Velho Feliz Ano Novo. escrita por brielli


Capítulo 1
[Velho] Feliz Ano Novo.


Notas iniciais do capítulo

Era pra essa one-shot ter saído antes do ano novo, mas é aquele ditado vamo faze oq.
Espero que vocês apreciem.

PS: Considerem as notas finais antes de iniciar a leitura.



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Rio de Janeiro, Copacabana – 01 de Janeiro, 2016.

00:01h

Não era necessário dizer que ele não se sentia confortável ali, aquilo não era nenhuma novidade- Mas Dante insistiu para que ele passasse a virada daquele ano maluco perto dos Stuart, agora que Romero havia oficializado o “romance” com Tóia e Atena tinha finalmente desaparecido. Exatamente, de-sa-pa-re-ci-do.

Com todas as consoantes e vogais daquela palavra, ela sumira, mais precisamente no dia 05 de novembro de 2015, eram umas dez e meia da noite quando o último vestígio de Atena, o aroma do perfume dela, se dissipara no hall de entrada da cobertura. Ele primeiro ficou ali, qualquer narina que respirasse sentiria que era o cheiro dela, mas a movimentação daquele lugar foi inexistente após ela fechar a porta do elevador, uma única lágrima caindo de seu olho.

E então, após duas horas, Romero abriu a porta do elevador e com o sopro de vento vindo de dentro da cabine, o cheiro dela foi absorvido pelas paredes, a roupa dele puxou um pouco para si mesma, e Romero sentiu a saída do perfume, aquele cheiro que fica quando todos os outros já evaporaram. E ele soube na mesma hora o que acontecera. Por isso ele praticamente urrou ao derrubar as chaves da cobertura no chão pela terceira vez, ao mesmo tempo em que batia na mesma e tocava a campainha, nenhuma das tentativas obtiveram o sucesso desejado.

E ao abrir a porta e cair de joelhos dentro do apartamento, ele teve certeza: Atena não estava mais lá.

E pela limpeza do apartamento, junto das chaves dela, cujo chaveiro todo decorado e cheio de frescuras que ela adorava ficara junto, ele sabia que ela não retornaria- Romero pensou que não fosse chorar outra vez por ela, mas se enganou ao dar-se conta de que estava enxugando as lágrimas e pressionando os olhos com as pontas dos dedos para que eles parassem de chorar.

Eles, eventualmente pararam.

00:12h

Feliz Ano Novo”- Ela sussurrou a si mesma, bêbada e agarrada ao Black Label que comprara com o que restara do que ela furtara de alguém cuja importância só era menos importante que essa virada de ano. Nada seria novo, e ao mesmo tempo nada seria igual dali pra frente.

Atena estava sozinha, outra vez- Rodeada de pelo menos um milhão de pessoas, as mais próximas dela eram celebridades e pessoas cheias de dinheiro, naquela tenda gigantesca em Copacabana. Ela fingia sorrir e se importar com os novos modelos Bentley que seu novo alvo havia comprado para ambos, fingia olhar para os fogos de artifício que há dois minutos pararam de deixá-la zonza e foto-fóbica.

Enzo não merecia o golpe que ela lhe daria, ele era uma boa pessoa- E esse era o golpe mais longo e bem armado da vida dela: Mudar. Tudo. Completamente. A meta ali era ser literalmente outra pessoa, ela não falava mais do mesmo jeito, não sorria como antes e, por favor, dirijam-se à ela como Francesca.

Fran’ches’ca, do italiano mesmo.

Foi lá inclusive, em Siena, que Atena (não consigo chamá-la de Francesca) colocou os olhos em Enzo pela primeira vez, numa tarde quentinha e amena do finalzinho de Novembro, agoniada por seus últimos euros estarem chegando ao fim, ela viu nele a oportunidade de uma vida. Ele era apenas alguns centímetros maior que ela, os olhos verdes e grandes, a barba falhada e por fazer, os cabelos mesclados em tons de cinza e castanho-escuro.

Sim, ele lembrava Romero.

Mas Enzo era um milionário em ascensão, acabara de criar um software de detecção de contas de grupos islâmicos sem ser descoberto pelos terroristas por usar um interface que se infiltrava nos drivers das contas e as usava de espelho, ou seja, nenhum hacker mediano descobriria de onde o ataque viria por medo de destruir o próprio sistema- E o vendera para os Estados Unidos e França pela singela bagatela de cinco milhões de euros (para cada nação), e agora contava com um time de experts na informática e ganhava um salário básico que pairava entre os quinhentos mil euros, mensalmente, para manter o software limpo e invisível.

A princípio, ele só era outro ricaço que ela chantagearia mais uma vez, mas na primeira noite deles, no meio do jantar, Enzo a pegou pela mão e massageou suas juntas, sorrindo para ela despretensiosamente, como se ele realmente tivesse pago cinco mil euros naquela reserva apenas para massageá-la as juntas dos dedos.

Voi siete la cosa più bella di questo posto, Francesca₁”- Enzo disse antes de beijar seu dedo anelar, o bendito dedo da veia amoris, dizem as más línguas. Era ele, era nele que ela aplicaria o golpe mais perigoso de uma vida toda: Ela casaria com ele, no próximo mês, por vontade de ambos de que a união fosse realizada o mais rápido possível, e ela mentiria que o amava, lhe daria filhos e seria a esposa que ela sempre sonhou em ser- Apenas para outra pessoa.

00:20h

Mas, Pai- Fica aqui com a gente”- Dante insistiu para que o pai não fosse caminhar sozinho pelo Rio naquele horário, era perigoso demais, mas foi em vão, Romero mal ouvira os pedidos do filho, arrastando os pés na água gelada do mar, vários estilos musicais se misturavam a cada passo que ele dava. As mãos nos bolsos escondiam o nervoso dele de estar ali, sem ninguém. O conforto dos sons das ondas e do vento o acalentavam e por segundos que fossem, ele esquecia-se de tudo. Ele esquecia de se importar em como o velho do Ascânio estaria naquele momento, onde ela estaria, também.

A voz dela ecoava na cabeça dele, e mesmo com fortes chacoalhões, ela não saía- Ele podia sentir o cheiro dela, voando pela praia com o vento, o fazendo viver com o peso de nunca tê-la dito os motivos pelos quais ele não podia amá-la, admitir que a amava.

Que ainda a ama.

Seu celular vibrava em seu bolso, os dedos amorteceram e ele não se sentia nenhum pouco disposto a ouvir as dissertações de Tóia sobre o porquê ele a deixara sozinha num lugar cheio de pessoas que não a deixavam confortável. Ele não queria ter de voltar para a tenda dos Stuart e dissimular que estava muito feliz com tudo, brindar e abraçar a todos como se a vida dele estivesse caminhando para um novo momento.

00:25h

"vado a fare una passeggiata, tesoro₂" - Foi o que ela se permitiu falar antes de disparar em direção ao mar,olhando rapidamente para trás, encontrando um Enzo sorridente a admirando.

O Rio de Janeiro continuava lindo... E a fazia tão mal como quando ela o deixou no Aeroporto Internacional do Galeão, com seu novo nome e CPF, a 9.069,19 km de distância de Francesca. Atena não queria olhar para cima, ela caminhava a passos lentos e curtos, os dedos dos pés se enfiavam na areia úmida e ela sentia pequenas cócegas a cada pisada.

Não importava mais.

Nada mais fazia válido o sofrimento de amar, nem mesmo o amor. Nem ele próprio se fazia razão suficiente para serem anuladas todas as outras razões de um ser, daquele ser, que por sinal era ela (ainda). Era ela, Francineide, quem ainda sofria com todo aquele peso de amar.

Como ela pôde ser tão burra assim!? As vezes ela se pegava mexendo nos cabelos longamente morenos (pois é, vida nova, cabelo novo) e se perguntando em um tom imaginativo de seriedade e repreensão- “Por. Quê?

A resposta era sempre um silêncio do físico, do psicológico e do moral- Ela nunca encontrava as respostas para aquela especifica e pequena pergunta.

Atena perdera noção de espaço, tempo e localização geográfica naquele mergulho ao subconsciente, e quando parou para olhar para trás, já não se ouviam barulhos de música agitada, nem de ninguém, ela havia literalmente caminhado até o calçadão vazio.

Sim, o calçadão da orla do Rio de Janeiro vazio.

Impossível? Quase- Talvez vazio pelo fato dela não se importar com a humilde presença daquele um bilhão de pessoas. Ou vazio por ela ter a falsa esperança de que, como mágica, ela encontrasse quem ela queria ali no meio, e pudesse mesmo que de longe, garantir que ele estaria bem.

Ela queria ter o gostinho de olhar pra ele, torcendo o pescoço quando alguém parasse e a impedisse de admirar o sorriso dele à distância- Burra, olha ela de novo.

Mas seria tão bom...

Ter a certeza.

De que ele não seria miseravelmente infeliz pro resto da vida- Ou seria...-

Esquece.

Acho que é hora de mais uma garrafa de whiskey

00:38h

Atena percebeu que de silencioso naquele lugar, só o silêncio dela- As ruas berravam músicas de tudo que fosse estilo, era axé por cima de sertanejo, que batia igualzinha aquela eletrônica daquele apartamento ridiculamente estufado de gente na varanda, e ela se obrigou a espremer os ombros, abaixar a cabeça e tentar voltar para a faixa de areia, tarefa realizada com muita dificuldade e cheia de paquerinhas bêbadas.

Romero cansara- De andar, andar e andar e estar sempre no mesmo maldito lugar. Ele caminhou na direção do nada naquela porra de praia e não chegou a lugar nenhum, e aquilo cansou. Então ele se virou e ficou parado, os braços cruzados amassando a camiseta “Mude o Mundo” dele, mas os braços pesaram e ele os deixou cair, enfiou os dedos dentro dos bolsos do jeans branco.

Foi inconsciente o fechar os olhos e sentir aquela rajada leve de vento praiano bater na cara, mas foi ridiculamente reconfortante, lembrou dela.

Do jeito meigo dela de passear as pontas dos dedos pelas bochechas dele, e ele sorriu, sozinho, igual um maluco no meio da praia- O vento bateu nos dentes e secou a boca dele, equanto a risada dela ecoava nos ouvidos...

A areia parecia ter esfriado mais desde que Atena pisou nela lá atrás, fugindo de uma possível mulher que viveu na pensão e a reconheceu- Como diabos a mulher conseguiu, ela nunca vai saber.

Atena viu os Stuart.

E a Tóia.

Subitamente o coração morreu por uns dois segundos, e foi reanimado por um trovão daqueles de deixar todo o céu claro, anunciando o apocalipse. As mãos dela suavam e ela praticamente correu ao sentir os pés e pernas começarem a derreter e se arrastar na areia carioca, os passos pareciam levar dois dias para serem dados e ela não saía do lugar.

Ela precisava sair dali, ela queria sair dali. Enzo vamos voltar agora para Itália, eu preciso sair daqui.

Mas o Enzo estava à uns 500 metros dela, dentro da tenda- Ela apertava os olhos e o via lá no fundo, parado, fazendo algo que não era definível naquele momento, mas ela precisava ir embora. Nem que fosse uma indigestão de trago, um porre mal tomado que a tivesse deixado completamente louca.

Ela não podia mais arriscar.

Era o adeus.

Apressado e obviamente inacabado, mas aquele era o seu adeus.

00:59h

“Tá bom, vamo voltar pra casa- Cans

Romero interrompeu o próprio pensamento, não podia ser-Não, não, não... Não era possível.

Ele teve que dar uma gargalhada alta ao ver aquilo- Ele todo culpado, e preocupado com o Ascânio, e o velho lá na tenda dos ricaços, vestido de branco e dourado agarrado numa biscate de quinta- Quinta não, de vigésima pra baixo.

Realmente já havia passado da hora dele ir embora dali, e do mesmo jeito que Romero veio, ele voltou- Os passos curtos e lentos, os dedos fincavam na areia e firmavam antes mesmo da planta do pé dele sentir os grânulos incomodarem.

Ele odiava areia, coisa infeliz de tirar do corpo.

É Romerinho- Bora pensar numas desculpinhas esfarrapad-

— Opa, desculpa moça –

—Desculp-

01:00h

Foi como se o tempo tivesse passado até aquele momento, e voltado pra quando ele abriu a porta do elevador e sentiu que ela havia partido.

O peito dele encheu de ar, a súbita recuperação de vida dentro dele deu enjoos, e Romero a segurou firme pelos braços por que teve a certeza de que desmaiaria ali mesmo.

Era ela.

Meu deus...Meu deus...Era-É-ra...

É ela.

Mas não era.

Não fazia sentido, mas fez naquele momento.

Ela olhava pra ele assustada, os lábios brancos e os olhos secos.

Ele parecia tão magro, a camiseta estava meio frouxa nos ombros e o jeans ficou meio folgado na cint-De todas as pessoas naquela cidade ela não acreditava que esbarraria nele.

Não assim.

Não nele, assim.

Daquele jeito.

Os dedos dela puxaram o tecido da camiseta quando ele vacilou e segurou nela, as mãos quentes dele nos braços e aquela falta de ar que deixava zonza.

Tá errado Santo Expedito, não era assim que era pra ser, de mais a mais, nem era pra realmente ser- Era aquele desejo indesejado, que a gente quer por que calcula todas as possíveis respostas da gente para o momento, por que a gente sabe que a única resposta seria nenhuma resposta.

E foi realmente assim.

Eles dois ficaram ali, parados, um apoiado no outro, os dedos da Atena emaranhados na camiseta dele, os braços dela enrolados totalmente nos dedos dele, e os corpos foram conversando naquele meio tempo, os joelhos foram ajustando os ângulos propícios e os corpos giraram de encontro, até que os dois puderam sentir a respiração do outro na pele da bochecha e do pescoço.

Ninguém queria ter parado ali, mas o problema agora era outro.

Como sair dali?

Como simplesmente deixar partir um pedaço de si, assim, sem nem dizer adeus? Como se permitir tentar esquecer de algo que se deseja tanto, de algo que se deseja olhando pra lua e pedindo por favor que me traga de volta o que era meu por direito?

Como deixar partir, talvez para todo o sempre algo que se quer por perto pelo resto da vida?

Então foi decidido, ninguém se mexia.

Os olhos olharam- Todos os singulares detalhes. As covinhas, os suspiros e os solavancos do peito nas tentativas de normalizar a respiração. Os ouvidos emudeceram todos os barulhos mundanos e só se ouviam as ondas do mar, o vento soprando e o nada.

Foi desesperador.

Aterrorizante, o que passou pela mente deles- A vontade de um pegar o outro no colo e pular no mar, sair nadando e viver numa ilha deserta no meio do nada, viver de amor e carinho, comer o que desse, quando tivesse vontade. Foi mesmo, pensar que a necessidade de se ter prevalecia entre todas as outras.

Não era mais uma questão de sim ou não, quando Atena deixou que ele inclinasse o corpo pra mais perto, que a mão dele recebeu permissão pra apoiar-se na cintura dela, quando ela tentou não sorrir tímida por - graças a deus— Estar sendo beijada por ele outra vez.

Não era questão de mais nada, além deles. Nada mais foi levado em contas, além daquela soma de um mais um igualando um zilhão.

Aquele beijo gostoso, calmo, mas nem tanto, aquelas mãos teimosas que serpenteavam e apertavam, e puxavam pra si tudo o que desse.

Que.

Saudades.

De.

Você.

Que saudades dos seus beijos por todo meu rosto de barba falhada- De quando você achava que eu não era o tipo de pessoa que ama profundamente. De todas as vezes que você sorriu olhando pra mim, nem que fosse por deboche.

Que saudades dos teus cheiros que até doíam de tão bons.

Que saudades de ouvir tua voz, nem que por um segundo você houvesse aberto a boca.

Que saudades mesmo, das suas fraquezas- Daquilo que te fazia cambalear e agir mais por medo que impulso. Saudades de beijar você assim, desse jeito...

Eles nem perceberam, mas as pessoas que passavam por eles, gritaram “Vão pra casa!”, “Chama o bombeiro que tá pegando fogo!”.

E foda-se também.

Que fodam-se os dois, e todos que queiram ser fodidos, é ano novo, tem que comemorar.

Mas eles pararam o beijo, por falta de ar, os lábios colados ainda, entreabertos e um respirava enquanto o outro soltava o ar.

Os olhos não queriam abrir, eles tremiam e tentavam quebrar aquela regra, mas eles não ousaram se abrir por dois segundos, a imagem do rosto de cada um era clara na mente, não precisava daquilo- Eles eram seus respectivos wikis.

Mas o celular do Romero tocou.

E o dela vibrou.

Era aquela velha amiga, a realidade.

Era hora de levá-la para casa, ela estava enchendo o saco.

01:01h

— Feliz Ano novo, Romero.

— Feliz ano novo-

— Francesca.

Ele sorriu, soltando ela com mãos pesadas.

— Atena.

Ninguém quis olhar para trás.

Não foi necessário, de necessário bastou o que teve. Era o necessário para que não fosse olhado para trás.

Talvez num próximo fim de ano, eles olhem- Eles voltem e admirem.

Mas nesse daqui, nesse desencontro, olhar os faria com que se apaixonassem outra vez- Mais uma vez.

Então que ficasse ali, tendo o mar como confidente- Que eles amaram, e amam.

E que o vento os traga de volta, e que os desencontre novamente.

Mas que os deixe se encontrar, antes disso.

Que eles se encontrem, e se desencontrem, prontos pra junto se perderem de vez.

De uma vez.

Pra sempre.


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Notas finais do capítulo

Pra que vocês não se percam no diálogo, seguem traduções (padrão google não aprendi italiano ainda)₁ - No Português “Você é a coisa mais bela desse lugar, Francesca”.₂- No Português “Vou dar uma volta, querido!”.



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