídos que posso sair sem ser percebido muito em breve.

   Aisha se aproxima de mim. Os cabelos escuros escorrendo pelo rosto e descendo até quase a cintura. Usa um vestido colado ao corpo e saltos que a deixam da minha altura. Assim que para ao meu lado sinto o perfume doce e forte.

   Uma hora com ela e seria necessário um analgésico. Ela pega a cerveja da minha mão, dá um longo gole fazendo charme. Quando me devolve faz um olhar sensual, não me agrada muito.

   ─Que acha de algo mais forte? – Ela passa um braço por meu pescoço, se aproxima mais. – Uma vodka bem gelada. Ou podemos ir um pouco mais fundo.

   Sua mão entra por dentro da manga da minha blusa. Ela tenta subir a manga.

   ─Aisha.

   ─Só quero ver como ficou a tatuagem. Fiquei sabendo.

   ─Igual a qualquer outra. Sabe disso.

   ─Duvido. Em você deve ter ficado sexy. – Seus lábios vêm ao meu pescoço, sinto sua língua tocar minha pele. Eu a afasto com alguma gentileza. – Qual é Tyler? Eu sei do que gosta.

   ─Aisha eu estou de saída. Outro dia.

   Juan surge na nossa frente no momento em que tento me afastar dela.

   ─Vê como é bom estar do meu lado? – Ele me entrega um copo com uísque. – Divirta-se garoto. É por minha conta. Estou te dando uns dias para se acalmar. Depois tem um servicinho para você. Pega esse celular. Assim posso chamar quando precisar.

   Aceito com vontade de acertar um soco em seu rosto idiota. Me contenho. Juan mal se mantem de pé, não é hora para tentar me esquivar dele. Puxo Aisha para mim e a beijo, é um jeito de me livrar dele, escuto seu riso sumir em meio as pessoas e então me afasto.

   ─Vamos subir? – Ela olha em direção a escada.

   ─Tenho algo para fazer Aisha. Hoje não vai rolar. – Solto a garota e caminho por entre as pessoas e sumo pelos fundos, pego a rua de trás, passo por alguns quintais e logo estou em casa.

   Minha avó dorme, Bárbara também. Me jogo no sofá com a mente confusa. Acho que foi a primeira vez que recusei Aisha. Não consegui suportar seu perfume, seu olhar languido, seu jeito atirado.

   Fiquei o tempo todo fazendo comparações, essa é a verdade, eu pensei em July. Uma droga de pensamento que me tirou todo o desejo por Aisha ou qualquer garota. Aquilo é muito irritante.

   Penso se está bem, se melhorou daquela coisa de asma. Toco o bolso em busca do inalador.

   ─Tyler você vai se meter na maior de todas as confusões da sua vida se não ficar longe. – Digo em voz alta para quem sabe assim eu entender. – Foda-se!

   Quando não estou numa confusão? O que pode ser pior do que ser obrigado a trabalhar para Juan?

   Vó Manoela acorda um tanto pálida. Tem dias que não se sente bem, a idade avançada lhe tira as forças. Pretendia sair cedo para tentar emprego em Nova Jersey, não posso deixa-la doente.

   Troco a fralda de Bárbara, faço sua mamadeira e alimento minha pequena irmã que assim como minha avó parece pouco animada. Ela choraminga em meus braços a manhã toda. Não quer brincar, não come direito e parece abatida e febril.

   ─Está bem vó? – Pergunto depois de esquentar a sopa que July deixou e oferecer as duas. Elas comem pouco.

   ─Nem te vi chegar Tyler. Você está igual sua mãe. Enfiado com gente que não presta. Me deixando aqui sozinha com um bebê. Não tenho mais idade para criar sua irmã. Se acabar morto ou preso sabe o que vai acontecer com ela.

   ─Fui levar sua amiguinha! – Começo de modo brusco, depois me acalmo um pouco, respiro fundo. – Estou tentando me livrar dele. Não pense que não estou.

   ─Suas roupas no cesto cheirando a bebida e cigarro? Estou vendo o quanto tenta.

   Desvio meus olhos. Me entorpecer é sempre um jeito de não sentir o mundo me engolindo, mas ela não entende. Ela nunca vai entender.

   ─Tyler eu te amo. – Volto a olhar para ela enquanto balanço minha irmã de modo mecânico. – Amo essa pequena. Não tenho mais muito tempo, mal saio desse quarto. Prometa que vai me dar uma chance. Que vai fazer o melhor para ela quando eu partir.

   ─Ainda falta muito tempo.

   ─Pode fazer isso? Não ser egoísta como sempre, nem orgulhoso a ponto de fazê-la sofrer. Orgulho não torna você mais forte, apenas mais sozinho.

   ─Vó! As coisas não estão fáceis, precisa mesmo desse drama? – Reclamo enquanto continuo a balançar a menina. Bárbara chora e se contorce nos meus braços. Não aguento toda essa pressão. Não temos dinheiro guardado para mais do que umas duas semanas de aluguel e comida.

   Devo dinheiro a Juan. Não consigo emprego. Como posso ter as duas doentes e minha avó me pressionando? Sinto que a qualquer momento eu saio do eixo. Tudo que queria era um pouco de paz.

   ─O que eu faço vovó? Ela não quer se acalmar. – Olho para Bárbara. – Ei lindinha. Não chora!

   ─Deve ser algum mal-estar. Talvez os dentes, ou quem sabe uma virose. Criança tem muito essas coisas.

   Isso não me ajuda em nada. Ainda não sei o que ela tem. Depois de muito relutar ela acaba adormecendo. Aproveito para arrumar um pouco a bagunça e abrir janelas. Não quero admitir que estou pensando na coisa da asma.

   Não entendo o que leva aquela garota bonita, rica e cheia de vantagens a se enfiar nesse buraco escuro todas as tardes. Bárbara começa a chorar na cama. Minha avó me grita cansada demais para ir vê-la. Eu ergo minha irmã. Ela ainda parece febril, troco mais uma fralda, dou outra mamadeira que ela recusa e quando começo a ficar meio desesperado escuto uma leve batida na porta.

   July está sozinha quando abro. Me dá um sorriso franco, parece nem se lembrar dos momentos de tensão que passamos ontem. O sorriso some quando ela percebe Bárbara chorando angustiada.

   ─Dulce não vem hoje. O que ela tem? – Ela pega minha irmã. Se Dulce não vem por que está aqui? Não devia voltar para sua vida perfeita?

   ─Não sei. Está com febre eu acho, realmente não sei, não comeu quase nada, recusou a mamadeira.

   ─Melhor leva-la para ver um médico. – Ela diz acalmando Bárbara.

   ─Vó Manoela não está bem e não posso deixa-la sozinha aqui.

   ─As duas doentes? – July parece sinceramente preocupada quando caminha para o quarto, ela se senta na beira cama com Bárbara nos braços. – O que a senhora tem dona Manoela?

   ─Velhice querida. Não se preocupe comigo.

   ─Eu preparei um bolo. Na verdade foi minha tia Sophia. Ela cozinha muito bem. Peguei na casa dela depois da aula e trouxe para senhora. Quer uma fatia?

   ─Mais tarde. Acho que só vou me deitar um pouquinho.

   July me olha, fica um momento pensativa, depois me entrega Barbara.

   ─Vou pedir ajuda a um médico. Ele é pediatra e amigo do meu irmão.

   Ela pega o celular. Fico andando com Bárbara nos braços, não sei direito se é boa ideia, mas penso em minha avó falando de orgulho e decido aceitar ajuda. Doença é coisa séria.

   ─Chad. Preciso de ajuda, um bebê doente. Pode me ajudar? – Ela anda de um lado para outro. – No Harlem. Tem como anotar? – Ela passa meu endereço, depois desliga agradecendo. – Ele está vindo.

   Ela pega minha irmãzinha de volta. Amo essa criança, só não sei direito como cuidar dela, mas faço qualquer coisa por ela. Até a humilhação de aceitar ajuda de estranhos.

   Não demora dez minutos e alguém bate à porta. July abre como se fosse a casa dela. Um homem jovem com um estetoscópio no pescoço e uma maleta sorri para ela. Beija sua testa carinhoso.

   ─Oi pequena. – Ele logo pega Bárbara. – Vamos ver essa bonequinha. O que perceberam? – Ele pergunta me acenando enquanto deita a pequena no sofá e começa a despi-la. July me olha como um incentivo.

   ─Não está se alimentando, está chorando e teve febre. Minha avó não está bem também.

   ─Isso pode ser alguma infecção, ou uma virose. – Ele investiga o corpo dela, ouvidos, garganta, barriga. Escuta o coração e os pulmões. Mede a febre.

   ─Estado febril. Os dentes estão nascendo, mas pode ser alguma virose. Vou receitar um remédio para febre e esperamos mais uns dias. Também vou retirar sangue e levar para um hemograma completo. Depois do resultado volto para dar um diagnóstico mais exato.

   Ele retira o sangue com ela chorando sem parar. Me deixa angustiado. Depois enquanto July vai arrumando a pequena ele decide dar uma olhada em minha avó. Repete o procedimento de exame e tirar sangue.

   Tira da maleta um vidro de remédio enquanto guarda as amostras de sangue. Me estende o remédio e anota instruções em um receituário.

   ─Dê as duas se tiverem febre. Assim que o exame ficar pronto eu aviso. – Ele me estende um cartão. – Se a febre persistir me liga, dia ou noite, não importa, basta ligar.

   ─Obrigado. – Pego o cartão sem muito ânimo.

   ─Me liga se precisar pequena. – Ele beija o topo da cabeça de July, não parece estranhar vê-la num lugar como a minha casa. – Amanhã te vejo na associação? Não tem ido muito lá esses dias.

   ─Amanhã sim. Estou indo menos agora.

   O rapaz aperta minha mão e abro a porta para ele. Quando fecho July ninava minha irmã agora medicada. Ela adormece um momento depois e July a coloca na cama. Minha avó também dormia.

   Ela vem ao meu encontro na sala, eu olho para o nada pensando no que faço com a vida.

   ─Tyler...

   ─Obrigado. – Digo antes de qualquer coisa, é dolorido ter que agradecer. – Você veio... Não precisava. Ajudou.

   ─Me sinto bem quando faço isso.

   ─Esse médico, ele é seu amigo?

   ─Sim. Amigo do meu irmão principalmente. Ele é ótimo e ajuda na associação também. Como todo mundo lá de casa ajuda. Até meu irmãozinho.

   ─Ele pareceu não achar estranho estar aqui.

   ─Por que não é estranho.

   ─Já viajou o mundo todo, sua casa deve ser bem diferente, seus amigos, sua escola, esse não é seu mundo.

   ─Você não devia tirar sempre conclusões apressadas. Parece um pouco com os irmãos Stefanos. – Ela sorri. – Sempre tirando conclusões apressadas. Deduzindo coisas. Não me conhece Tyler. Não devia pensar em pessoas por sua conta bancária. Isso é limitado.

   ─Eu limitado? E você que acha que pode me salvar, como se fosse muito especial.

   Ela pisca num pequeno susto, estávamos indo bem e dou um leve ataque. July fica de pé. Segue até sua mochila.

   ─Eu vou indo. – A voz parece triste. Me levanto também. Ela anota qualquer coisa em um pedaço de papel antes de colocar a mochila nas costas. – Esse é meu celular caso sua avó ou a Bárbara precisem de ajuda.

   Quando toca a maçaneta sinto que não quero que vá embora. Me dou conta que sua presença me acalma.

   ─Não queria entrar para uma gangue. Estou sendo... Não tenho escolha. Não sei como ajudar minha avó e minha irmã se não fizer o que Juan quer.

   Ela solta a maçaneta. Se volta para me olhar.

   ─Sou adotada. Eu e meu irmão mais velho. Josh. Eu estava num abrigo quando meus pais me encontraram. Minha mãe e meu pai por coincidência também viveram nesse abrigo.

   Fico sem entender o que ela diz, Nick Stefanos? Ele é famoso e rico, ainda jovem, como pode ter ficado rico? Como pode ser tão importante?

   ─Já vi sua mãe, você parece muito com ela.

   ─Eu sei. Coisa do destino. Tyler as coisas podem mudar. Só precisa ser forte e dizer não a essa gangue.

   ─É muito sonhadora. – Ela não vai nunca entender. Dizer não é acabar numa vala.

   ─Pode ser. Meus pais me deram asas para sonhar. Eu sei que vai dizer que é fácil por que sou rica. Não sei por que acha isso um defeito.

   ─Não acho. Só acho que somos diferentes demais. Não dá para sermos amigos, para ficar vindo aqui. E se um dia alguém da gangue bate na minha porta? Se seu pai descobre que frequenta essa casa?

   ─Ele sabe que venho aqui estudar com a Dulce, sabe o que aconteceu com sua mãe, sabe quem é você.

   ─Raul me obrigou a ir falar com ele uma vez. Seu pai achou que eu queria continuar frequentando a associação. Não dava mais. Minha mãe estava se matando com drogas, eu estava trabalhando de entregador. Depois ela morreu e fiquei... Tive que deixar tudo para trás.

   ─Isso é só uma tatuagem. – Ela aponta o meu braço. – Não precisa ser seu futuro.

   ─Melhor você ir. Já vai anoitecer e não posso te acompanhar hoje. Nem devia ter vindo.

   ─Eu sei que não sou bem-vinda. São mais umas semanas. Depois Dulce se recupera e não venho mais. – July abre a porta. Eu a alcanço, seguro seu braço. Ficamos nos olhando. Sinto meu coração bater forte.

   ─Está bem? A sua asma. Está bem para andar por aí sozinha?

   ─Vou pegar um taxi.

   ─Aquela coisa que aspira está com você?

   ─Sim.

   ─Obrigado por ajudar. – Ela sorri. Nossa é quase um soco no estômago de tão bonita. Os olhos brilham junto com o sorriso, parece um anjo. Um anjo perdido no meio do inferno.

   ─Venho amanhã. Pode me ligar a noite para dizer se estão bem? – Ela olha em direção a porta do quarto.

   ─Eu? – Ligar para ela? Não. Acho que não vai ser nada bom. – Ligo sim.

   July desce as escadas e quando não escuto nem mesmo seus passos eu entro fechando a porta. Pego o papel com o número do seu telefone. Ela é legal. No fundo eu sempre soube disso. Não sei ser muito educado, mas talvez eu não precise ser tão grosso.

   Vou até o quarto, as duas ainda dormindo agora sem febre. Pego um cigarro e deixo a casa, me sento nos degraus ao ar livre e acendo o cigarro. Solto a fumaça e penso que se July estivesse aqui eu não poderia fumar.

   Não vai ter como largar Juan. Não vou nunca conseguir fugir dele. Pensar em July é a maior burrice de todas. Quando fizer o primeiro serviço sujo para ele vou ter que manda-la embora para sempre. O melhor é manter distância e não pensar nem mesmo numa amizade.

   ─Acha que consegue isso Tyler Bowen? Nem consegue parar de pensar nela. – Eu devia tentar. Já tentei na verdade, mas a garota é teimosa.


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Notas finais do capítulo

BEIJOSSSSSSSSSSSSSSSSSSS
OBRIGADA!!!!!!!!