Sr. Papel escrita por Mallow


Capítulo 1
O Dia Em Que Tudo Mudou.


Notas iniciais do capítulo

Espero que goste.
Diga o que acha nos comentários!

Boa Leitura!



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Terminei meu último relatório e me despedi da única pessoa que ainda estava naquele andar do escritório coletivo, o faxineiro.

Eu andava pela movimentada avenida apenas tentando me convencer que no dia seguinte me manteria firme e iria à uma lanchonete onde eu não gastaria muito. Era nisso que eu pensava quando algo pousou delicadamente em meu peito. Parei subitamente, retirando a folha de papel. Olhei ao redor com a esperança de encontrar uma pessoa procurando a folha. Ninguém pareceu notar.

Andei um pouco mais até ver uma lixeira pública.
Não sou do tipo curioso, nem intrometido, mas as letras escritas à mão me chamaram a atenção. Era uma folha de caderno comum mas a letra tinha uma forma jovem. Talvez de adolescente. Eu já fui professor, então me senti familiarizado.

Me sentei em um banco próximo à lixeira. Pensei que se continuasse mais um tempo com a folha alguém poderia notar e aparecer. E se eu ler posso avaliar se vale a pena ou não esperar. Meu lado professor falou mais alto. Me concentrei na página em minhas mãos.

"A ideia inicial era desabafar.... Mas me sinto estranha desabafando pra um ninguém. Resolvi te nomear Sr. Papel. Sei que já escrevi em outras folhas, mas com você será diferente. Afinal, você não é apenas uma folha. É o Sr. Papel. Isso é bem esquisito, admito...
Você deve estar se perguntando: Pra que desabafar? Sabe, eu fiquei grávida aos 16 anos. Josh, meu namorado, dizia que não estava pronto para ser pai e me largou. Enquanto isso, o meu pai estava pra me expulsar de casa. Minha mãe me defendeu e eles começaram a ter discussões frequentemente. Tudo por minha culpa. Eu devia estar com três, quatro semanas quando me desequilibrei e caí da escada que tínhamos em casa. Assim eu tive um aborto espontâneo. No hospital, eu fui diagnosticada com câncer cerebral, o responsável pelo meu desequilíbrio. Para aumentar meu histórico de desgraça, o que ganhei era um tumor maligno. Demorou algumas semanas para que eu fizesse a cirurgia. Meus pais raramente estavam juntos comigo, e isso me magoava terrivelmente. Mas foi tudo por minha culpa. Depois da alta, eu fui poucas vezes fazer o tratamento. Comecei a notar a falta de algumas roupas da mamãe e os discos antigos que papai tanto gostava. No meu aniversário de 17 anos, eles me presentearam com a verdade: não tínhamos dinheiro para nos manter vivendo naquela casa e iríamos para a casa dos meus tios. A mudança não foi nenhum problema. Não sobrara muito já que eu precisava continuar com meus raros, porém caros procedimentos médicos. Eu comecei a ajudar bastante em casa, mas não me mantinha em pé por muito tempo. Me tornei uma inútil ajuda. Parei de ir em festas, cinemas, escola. Via fotos de todos os meus amigos se divertindo, todos felizes. Até que eles me chamavam pra sair, mas eu sabia que era por pena. Eu era bem social antigamente e não foi difícil perceber que eles não queriam ficar comigo. Eu não suportava seus olhares e comentários previsíveis. "Coitadinha". Mas tudo bem.... Agora eu fico indiferente. Minha decisão mais fácil foi desligar o celular. Evitar entrar em contado com os outros fez eu me sentir menos pressionada. Havia um abismo entre nós e eu estava ciente disso. Eu decidi ficar na minha zona de conforto, onde ninguém me fazia perguntas. Me distanciei de Emily também. Sentia que nossas poucas conversas eram apenas ela contando a história e nunca querendo ouvir a minha. Sempre me contando o que fez de novo no cabelo, quais roupas de marca comprou. Sempre me lembrando que, financeiramente, eu nunca seria como ela. Ficava ainda mais bonita, chamando ainda mais atenção. E eu só tinha a piorar. Não me importava mais com estética. Apesar do meu cabelo não cair já que eu fazia poucas visitas à quimioterapia, do jeito que as coisas íam com meus pais, meu tratamento logo iria parar e eu sabia o que aconteceria comigo. Depois de um tempo, eu não a aguentava mais. O único conselho que ela me deu, antes de eu me isolar completamente, foi escrever. No início, até que eu gostei da ideia. Mas percebi que não passava de um meio pra eu não incomodá-la com meus problemas. Cômico, não? Minha melhor amiga me dando falsas ajudas. No entanto, rapidamente me vi rodeada de papéis e canetas. Sempre no quarto e escrevendo quais eram meus sentimentos naquele dia. Eventualmente os papéis começaram a ficar sem palavras. E eu não sentia nada. Eu literalmente passava o tempo inteiro na cama. Meus dias se tornaram indistinguíveis. Era apenas um ruído branco, apenas um peso preenchendo a cabeça. Uma parte de mim queria fazer as coisas direito, uma súbita onda de positividade que me fazia querer sair e encontrar pessoas, mas tudo passava muito rápido porque eu sabia que não ia funcionar de qualquer maneira. Eu fracassaria mais uma vez. Do mesmo jeito quando fui procurar um emprego. Qualquer coisa que eu pudesse fazer. Mas não obtive sucesso. Eu parei de estudar, afinal. E mal conseguia me manter firme. Toda a minha satisfação tinha ido embora. As pequenas coisas que me alegravam tornaram-se sem importância. E mesmo as tarefas mais simples começaram a ficar dolorosas. "Por que continuar tentando se nada me faz feliz?" eu pensava muitas e muitas vezes. Mas me faltava coragem. Talvez eu não tivesse a motivação pra isso também. Tudo foi ficando cada vez mais difícil. Nosso país entrou em crise e ficou praticamente impossível continuar o tratamento. Meus pais estavam desesperados tanto comigo quanto com o casamento que pareciam não ter solução. Mesmo que tentassem esconder a cada sorriso falso e um "Vai ficar tudo bem" mentiroso. Sem saída, fali meus pais e meus tios eram os próximos. As coisas não podiam continuar desse jeito. Todos são pessoas boas, entende. Então, por que isso foi acontecer logo com eles? Não era justo. Eu destruí tudo em apenas uma noite com Josh. Mamãe lutava e me defendia com uma decepção insuperável. Papai não me olhava mais como antes. Não era mais a sua garotinha. Eu até podia sentir o nojo que eles tinham de mim. A vergonha. Foi tudo minha culpa e eu sinto muito. Deus sabe o quanto eu sinto. Se eu não tivesse amado o desgraçado do Josh... Se eu não estivesse doente... Se eu não estragasse tudo... Desculpe, Sr. Papel. Me dê um segundo."

Haviam pequenos círculos suavemente úmidos na página. Um vulto em minha frente quase me tirou a concentração. Decidi olhar as escritas que restaram.

"Acho que essa era a motivação que me faltava. Eu não penso em recuar. Já recuei tanto. Eu não aguento mais esse peso. Estou cansada. Me perdoe, pai. Eu te amo, mãe. Sei que já escrevi em outras folhas, mas com você será diferente. Afinal, você não é apenas uma folha.
É a minha última linha."

Após suspirar e secar algumas gotas que teimavam em descer dos meus olhos, resolvi prestar atenção ao meu redor. Um grupo de pessoas, que a cada segundo parecia aumentar, se formava em um ponto da avenida. Não sou um homem curioso, mas não tive como evitar. Pedindo algumas licenças e passando por senhoras com rostos assustadoramente em pânico, me encontrei rente ao centro do círculo. Uma garota estava no chão, caída de bruços. Sangue banhava sua cabeça. Em uma das mãos, segurava fortemente uma caneta.


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Notas finais do capítulo

Obrigada por ter lido! ^^Fique à vontade para dar sugestões de melhorias pra One! ^^♥



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