Matthew estava nervoso com o que via. De costas para ele, Winder mexia curiosamente nos papéis amarrotados em uma prateleira. A prateleira de Matthew.

— O que tem de bom aí? - questionou o colega de quarto, absorto na vasculha mesmo após o barulho da porta se fechando. Seu tom era levemente áspero.

Winder finalmente se virou. Ergueu uma foto pequena com um sorriso torto.

— Nunca me disse que tinha um rosto tão bonitinho quando pequeno - falou.

Matthew deu passos largos e rápidos até o garoto e retirou a foto de sua mão.

— Não mexa nas minhas coisas - encarou-o por um tempo antes de se virar e voltar a prateleira, guardando a imagem.

— Ah, não fica nervosinho! - o outro riu rapidamente. - É divertido ver seu passado, com aquela carinha de anjo.

— Se quiser diversão, tem um espelho no banheiro - respondeu enquanto se jogava na cama, dobrando-se para alcançar o chão.

Esticou o braço e puxou uma mochila pequena e preta de baixo do colchão. Colocando-a no ombro, levantou-se rapidamente e passou por Winder, que olhava distraidamente para a prateleira, chegando na porta. Saiu e andou todo o corredor até o pátio lá embaixo. A luz fraca da manhã bateu em seu rosto antes da voz de seu companheiro o atingir, revivendo a raiva a pouco acalmada.

— Ok, dessa vez eu achei uma foto realmente boa - aproximou-se e esticou o braço, revelando um celular em sua mão. - Olha, até salvei no meu álbum.

Matthew parou brutalmente e o encarou antes de enxergar a tela do aparelho em sua frente. Aquele garoto só podia estar querendo ganhar uma cova. Deixando a raiva aparecer em sua face, repetiu o que falara no quarto. Winder pareceu não ligar, continuando com a provocação. Matthew deixou que todo sentimento negativo invadisse cada músculo de seu corpo e fechou as mãos, pronto para arremessá-las no aluno mais velho da Lupus. Teria o acertado se não fosse por um inspetor que passava por ali.

— Não mexa nas minhas coisas - disse antes de se afastar. Bater no inspetor tinha suas desvantagens.

Caminhou primeiramente sem rumo. As provocações de Winder tinham funcionado, deixando Matthew a ponto de esmagar qualquer um em seu trajeto, sem raciocínio claro.

Como que assistindo seu pensamento, o destino o provocou também. Uma garota o assistia com olhar misterioso ali perto, sentada em um banco de pedra. Queria pegar a carta que segurava, amassá-la e tampar, com ela, o par de olhos claros que o fitava. Infelizmente, precisava passar por ela se quisesse chegar rápido ao local das quadras esportivas. Irritado com mais uma pessoa o encarando, soltou uma reclamação, não se importando com a violência em suas palavras. Para sua surpresa, a aluna revidou calmamente. Estava acostumado a lidar com os alunos pouco educados da Lupus.

Provavelmente era uma novata Over.

Bufou e continuou andando, tentando pensar somente em chegar à quadra e detonar todos os seus adversários no basquete.

(...)

Era sábado de tarde e um dos campos utilizados para as aulas extras estava parcialmente cheio. Com a chegada dos Over, o local ficara mais movimentado - principalmente  depois do sucesso da primeira simulação. Parte dos alunos do antigo internato estava animada para participar, buscando, nos finais de semana, o campo para treinar e sentir um pouco do gostinho das aulas extras.

Sky estava no meio deles, ensinando a alguns dos novatos alegres a como fazer uma armadilha para coelhos com cipó e folhas grandes.

— É quase isso? - uma garota, aparentemente de quatorze anos, questionava ao terminar de entrelaçar uma mini cesta.

— Isso - respondeu Sky naturalmente. Não que se oferecesse a ensinar, mas aqueles garotos  estavam ávidos para aprender qualquer coisa que pudessem usar durante as simulações.

Pessoas passavam de um lado para o outro carregando coisas como cordas, lanternas, ganchos e até mesmo balões. Todo o material disponível para os treinamentos de sábado e domingo eram dados, gratuitamente, pela coordenação do reformatório - Sky pensava que colaboradores faziam parte disso.

Enquanto se levantava para pegar mais cipós para os novatos, sentiu olhares vindos de suas costas. Sabia que alunos do Over, quem quer que fossem, observavam-na atentos. Acostumada, recolheu mais um pacote verde posto numa extensa prateleira no começo do campo, que parecia coberto por bosques, e se sentou ao lado de Darana ao voltar.

— Há quanto tempo sabe fazer isso? - a aluna de quatorze anos questionou enquanto aceitava mais cipós.

— Bem, acredito que há mais de dez anos. Meu pai me ensinava qualquer coisa com um raciocínio por trás…

— O que mais sabe fazer?

— Irá usar isso contra mim nas simulações?

— Ahn? Não, honrarei minha mestre! - respondeu levemente surpresa.

— Ótimo - Sky sorriu. - Agora tente traçar do segundo jeito - disse e se focou em seu próprio amontoado de tiras escuras.

Terminava a segunda parte da cesta quando um rapaz animado se aproximou balançando uma folha solitária. Foi cumprimentado pelo grupo de novatos antes que começasse a falar.

— Saiu a lista de clubes! Eles tiraram muitos!

— Quero ver! - outro jovem puxou o papel e o encarou. - Ah, deixaram o de tênis, ótimo!

— E o de teatro, Bengi? - a garota questionou com receio.

— Hm… Também tem! Mantiveram leitura, cálculos, música, alguns outros esportes… E tem uns novos - disse, por fim, surpreso.

Sky ouvia a tudo atentamente, embora parecesse concentrada em terminar sua armadilha. Os alunos da Over pareciam animados em ter, de volta, seus clubes extracurriculares. Na Lupus, nunca tiveram algo do tipo. Provavelmente eram vistos pelo diretor como animais que deveriam ter uma vida dura para se ajustarem.

— Skyla - Darana a convocou.  Você participará de algum clube?

— Nós nunca tivemos clubes - disse naturalmente.

— Ah… Mas são abertos pra vocês - a jovem pulou para o lado de Sky e estendeu o braço, mostrando-lhe o papel. - “Tanto os alunos da Instituição Over e Lupus devem preencher seus cadastros nos clubes desejados até o dia 30, no sábado “ - falou enquanto apontava para um parágrafo no fim.

“Estranho”, foi o que Sky pensou ao ouvir aquilo.

— E aí, em qual vai entrar? - perguntou animada.

Sky passou os olhos pelo resto do comunicado. Teatro, desenho, leitura, esportes, matérias escolares, culinária, jogos de raciocínio e até mesmo tiro ao alvo estavam na lista.

— Há alguns que parecem bons - disse, já pensando nos clubes de desenho e leitura e explicando em seguida.

— Você desenha? - Darava soltou com surpresa. - Você não parece preferir desenhar…

— O que parece que prefiro? - disse sem ser rude.

— Hm… Algo como esportes, tipo… Basquete.

— Por ser violento?

— Ahn, sim.

Sky soltou um pequeno sorriso antes de responder. Entendia o fato de os Lupus serem vistos como alunos sem salvação.

— Gosto de desenhar, escrever…

— Ah, talvez eu entre no de leitura também - o rapaz que chegara a pouco falou.

— Sabe se as competições de antes continuarão, Iwo? Porque estamos no meio de uma ilha… - Dorova, um tanto irônica, questionou.

— Bem, não falaram nada - deu de ombros. - Só divulgaram essa lista.

— Espero que não, competir com japoneses não seria divertido - um outro garoto respondeu.

Skyla apenas sorriu internamente, imaginando como seria competir com asiáticos, que mantinham uma fama de sempre superiores aos outros. Parecia desafiador.