O Preço da Perdição escrita por Stephany Damacena


Capítulo 3
Revelações


Notas iniciais do capítulo

Tudo que eu havia vivido até agora,
não se passava da mais pura mentira,
e eu vou ultrapassar qualquer barreira, para descobrir quem realmente sou!



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— Onde está Sophia? — Questionei Saruman, assim que o “ritual” acabou.

— Isso é doloroso de contar. — Saruman pareceu-me triste. — Em seu décimo sexto aniversário, Mickaela o trouxe aqui. Como de costume sua mãe, Sophia, não perdia nenhuma das sessões, porém naquele dia ela não apareceu. — Ele se deteve e inspirou profundamente. — Eles a haviam capturado e, após a torturarem muito, os anjos de Kael a mataram.

O espanto tomou meu ser. Meu mundo congelou. O ar travou em minha traqueia. Minha coragem estava se esvaindo. Minha mãe fora morta por Kael... Quem seria eu para conseguir acabar com ele?

— Fiquei sabendo dias depois, quando uma pomba bateu em minha janela. Era uma mensageira e, no pacote que trazia no bico, havia uma pena de sua mãe coberta de sangue. — Saruman fungou. — Eu sabia que eles estavam perto de encontrá-lo e foi aí que usei toda minha magia para me esconder e para apagar qualquer rastro seu.

— Mas esse foi o dia que Mickaela desapareceu. — Pensei alto.

— Exato. — Saruman concordou. — Eles a acharam. Eu não tinha forças para escondê-la também. Ela e sua mãe deram a vida pela sua. — Seu semblante mudou e Saruman me encarou. — Honre-as.

— Eu esmagarei Kael com minhas próprias mãos! — A ira se inflamou em meu peito, me enchendo de coragem.

Saruman assentiu satisfeito. Só então lembrei-me de minha mãos. Meus dedos ainda estavam cravados no braço da poltrona. De meu punho para baixo, minha pele tinha uma coloração peculiar, um misto de roxo e tons de amarelo. Eu me foquei em tentar movê-las e nem percebi quando Saruman se aproximou de mim com uma bacia de aguá quente. Tomou então minhas mãos e as colocou na água; em poucos minutos voltei a sentir os dedos. Ainda um pouco adormecidos, tentava mexê-los.

 

“— Cadê a chave, Thamyla? — Kael esbravejou, tomou o rosto de mamãe nas mãos, com intensa raiva, e a obrigou a olhá-lo.

— Eu lhe disse que não sei de merda de chave nenhuma. — Mamãe disse com dificuldade.

— Não consegue fazer nada direito, sua inútil. — Kael a empurrou de encontro a cadeira que ela estava sentada. — Eu ordenei que você o atraísse e descobrisse se era o homem que procurávamos, não para ter uma criatura imunda com esse humano nojento.

— Ele não é nojento. Ele é muito mais que você. — Thamy se levantou e o encarou sem medo. — Caio é muito mais digno do que você como anjo, tem as asas mais brancas e as penas mais robustas do que nosso velho pai. — Cuspiu cada palavra com orgulho, contra a face de escarnio de Kael.

— Obrigado, irmãzinha. — Ele gargalhou orgulhoso. — Então Caio é o homem a quem procuramos por tanto tempo, afinal.

— Kael... Você não precisa fazer isso. — Thamy se lançou aos seus pés e implorou. — Eu trarei a chave a você.

— Você só pode estar ficando louca. — Ele a chutou para longe de si. — Depois de todo o esforço de meu pai, eu não deixarei mais essa responsabilidade em suas mãos. — Kael se agachou até poder olhá-la nos olhos. — Até por que você o ama. — Seu tom era de acusação e mamãe reprimiu um soluço.

Uma mulher loira me tomou no colo, impedindo-me de ver minha mãe.

— Vão! Tragam-o para mim. — Kael estalou a lingua. — Vivo ou morto.”

 

— Caio, Caio. — Filipe me sacudia.

— Caio? — Tarcísio soou confuso. — Ele disse que se chamava Kabir.

— Caio ou Kabir, você que escolhe. — Respondi, meio atônito.

— O que aconteceu com você? — Filipe chamou minha atenção.

— Umas lembranças estranhas. — Assumi.

— Não são lembranças. — Saruman disse. — São “visões”.

— Tipo visões do futuro? — Tarcísio voltou a usar seu tom sarcástico.

— Não. — Saruman o olhou com desprezo. — Esse jovem aqui tem um filho e há uma conexão entre eles. — Saruman soou como se fosse uma coisa óbvia a se pensar. — Seu filho se conecta com Caio que, por sua vez, é capaz de ver e pensar através dele. Mas o bebê não tem noção de que está fazendo isso.

— Nossa! — Tarcísio e Filipe disseram juntos.

— Você deveria saber disso. — Saruman se dirigiu a Filipe. — É o protetor dele.

— Meu protetor. — Repeti monotonamente.

— É, sim. — Filipe coçou a cabeça, encabulado. — Fui enviado pelos céus para garantir que seu destino se cumpra.

— Como você… — Olhei de Saruman para Filipe. — Sabia?

— Uma coisa chamada poder. Você sente o poder de anjo emanar dele. — Ele fitou Tarcísio. — Assim como o poder de Alfa emana de você.

Tarcísio rosnou para Saruman, expondo suas presas. Então ele era o lobo de olhos vermelhos que me fitou naquela clareira... Todas aquelas revelações estavam me deixando muito confuso.

— Porque me ajudou então? — Questionei-o perplexo.

— Porque você é o homem das lendas de meus antepassados. — Seu semblante não se alterou. — E, para vingá-los, te ajudarei no que precisar.

— Obrigado. — Agradeci sinceramente. — Mas se você é um alfa, onde está sua alcateia?

— Sou um renegado. — Tarcísio tentou disfarçar o peso que aquelas palavras exerciam sobre si. — Não aceitei fazer o que o resto da alcateia queria e me deixei ser derrotado. — Um flash de tristeza passou por seus olhos. — Isso me custou muito mais que deixar de ser um alfa: custou minha família.

— Eu não entendo. — Eu tentava organizar toda aquela história. — O que tem de mais em não querer fazer algo?

— Meu garoto. — Saruman me chamou. — Quando você é um líder, tem que tomar decisões que levarão consequências para todos os seus subordinados. O pai de Kael, conseguiu fazer com que todos daquela vila cressem que ele estava certo, e eles o seguiriam. — Ele olhou Tarcísio pelo canto dos olhos. — Mas Tarcísio tinha noção de que tudo o que aquele homem dizia era mentira e se recusou a segui-lo. Em uma luta de alfas ele se recusou a lutar e como penitência mataram a sangue frio sua família e o exilaram.

Todos se silenciaram. Pela primeira vez em dias, vi fragilidade em Tarcísio. Algo que não durou muito, pois ele voltou a assumir sua postura habitual.

— Mas isso não vem mais ao caso. — Tarcísio pigarreou. — Afinal, o que é que você viu, Caio? — Ele parecia não se sentir a vontade em me chamar pelo meu nome.

— Há, Kael mandou seus capangas me rastrearem. — Forcei a minha mente a lembrar das visões de Mōkṣa. — Por causa de Thamy, ele agora tem certeza que eu sou o homem que eles procuram.

— Bela mulher para você se envolver, hein!? — Tarcísio deu leves tapas em meu ombro.

As palavras de Tarcísio me fizeram lembrar do que Kael disse a Thamy: “Até por que você o ama.” Até que ponto aquilo seria verdade? Thamy seria mesmo capaz de me amar e trair minha confiança ao mesmo tempo? Me entregando ao seu irmão inúmeras vezes, de modos diferentes. Eu via verdade em seu olhar, mas ela já me decepcionara antes. Afinal, eu não conhecia em nada a mulher que amava, apenas a fração que ela me possibilitou conhecer.

Com esses pensamentos tomando forma, empurrei o sentimento que tinha por ela, para o lado mais obscuro e esquecido de meu peito e mente. Pois meus sentimentos seriam a última coisa que eu poderia me dar ao luxo de me preocupar. Mas, Mōkṣa não tinha culpa de nada e eu não o deixarei nas mãos perversas de Kael e Guidha, nem nas mãos confusas da mãe.

— E o que faremos agora? — Tarcísio indagou, olhando todos nós.

— Treinar Caio. — Um sorriso malicioso surgiu nos lábios de Filipe, que foi correspondido por Tarcísio.

— Já percebi que não vou gostar disso! — Entendi que eles não teriam o mínimo de compaixão comigo.

— Venham. Vamos comer e depois mostrarei o lugar que poderão treinar. — Saruman nos guiou até a cozinha.

Depois de comermos uma bela refeição, Saruman nos levou para os fundos de sua casa. Atravessávamos um imenso corredor, com diversas portas e cômodos, até sairmos por uma porta estreita que levava para seu jardim. Fiquei admirado com o tamanho. Tinha árvores de variadas espécies e uma grama recém cortada.

— Fiquem a vontade. — Saruman lançou um olhar incisivo para Tarcísio. — Tentem não destruir muito o meu jardim. — Se retirou e fechou a porta atrás de si.

— Primeiro, vamos aprender a usar essas mãos de moça. — Filipe caçoou de mim.

— Mãos de moça. — Revirei os olhos. — Vamos lá então, vou te mostrar quem tem mãos de moça!

Lógico que eu não fazia ideia de como lutar, então, baseado no meu alto conhecimento sobre filmes do assunto. Afastei um pé do outro, colocando-o mais para trás. Levei os punhos na frente do rosto, estava em uma posição perfeita de ataque e defesa. Assim que me posicionei, Tarcísio e Filipe caíram na risada.

— O que está fazendo? — Filipe disse entre risos.

— Qual é!? — Baixei os braços, já estava ficando irritado. — Eu não sei lutar. Ok?

— Isso nós vimos. — Tarcísio retrucou.

— Não faça essa cara. — Filipe tentava conter o riso. — Vou te ensinar. Levante a guarda, do modo como está fazendo, isso!

Filipe deferiu diversos golpes, aos quais pouquíssimos eu consegui bloquear ou desviar. Terminou com um gancho de direito certeiro, fiquei tonto e cai sentado.

— Por favor Caio, me de alguma emoção. — Filipe ria, completamente satisfeito.

— De novo! — Levante-me com dificuldade, e me coloquei em posição.

— Você que manda. — Disse Filipe ao voltar a me atacar.

Lutei, ou melhor, tentei lutar. Eu já não aguentava meu próprio peso sobre as pernas. Tentei mais uma vez e, não consegui levantar.

— Cara, acho que já deu por hoje. — Filipe me deu leves tapas consoladores no ombro.

Juntei todas as forças que ainda me restavam e levantei.

— Eu disse que já chega! — Filipe esbravejou.

— De novo. — Repeti monotonamente.

— Mal consegue manter os punhos erguidos.

— Caio, amanhã nós continuamos. Venha. — Tarcísio, que a luta toda se manteve quieto, veio em nossa direção, passou um de meus braços por seus ombros e segurou minha cintura. Cambaleamos até um quarto. Ele me lançou sobre a cama, saiu e fechou a porta atrás si.

Adormeci rápido por causa da exaustão.

Acordei com Filipe me sacudindo. Meu corpo já não doía tanto e eu era capaz de mais um dia daqueles. Tomamos café com Saruman e seguimos, os três, para o jardim.

— Não me faça passar vergonha Caio. — Filipe riu, com os ânimos restabelecidos.

Eu nada respondi. Inspirei e expirei fundo algumas vezes. Fechei os olhos por um breve segundo e mirei-o. Procurei estudar seus movimentos e manter meu foco e concentração nele. Filipe atacou, acertou em cheio minha face direita. Eu cambaleei para trás, balancei a cabeça, confuso, e voltei a posição. Fiz o mesmo ritual de antes e foquei nos movimentos de Filipe. Sua mão direita fez o mesmo movimento do anterior, e levantando o braço eu o bloquei, no mesmo minuto, soquei seu estomago, e ele arfou.

— Bom garoto. — Ele massageou o estomago. — De novo.

Após esse golpe, Filipe começou a pegar mais leve e a me ensinar como me defender e prever ataques. Aquele dia terminou bem.

Assim que o sol se pôs, deitei exausto na grama. Filipe e Tarcísio me fizeram companhia. Tivemos uma conversa alegre e descontraída. Filipe fez questão de exaltar sua facilidade em conquistar as mulheres e o meu constante fracasso.

— Deve usar seus poderes angelicais para isso. — Ironizei.

— Eu não preciso disso, Caio. — Ele me olhou. — Já você nem com os poderes angelicais conseguiria algo.

Eu o soquei no braço, tentando parecer zangado, e todos caímos na gargalhada.

— Que cena bonita temos aqui. — Saruman adentrou o jardim e se sentou conosco. — Bebam.

Trouxe consigo um fardo de cervejas e depositou a nossa frente. Sem mais demoras, todos se serviram. Ficamos ali até todos estarem completamente bêbados. Deite-me com as mãos abaixo da cabeça e admirei o céu noturno e, sem querer imaginei Thamy e Mōkṣa ali comigo.


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Notas finais do capítulo

O que me consolava, apesar de tudo,
era saber que eu ainda tinha a esses bons amigos.



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