Gemini escrita por Gabriel Yared, Anabell Dulac


Capítulo 7
Guga - Novas Fases/Faces


Notas iniciais do capítulo

Oooooi! Boa madrugada!
Estive trabalhando intensamente nas últimas horas pra terminar esse capítulo, determinado a postá-lo o quanto antes. Senti necessidade de fazê-lo ser um pouco mais longo do que os de costumes - me vi escrevendo a última página por três páginas seguidas.
Bem, espero que gostem! ;)

Ah! e espero que comecem a gostar do Lucas também, o menino é boa gente, só é meio sei lá...



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Fios de cabelo são células mortas que são expelidas pelos poros da pele do topo das cabeças das pessoas e muitas delas têm o hábito de deixá-los se acumular, dando-lhes uma grande opção de penteados a serem feitos e assim buscam diferenciar-se umas das outras. Na condição de células mortas, o fato de meu pai estar estraçalhando meus cabelos com uma máquina de barbear deveria ser indolor. No entanto, a cada vez que a máquina vibrava por sobre uma seção do meu couro cabeludo, meu coração experimentava a agoniante sensação associada a cortes feitos por uma faca doentiamente amolada e afiada, trazendo-me lágrimas grossas aos olhos, embaçando minha visão e fazendo-me soluçar, sufocado com o ranho que me descia as narinas.

Lucas me observava da porta e por algum motivo aquele porco traidor também chorava, como se isso importasse para ele. Não importa o quanto ele chore, nada vai consertar o que ele me fez.

Após terminar seu ato de destruição, meu pai foi embora, tirando Lucas de sua frente com um empurrão, levando meu celular consigo. Mamãe foi atrás dele, mas antes disso, me olhou com reprovação. Então restamos apenas Lucas e eu. Eu sentado na cadeira, com tufos de cabelo espalhados pelos ombros, pelas roupas, jogados aos meus pés ao chão. Lucas com os olhos vermelhos me observando da porta.

— Satisfeito? — pergunto com a voz tremendo.

— Guga, eu não achei que...

— Não achou o quê? Que seria só isso? Queria que eu levasse uma surra? Ou que me expulsassem de casa? — explodo. — Assim você eles seriam apenas seus!

— Cala a boca, não é nada disso! Eu não imaginei que ele fosse reagir desse jeito, achei que só fosse conversar...

— Por que você contou? O que eu te fiz? Você sabia que eles não aceitariam de forma alguma! — grito, chorando ainda mais.

— Porque isso é errado, Guga! Ou pelo menos pra eles, isso é errado! E é melhor que eles saibam agora do que quando você estiver beijando um cara na frente deles!

— Se eu quisesse que eles soubessem, eu contaria! Você não tinha o direito, Lucas! — me levanto da cadeira e me aproximo dele. — Eu te odeio demais!

— Me perdoa, Guga... eu... — mas ele não sabe como continuar, e começa a chora freneticamente. Vem até mim e me abraça, mas não retribuo. Empurro-o para longe de mim e ele tropeça e cai no chão. Aproximo-me dele novamente e me abaixo, até nossos rostos se encontrarem no mesmo nível.

— Eu te odeio com todas as minhas forças — digo. E com o braço esquerdo, soco-o no rosto, derrubando-o para o lado. Ele permanece caído no chão enquanto eu saio do quarto em direção ao banheiro.

Entro debaixo da água do chuveiro ainda vestido, tentando livrar-me da agonia dos fios de cabelo pinicando em minha pele. Livro-me das roupas já encharcadas e as deixo no chão do box. Passo as mão pela cabeça e sinto a aspereza de lixa. Bufo de ódio. Solto um berro desumano. E choro, as lágrimas se misturando à água.

Saio do box e seco-me com uma toalha. Abandono minhas roupas onde as tirei. Fito meus olhos vermelhos e úmidos no espelho. Olho então para baixo. Minhas coxas são magras mas firmes, embora eu não as exercite muito. Tenho poucos pelos na virilha que são louros da cor dos meus cabelos. Meu abdômen não apresenta nenhum músculo desenvolvido e minhas costelas aparecem um pouco por debaixo da pele. Braços finos. Rosto raivoso e triste. E cabelo raspado, podendo ver o couro cabeludo por baixo. Graças ao meu pai e todo seu preconceito, me tornei ainda menos eu mesmo. Agora sou um maldito segundo Lucas.

Ando pelo corredor ainda nu, sem preocupação alguma em esconder minha genitália. A porta do meu quarto está escancarada, mas Lucas não se encontra mais ali. Tranco-me e sento-me na beirada da cama. Observo o quarto ao redor. À minha esquerda, está meu guarda-roupas. À frente, uma mesa de estudos com um computador e vários livros didáticos espalhados. E à direita, um criado-mudo cheio de CDs em gavetas e um aparelho de som no tampo. Levanto-me e ligo o aparelho. Começa então a tocar Tennis Court da Lorde.

Volto para a cama e me cubro com os lençóis e edredons e, como já fiz bastante hoje, chorei.

De manhã, como sempre, acordo mais cedo que todos. Sem tomar banho, me visto. Não tenho vontade ir à escola, mas estou convicto de que ficar em casa seria pior. Olho-me no espelho interno da porta do guarda-roupas e desaprovo minha imagem. Pego um gorro com focinho e orelhas de um tigre de pelúcia do fundo de uma gaveta e a ponho. Encaixo uma das alças da mochila sobre um ombro e saio de casa.

Logo após entrar pelo portão da escola, sou logo abordado por Mari, que pula sobre mim e ambos caímos ao chão.

— Onde você esteve? — grita ela. — Te mandei tantas mensagens ontem à noite!

Percebo que durante a queda, meu gorro saiu da minha cabeça e foi parar uns 20 centímetros longe de mim. Me levanto desesperadamente e o recoloco. Mas não fi rápido o suficiente.

— Guga, o que você fez? — questiona Mari, o espanto estampado no rosto e presente na voz.

— Lucas — respondo.

— O Lucas raspou sua cabeça?

— Não, ele fez pior — me aproximo dela e a abraço. Enterro meu rosto em seu ombro e me controlo para não chorar. — Lucas contou para nossos pais sobre o Gabriel — conto com esforço.

— Oh, meu Deus — exclama ela. Afagando-me as costas e dando-me beijinhos fraternais na bochecha, encontro em Mari meu porto seguro. E desabo em lágrimas mais uma vez. — Calma, calma — sussurra.

Depois de algum tempo daquele longo abraço, Mari e eu nos dirigimos para debaixo da sombra de nossa costumeira árvore. Os alunos entram na escola. A campa bate e o pátio fica silencioso e vazio.

— Me conta direito o que aconteceu — pede ela. E eu conto, nos mínimos detalhes o ocorrido. Conto sobre como Lucas descobriu, sobre como meu pai chegou ao meu quarto com a máquina de barbear e sobre o que fiz com meu irmão num acesso de fúria.

— Incrível demais — diz ela.

— Incrível? O quê?

— Como agora você e seu irmão estão realmente idênticos. Se não fosse por suas roupas, não teria sabido diferenciar.

— E isso é horrível. É como se tivessem acabado com minha própria identidade de uma vez por todas.

— Eu sei que deve doer pra caralho, mas cabelo cresce de novo, Guga... e você ainda é você.

— É. Mas ter perdido meu cabelo não é o que mais me dói. É o fato de agora saber que sou mesmo odiado, abominado, desprezado. Saber mesmo que ele sempre foi e sempre será o bebezinho, o filho de ouro deles.

— Dá um tempo pra eles, Guto. Eles...

— Dar um tempo pra eles? — explodo, elevando a voz — eu já dei quinze anos de tempo pra eles! E mesmo assim, fico na sombra do Lucas.

Mari não diz nada.

Depois de mais algum tempo sob a árvore, decidimos que é melhor que entremos e assistamos algumas aulas para não perdermos as revisões antes das provas da próxima semana. No entanto, não consigo me concentrar em nada que os professores dizem, mesmo que todo meu esforço seja aplicado nisso. Meu foco voa longe, pensando em Gabriel e no que ele estaria fazendo e pensando agora, sobre o que ele pensa se tratar minha repentina ausência. Decido que ao chegar em casa, a primeira coisa a fazer é tentar falar com ele.

Depois do que parecem ser horas excruciantes, as aulas terminam e Mari e eu seguimos nosso caminho para fora da escola, ainda sem dizer palavra um ao outro. Na metade do caminho do portão interno para o externo, sinto alguém posar a mão sobre meu ombro e me deparo comigo mesmo com um terrível inchaço no olho esquerdo.

— Lucas — digo.

— Guga — responde ele, a urgência presente na voz. — Preciso falar com você.

— Eu não quero falar com você — respondo secamente.

— Mas é importante, e tem que ser antes de chegarmos em casa.

Encaro-o, pensando no que ele pode estar tramando.

— Tchau, Guto. Preciso ir pra casa — anuncia Mari. — E tchau, Lucas.

A abraço rápida mas afetuosamente e ela nos deixa a sós.

— Vamos andando então — digo.

Assim que saímos pelo portão externo, Lucas tira algo da mochila e me entrega. Olho para o objeto e percebo que é meu celular – que agora tem um trinco atravessando a tela.

— Acho que papai jogou no chão — ele revela. — Sinto muito.

Ligo o celular e espero que ele se reinicie. Nós continuamos andando em direção a nossa casa, sem nada dizer.

— Por que você pegou isso? — questiono.

— Porque achei injusto o que papai fez. Não queria que fosse assim. Queria que vocês apenas conversassem. E que ele te dissesse o certo a fazer.

— E o que seria o certo a fazer? Deixar de gostar de quem eu gosto?

— Não. Só evitar ficar com outros caras enquanto viver na casa dos nossos pais.

— E você com certeza deixaria de pegar as minas, né? — retruco sarcasticamente.

— Bem — responde ele sem graça — eu não estou fazendo nada esquisito.

Eu paro de supetão e ele para logo depois de mim.

— E eu estou? — me aborreço.

— Ah, desculpa... não me expressei bem...

— Você pisou na bola!

— Calma, Guga!

— Você acha que estou errado? Acha que ser gay é errado?

— Bem, eu não sei o que pensar — ele diz, e posso ver que sua tristeza e confsão são verdadeiras. — Nossos pais vivem dizendo que aos olhos de deus isso tá errado.

— E eu espero que você não acredite nisso.

— Eu não sei o que pensar — repete ele.

Retomamos nossa caminhada, sem nada dizer. Meu celular termina de reiniciar e as mensagens começam a chegar. Lucas não fez nada mais que sua obrigação. Ao observá-lo andar ao meu lado, percebo que se não fosse pelo seu olho roxo, seríamos facilmente confundidos um com outro por estarmos usando o uniforme da mesma escola e calças jeans. Na verdade, se alguém que nos conhecesse bem olhasse para os nossos sapatos, saberia quem é quem por causa dos meus All Star e seus Adidas.

— E se o papai notar que o celular sumiu? — pergunto quando a questão me vem à cabeça.

— Pus meu celular no lugar do seu. Nossos celulares são do mesmo modelo, papai nem vai perceber. Quero consertar as coisas.

Não me contenho de gratidão e pulo sobre ele, abraçando-o. A princípio ele reluta – o que não é nenhuma surpresa, dado ao fato de que nunca fazemos isso –, mas retribui, afinal.

— Assim que eu resolver algumas coisas, eu te devolvo o meu pra você pôr de volta onde quer que papai esteja escondendo e você vai poder usar o seu.

— Está no guarda-roupas dele — diz ele, e percebo que ele sugere que eu talvez queira me arriscar a pegar o meu de volta escondido como ele fez. E isso me faz gargalhar. Chegamos à frente de casa e eu guardo o celular no bolso.

— Eu vou ao seu quarto hoje à noite, quero conversar — diz ele, entrando em casa.

Ao chegar ao meu quarto, trato de trancar-me, tendo em vista não ser pego usando o celular. Abro logo as mensagens do Gabriel. A última mensagem dada como lida – a mensagem que chegara justo quando papai olhara meu celular – diz “O que aconteceu? Como assim seu irmão descobriu sobre nós? Ele contou pros seus pais que você é gay?”. As outras mensagens, as ainda não lidas – talvez porque papai não conseguira desbloquear o celular – diz que ele está preocupado comigo e que me ama muito. Eu respondo com “Estou aqui, por enquanto. Eu te amo. Lucas pegou meu celular escondido e me entregou”.

Após alguns segundos, ele me respondeu.

Gabriel: Oi

Gabriel: Eu te amo também

Gabriel: Como assim o Lucas te deu o celular?

Eu:        Ele parece arrependido do que fez

Gabriel: E como você está?

Eu:        Meu pai raspou meu cabelo quase até o couro

Gabriel: O quê???

Eu:        É sério

E para concretizar o que eu disse, tiro uma selfie.

Gabriel: Nossa! Continua bonito!

Eu:        Eu não me sinto bonito

E passamos a tarde conversando, tentando decidir como seria dali para frente. Decidimos então que nos comunicaríamos pelo Facebook, uma vez que não me fora proibido o uso do computador.

A noite chega e eu só percebo porque alguém bate à minha porta e eu olho para a janela.

— Quem é? — pergunto.

— Sou eu — responde a voz que só pode ser a de Lucas.

Abro a porta para ele e após sua entra, tranco-a novamente.

— Guga, eu preciso muito te dizer uma coisa — começa ele. — Eu quis esconder, mas não tá dando. Tenho que contar pra alguém.

— Ah, você é gay também? — brinco.

— Não, não é nada disso! — ele se apressa em dizer, não percebendo meu tom de brincadeira. — É só que... bem, sabe domingo à noite?

— Sei sim, você foi dormir na casa do João...

— Luiz.

— É, na casa do Luiz. Prossiga.

— Então, eu não apenas fui pra casa do Luiz. Eu fui pro evento que papai e mamãe não me deixaram ir.

— Nada que eu já não esperasse de você. E daí?

— Bem, no evento, eu vi a Rayra se beijando...

— Quem é Rayra?

— Uma mina que eu gosto. Enfim, eu a vi beijando um cara que eu não conheço.

— É decepções acontecem.

— E fiquei com muita raiva e bebi muito, cheguei a vomitar.

— E aí, qual a lição que você tira disso?

— Não desobedecer nossos pais?

— Não exatamente. A questão é “por que você se importa com uma menina que não se importa contigo?”.

— Porque eu gosto dela.

— Ela não parece gostar de você. Deixe-a em paz, não vale a pena. Corre pra outra, mano.

— Isso nunca.

— Tanto faz — desdenho. — Enfim, era só isso?

— Era sim. Vai contar pro papai e pra mamãe?

Rio sarcasticamente.

— Não. Eu não sou um idiota infantil que nem você — entrego-lhe meu celular, já desligado. — Pode levar, já me resolvi com meu namorado.

— O que você resolveu?

— Não é da tua conta, Lucas.

Abro a porta do quarto e espero que ele saia, e assim ele o faz. Ao fechar a porta, ele me impede, pondo o pé entre ela e o batente.

— Guto?

— Que é?

— Te amo, mano.

— Tá.

Ele retira o pé e eu fecho a porta e me tranco.


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Notas finais do capítulo

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